Thiago Carpini
Vitória, 2024-Presente
O que acontece com os técnicos brasileiros? Para mim, o futebol brasileiro deveria confiar mais nos jovens treinadores.
Na primeira oscilação de um jovem treinador, dizem: ‘Ah, mas ele não tem experiência’. A gente quer tanto uma reformulação, mas não tem paciência para colocá-la em prática.
Senti um pouco disso no São Paulo. Comandei a equipe em apenas 18 jogos. Fomos campeões da Supercopa do Brasil, tivemos bons resultados e alguma oscilação, o que é natural em um início de projeto. Acho que o trabalho merecia uma sequência.
Talvez a minha idade tenha pesado na decisão contrária da diretoria. Todo mundo começou um dia. Ninguém é experiente no início da carreira.
O meu começo como técnico foi há bastante tempo, apesar de eu ainda ser jovem. Fui auxiliar de Evaristo Piza, no XV de Piracicaba, em 2018, poucos meses após eu me aposentar dos gramados.
Eu havia me formado em educação física ainda enquanto atleta. Mas não sabia bem o que queria fazer após pendurar as chuteiras. Foi Piza, que tinha sido meu técnico no Guarani, quem me abriu as portas da nova carreira.
"Queremos tanto uma reformulação, mas não temos paciência para colocá-la em prática"
Eu não estava convicto, mas como Piracicaba fica perto de Campinas, onde eu morava, resolvi aceitar o convite e experimentar a nova função. Fizemos uma campanha muito boa, quase levamos o XV de volta à elite do futebol paulista.
Depois, o Piza teve um convite para assumir o comando do Botafogo da Paraíba, que não fica exatamente perto de Campinas. Mas aí, eu já tinha pegado gosto pela coisa. Já não tinha mais dúvidas: eu queria ser treinador de futebol.
Mais uma vez, o trabalho deu bons frutos. Fomos finalistas da Copa do Nordeste - perdemos a decisão para o Fortaleza, de Rogério Ceni - e fomos campeões paraibano. Então, recebi o convite do Guarani para ser auxiliar permanente do clube.
Não tinha completado um ano do início da minha aventura como auxiliar técnico e, de certa forma, surgia a oportunidade de retornar a casa. Meus últimos quatro anos como atleta foram no Guarani. E eu voltaria para perto da minha família.
Em 2019, o Guarani precisou que eu assumisse o comando interinamente em dois jogos da Série B. O clube precisava de um milagre para não ser rebaixado. A equipe tinha somado apenas 13 pontos em 19 rodadas. E eu nunca tinha ficado à beira do campo, como treinador principal.
"Independentemente de como acabou o meu vínculo com o São Paulo, a experiência foi maravilhosa"
Naquele momento, o elenco tinha 43 jogadores. Não havia auxiliar técnico, porque eu era o auxiliar fixo do Guarani e não houve reposição. Uma semana após eu assumir o comando, o presidente renunciou ao cargo.
O salário do elenco estava com quatro meses de atraso e, no meu primeiro treino como técnico, a torcida invadiu o campo para ameaçar os jogadores. Acho que deu para entender que o cenário não era dos mais tranquilos.
No fim, fiquei bem mais que os dois jogos. Foram quase dois anos como treinador principal do Guarani. Escapamos do rebaixamento naquela temporada, com uma impressionante campanha de recuperação.
Os meus passos seguintes foram de curta duração. No Oeste, na Inter de Limeira, no Santo André e na Ferroviária. Em nenhum deles, comandei a equipe por mais de 13 partidas. No entanto, foram experiências importantes para mim.
Mas viria no projeto seguinte o trabalho que mais me orgulha até aqui em minha jornada como treinador: o Água Santa.
Cheguei ao clube, em meados de 2022, e tive autonomia para reformular completamente o elenco visando a disputa do Campeonato Paulista do ano seguinte. Em 40 dias, trouxemos 23 novos jogadores.
"Sou movido por grandes desafios. O treinador não pode ter receio de enfrentar dificuldades"
O Água Santa confiou em mim, tanto na escolha dos atletas, quanto na forma que eu queria que a equipe jogasse. A ideia era montar um time competitivo, que soubesse defender, mas que também tivesse coragem e organização tática para atacar.
Superamos grandes equipes pelo caminho, como São Paulo e Red Bull Bragantino, para chegar à final contra o Palmeiras, de Abel Ferreira. Naquela semana da final, até a BBC de Londres veio fazer matéria em Diadema.
Ao olhar para trás, percebo que todo aquele barulho externo prejudicou o nosso ambiente. Do presidente ao centroavante, estávamos todos dando entrevistas e participando de programas enquanto o foco deveria ter sido exclusivamente a final.
De qualquer maneira, o vice-campeonato foi uma conquista para o Água Santa. Aquela campanha abriu um novo horizonte na minha carreira.
"Foi Piza, que tinha sido meu técnico no Guarani, quem me abriu as portas da nova carreira"
Meu próximo desafio foi no Juventude, que estava na zona do rebaixamento da Série B do Brasileirão. A equipe tinha somado apenas 3 pontos em 18 possíveis na liga. Mas eu via potencial no grupo de jogadores, sabia que poderia mudar o rumo daquela campanha.
Dentre os bons talentos que havia no elenco, a principal referência era Nenê. Um cara engraçado, gente boa, além de ser um grande jogador. Era curioso porque ele tinha 43 anos, e eu, seu treinador, estava com 39. Nenê me ajudou muito em todo o processo.
De cara, conseguimos emplacar cinco vitórias seguidas. E acabamos a Série B com o vice-campeonato, promovidos à elite do futebol brasileiro.
Cheguei a renovar o contrato com o Juventude, eu seria o treinador do clube em 2024. Ajudei a montar o elenco e recusei propostas de grandes clubes, como Santos e Cruzeiro. Mas, então, apareceu o São Paulo com um projeto irrecusável.
Acho que foi a melhor decisão que tomei na minha vida. Independentemente de como acabou o meu vínculo com o São Paulo, a experiência foi maravilhosa. Quatro anos antes, eu estava buscando um campo que tivesse um pedacinho que fosse de grama para treinar o Água Santa.
"James Rodríguez, Lucas Moura, Rafinha, Arboleda, Calleri… Foi como viver um sonho"
Em pouco tempo, cheguei a um gigante como o São Paulo, com toda a sua estrutura impecável. Lembro do meu primeiro dia, ao ver jogadores como James Rodríguez, Lucas Moura, Rafinha, Arboleda, Calleri… Foi uma sensação de viver um sonho.
Trabalhar no São Paulo coloca um carimbo positivo na sua carreira. É o São Paulo de Telê Santana, Muricy Ramalho, Rogério Ceni, Dorival Junior, Fernando Diniz, Hernán Crespo e de tantos grandes técnicos que passaram por lá. E eu também tive esse privilégio.
Quando cheguei ao Vitória, senti que as pessoas me olhavam diferente do que havia acontecido até então na minha carreira. Eu já não era mais um jovem promissor. Eu era o Carpini, que foi campeão pelo São Paulo.
Aceitei o projeto do Vitória com muita honra e responsabilidade. A equipe ainda não tinha vencido nenhum jogo na Séria A do Brasileirão, e somava 1 ponto em 5 rodadas. Conseguimos nos reinventar, fazer bons jogos e vencer rivais de peso, como Fluminense e Palmeiras, por exemplo.
Sou movido por grandes desafios. O treinador não pode ter receio de enfrentar dificuldades. Afinal, elas fazem parte do dia a dia do futebol.
Estou muito orgulhoso de toda a minha caminhada até aqui. E estou convencido de que a competência de um treinador não está atrelada à sua idade. O Brasil necessita de treinadores jovens e bem preparados, assim como necessita de paciência.
Não tenho dúvidas de que esse é o caminho para a mudança que necessitamos.
Thiago Carpini