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O Ajax de Rinus Michels e o Brasil de Telê Santana

O Ajax de Rinus Michels e o Brasil de Telê Santana
Getty Images
Redacción
Felipe Rocha
Publicado el
17 de diciembre 2024

José Peseiro

Treinador da Nigéria, 2022-2024

Hoje em dia, há muitos jogos cinzentos. Às vezes, é preciso muita paciência para acompanhá-los até o fim. O futebol deve ser entusiasmante para quem o pratica e o assiste.

Cobro das minhas equipes um estilo eficiente, mas que também seja capaz de entreter.

Ao olhar para trás, diria que há duas equipes históricas que influenciaram a minha forma de ver o futebol: o Ajax, de Rinus Michels, e a seleção brasileira, de Telê Santana.

O Ajax, por ter sido precursor de um jogo com muita mobilidade, com apenas três ou quatro jogadores com posições fixas. E o Brasil, depois, também encantou o mundo com o futebol demonstrado na Copa de 1982.

José Peseiro cita a seleção dos Holanda comandada por Rinus Michels (1984-1988) como uma de suas grandes referências. Allsport UK /Allsport

Todos nós somos marcados pelas nossas vivências, pelas pessoas que admiramos. Com os treinadores não é diferente. Pelo menos, foi assim comigo. Esses times foram determinantes na minha maneira de entender o futebol. Mas o mundo ideal nem sempre se encaixa na realidade.

Em minha caminhada como treinador, não foram poucas as vezes que precisei abrir mão desse estilo de jogo mais ofensivo. Para levá-lo a cabo, você precisa ter jogadores capazes de interpretá-lo e, sobretudo, de tempo de trabalho. No futebol profissional, portanto, é preciso saber quando se adequar e buscar outros caminhos.

"O Ajax, por ter sido precursor de um jogo com muita mobilidade"

Foi o que aconteceu conosco recentemente na seleção da Nigéria. 

Adotamos uma forma de jogar menos audaz, em busca de eficácia em detrimento de um jogo mais vistoso. Foi uma mudança de rota, que nos conduziu à final da Copa Africana de Nações de 2024. Acabamos com o vice-campeonato, ao perder a decisão para a forte seleção da Costa do Marfim, anfitriã do torneio.

José Peseiro e Victor Osimhen
José Peseiro foi treinador da seleção da Nigéria de 2022 a 2024, com uma destacada participação na Copa Africana de Nações. Franck Fife/AFP via Getty Images

Nessas competições de curta duração, um estilo mais pragmático costuma ser mais premiado do que um jogo mais ofensivo. O Brasil de 1982, por exemplo, não foi campeão mundial.

No entanto, o nosso início de trabalho à frente da Nigéria foi diferente. Conseguimos implementar um futebol entusiasmante. Nas eliminatórias para a CAN, fomos a seleção com mais gols marcados (22), dez deles feitos pelo artilheiro da competição, Victor Osimhen.

"Cobro das minhas equipes um estilo eficiente, mas que também seja capaz de entreter"

Vencemos cinco dos seis jogos disputados nas eliminatórias, só a Argélia somou mais pontos. Mas a verdade é que nunca nos sentimos confortáveis na fase defensiva. Quando perdíamos a bola, não demonstrávamos a segurança que exigimos de nossas equipes.

Na estreia da Copa Africana de Nações, empatamos por 1 a 1 com a Guiné Equatorial, em um jogo que havíamos sido bem superiores, mas não conseguimos vencer. Então, decidimos mudar a abordagem tática a partir do compromisso seguinte. Como é óbvio, era uma estrutura já treinada e testada em outras ocasiões, sobretudo nos treinamentos.

Telê Santana (na imagem) foi técnico da seleção brasileira de 1985 a 1986. Uma equipe que também influenciou a filosofia de jogo de José Peseiro. Allsport UK /Allsport

Ao adotar esse estilo mais conservador, a confiança da equipe aumentou. E o treinador precisa estar atento a esses sinais, não pode morrer abraçado com suas convicções. Ganhamos da Costa do Marfim (1 a 0) e da Guiné-Bissau (1 a 0) nas seguintes partidas da fase de grupos e avançamos às oitavas de final.

Só voltamos a sofrer gol na semifinal do torneio, no empate por 1 a 1 com a África do Sul. E, depois, os dois sofridos no segundo tempo da final diante dos marfinenses. Apesar do dissabor no fim, o trabalho que fizemos na Nigéria foi muito bem-sucedido.

"O futebol é dinâmico e nós, treinadores, nunca sabemos onde será o seguinte desafio"

Em outros projetos, eu e minha comissão técnica conseguimos que nossas equipes mostrassem um futebol atraente e eficaz. Foi assim, por exemplo, no Sporting. E não é porque chegamos à final da Taça Uefa, atualmente chamada de Europa League, recolocando o clube numa final europeia após um hiato de 41 anos. Digo porque realmente tínhamos essa forma de jogar, um estilo ofensivo e, consequentemente, entusiasmante.

A verdade é que os jogadores tinham as características necessárias para desempenhar esse jogo. E, assim, construímos uma equipe que alegrava seus torcedores não somente pelo estilo, mas também pelos resultados que conseguia em campo.

José Peseiro - SC Braga
José Peseiro possui vasta experiência na gestão de clubes e seleções, incluindo o Braga (2012/13). Andrew Yates/AFP via Getty Images

Em retrospectiva, diria que também fomos felizes com esse futebol ofensivo no Braga, onde fomos campeões da Taça da Liga, em 2013; no próprio Nacional, com quem subimos da segunda à primeira divisão portuguesa; no Al-Wahda, dos Emirados Árabes Unidos, onde ficamos mais de um ano sem perder; Panathinaikos, da Grécia; no Al-Ahly, do Egito; e no Al-Hilal, da Arábia Saudita.

Todas essas experiências foram muito valiosas para a minha carreira como treinador de futebol. Mas nem sempre as coisas saem como gostaríamos ou havíamos imaginado. E também nessas ocasiões menos felizes, aprendemos muito, e evoluímos.

"E o Brasil, depois, também encantou o mundo com o futebol demonstrado na Copa de 1982"

No Porto e no Vitória, em Portugal, não tivemos tempo suficiente para implementar as nossas ideias. Projetos que priorizem um jogo mais defensivo levam menos tempo para se desenvolver. Equipes que se propõem a jogar um futebol ofensivo exigem mais tempo de trabalho.

Isso por causa da complexidade das dinâmicas, das combinações entre os jogadores e como eles têm que reagir na fase defensiva. São situações mais difíceis de concretizar, é preciso muito treino.

José Peseiro - FC Porto
José Peseiro comandou o FC Porto, um dos grandes clubes de Portugal, em 2016. Miguel Riopa/AFP via Getty Images

É por isso que a minha maior vontade no momento é retornar para o futebol de clubes. Meus trabalhos mais recentes foram nas seleções da Venezuela e, depois, na Nigéria. Foram quase 5 anos entre esses dois últimos projetos.

Havia a possibilidade de permanecer na seleção nigeriana, que muito provavelmente estará na próxima Copa do Mundo - algo aliciante - mas apesar disso, escolhi deixar o cargo.

Sinto falta do dia a dia de um clube, do convívio diário, dos treinamentos frequentes para construir uma forma de jogar. Um selecionador não tem essa oportunidade. Acaba por fazer mais observações, mais análises por vídeos, uma vez que não tem o seu elenco sempre por perto.

Não que seja fácil construir uma equipe que entusiasme e vença em um clube. Mas o contexto é definitivamente mais apropriado para isso do que em uma seleção. O futebol é dinâmico e nós, treinadores, nunca sabemos onde será o seguinte desafio.

Onde quer que seja, queremos construir uma equipe que não jogue um futebol cinzento.

José Peseiro