Jürgen klopp
Liverpool, 2015-2024
O imenso impacto de Jürgen Klopp em nove temporadas como técnico do Liverpool pode ser medido de várias maneiras. Os títulos - principalmente o que interrompeu um jejum de 30 anos na Premier League - foram muitos. Assim como os jogos memoráveis, por exemplo aquele contra o Barcelona, pela semifinal da Liga dos Campeões de 2018/19 (taticamente explicado, abaixo, por seu assistente Pep Lijnders).
Sem esquecer, é claro, de sua gigantesca conexão com a metade vermelha de Liverpool, onde recebeu o 'Freedom of the City', a maior distinção concedida pela cidade, tornando-se apenas o segundo estrangeiro a recebê-la, depois de Nelson Mandela.
A base de tudo isso foi, sem dúvida, o estilo de jogo explosivo de suas equipes durante seu período em Anfield.
Ainda em seu tempo de Borussia Dortmund, Klopp explicou a diferença entre seu estilo de jogo e o de Arsène Wenger: "Ele gosta de ter a bola, de jogar futebol, muitos passes. É como uma orquestra. Mas é uma música silenciosa. Eu gosto mais de heavy metal. É sempre barulhento’'.
O rótulo de "futebol heavy metal" pegou. Mas o que isso significou na prática em Anfield?
Abaixo, nossos treinadores, licenciados pela Uefa, analisam a evolução tática do Liverpool sob o comando de Klopp, destacando as principais características de suas equipes entre 2015 e 2024.
Pressão pós-perda
Klopp substituiu Brendan Rodgers em outubro de 2015, e imediatamente implementou um estilo de jogo semelhante ao que vimos no Dortmund. Sua passagem pela Bundesliga foi marcada por uma pressão pós-perda agressiva, recuperações eficientes e duelos fortes, aliados a um futebol ofensivo e objetivo.
O Liverpool encerrou a temporada de estreia de Klopp como a equipe com os melhores índices em duelos defensivos na Premier League, após ter melhorado significativamente a mesma estatística sob os comandos de Rodgers. A equipe também ficou em terceiro lugar no número total de duelos defensivos, o que se tornaria um elemento fundamental do estilo de jogo inicial de Klopp em Anfield.
Esses duelos bem-sucedidos geralmente aconteciam em momentos em que o Liverpool perdia a bola. O que, naturalmente, impedia que os adversários gerassem contra-ataques, mas também servia ao Liverpool como uma ferramenta de ataque própria.
Os adversários começavam a se abrir depois de recuperarem a bola do time de Klopp, com vários jogadores se movendo para novas posições ou espaços. E como o Liverpool frequentemente recuperava a bola com rapidez, encontrava-se em posição de aproveitar os espaços que surgiam.
O 4-2-3-1 foi a estrutura inicial preferida de Klopp em 2015/16, antes de mudar para um 4-3-3 nas temporadas seguintes (abaixo). A capacidade de Emre Can, James Milner e Adam Lallana de se imporem nos duelos dava ao Liverpool um meio-campo agressivo e comprometido com a pressão pós-perda naquela primeira temporada, algo que era complementado pela pressão bem exercida por Roberto Firmino de frente para trás.
Georginio Wijnaldum (nº 5, acima) chegou em julho de 2016, vindo do rebaixado Newcastle United, enquanto Jordan Henderson (nº 14) se estabelecia no meio-campo. Assim, o Liverpool tinha dois excelentes '8' no 4-3-3 de Jürgen Klopp, que apoiavam a pressão da linha de ataque, composta por Firmino (nº 11), Sadio Mané (nº 19) e Philippe Coutinho (nº 10). É importante ressaltar que esses jogadores também trabalhavam incansavelmente para cobrir qualquer espaço na frente ou entre os quatro defensores.
Ataques de transição
A chegada de Jürgen Klopp não melhorou imediatamente a estatística de gols sofridos, apesar do sucesso de sua equipe nos duelos. O que melhorou significativamente foi a ameaça nas transições. O Liverpool terminou 2015/16 como o segundo time que mais gols marcou nos 29 jogos em que Klopp esteve no comando na liga. Antes de sua chegada, o Liverpool estava apenas em 14º lugar nesse quesito.
O Liverpool teve uma média de cerca de 60% de posse de bola nas duas temporadas seguintes, 2016/17 e 2017/18. Mas foram suas transições ofensivas, com Mané, Coutinho e Firmino, que transformaram os Reds em uma potência ofensiva. A chegada de Mo Salah, em 2017, só fez aumentar a ameaça nas transições. Em sua primeira temporada, o egípcio marcou 32 gols na Premier League. Enquanto isso, a pressão pós-perda no setor de meio-campo seguia a todo vapor, permitindo que a perigosa linha de frente do Liverpool capitalizasse com as roubadas de bola em campo ofensivo.
A movimentação de Firmino (agora na posição 9, acima) era importante na forma como o Liverpool atacava, conectando-se aos movimentos de penetração de Salah (11) pela direita e Mané (19) pela esquerda. Depois de recuperar a posse de bola no meio-campo, jogadores como Henderson, Wijnaldum, Milner e Can trabalhavam a jogada de maneira determinada para chegarem à linha de frente.
O papel dos laterais
Em 2018, Jürgen Klopp havia conduzido o Liverpool à final da Liga dos Campeões e estava bem consolidado em seu cargo. Em janeiro, ele contratou Virgil van Dijk; com Alisson Becker e Fabinho entre os reforços que chegaram no verão seguinte.
No início da temporada 2018/19, sua equipe ainda tinha uma média de pelo menos 60% de posse de bola, com os laterais Trent Alexander-Arnold e Andy Robertson se tornando figuras-chave. Eles ocupavam posições altas no terreno de jogo, dando ao Liverpool uma vantagem adicional em seus ataques. Era o complemento perfeito para os dribles de Salah e Mané, e seus posicionamentos inteligentes, com incursões internas sem bola, assim como para as incansáveis movimentações de Firmino em direção à linha de meio-campo. Enquanto pelo menos um dos meio-campistas - geralmente os '8' - também costumava se juntar ao ataque com corridas desde a segunda linha (abaixo).
Em todas as temporadas de 2018 a 2023, o Liverpool registrou pelo menos o segundo maior número de cruzamentos na Premier League. Nesse período, Alexander-Arnold e Robertson foram os que mais fizeram cruzamentos para a equipe de Klopp. Alexander-Arnold ficou em terceiro lugar em assistências na Premier League de 2018/19, com Robertson em quinto. Na campanha da conquista do título, eles ficaram em segundo e terceiro lugares, respectivamente - atrás apenas do meia Kevin De Bruyne, do Manchester City.
Os cruzamentos frequentes da dupla, seus cortes e passes cruciais, encontraram os companheiros de ataque com regularidade, enquanto os adversários do Liverpool não tinha enormes dificuldades para conter a ameaça vinda pelos lados. A participação dos laterais nas jogadas de bola parada também foi um elemento valioso do ataque de Klopp.
Ter um lateral que seja um ameaça ofensiva ao rival é uma grande vantagem, imagine então ter dois no mesmo time. Sempre que um adversário tentava pressionar ou forçar a jogada para um dos lados, o lateral do lado oposto tinha mais espaço para ameaçar. A dupla de laterais também começou a combinar diretamente um com o outro, por meio de inversões de jogadas, exibindo uma excelente variedade de passes por todo o terreno de jogo.
Aquele trio de ataque
Para limitar a ameaça dos laterais do Liverpool, os adversários protegiam seus avanços pelos flancos, muitas vezes deixando os pontas posicionados em profundidade. Além disso, alguns adversários pressionavam e forçavam o jogo interno, tentando limitar o envolvimento dos laterais do Liverpool. Nesses momentos, a estreita linha de frente - frequentemente composta por Salah, Mané e Firmino - provava seu valor. Durante algum tempo, eles provavelmente foram os três atacantes mais eficientes do futebol mundial.
Individualmente, eles se destacavam no 1x1, o que era ideal para quebrar um sistema compacto e com enfoque na marcação por homem. A ameaça de drible de Salah pela direita (abaixo) e sua capacidade de cortar para dentro criavam oportunidades de finalizações, além de atraíram os defensores. O que, por sua vez, liberava Mané, Firmino, os laterais que avançavam e qualquer corredor que se somava desde o meio-campo.
Firmino se deslocava ao meio-campo para criar superioridades no setor, onde se conectava entre linhas e invertia posições com Wijnaldum, Henderson, Naby Keïta ou Alex Oxlade-Chamberlain, que corriam na direção oposta. Essencialmente, seus movimentos arrastavam e atrapalhavam a os zagueiros adversários, criando espaços para Salah e Mané.
Mané foi o jogador mais vertical nesse ataque do Liverpool, agredindo a linha defensiva adversária (acima) e fazendo também corridas verticais com a bola. Em suas ações, o senegalês se beneficiava tanto dos dribles de Salah, quanto do posicionamento de Firmino. Quando essas movimentações ou trocas de posição eram bem marcadas, abria-se espaços nas laterais para Alexander-Arnold e Robertson, que então surgiam como novos integrantes da linha de frente.
Além de suas qualidades individuais, aquele trio de ataque também oferecia combinações poderosas, muitas vezes imparáveis. Eles conseguiam se encontrar entre linhas, tanto por meio de combinações que faziam em pouco espaço, quanto em situações de contra-ataque. Entre 2018 e 2022, Mané, Salah e Firmino ficaram somente atrás dos laterais em números de assistências dadas no Liverpool.
Rotações centrais
O jogo do Liverpool pelos lados se mostrou frutífero não apenas pelo trabalho de seus laterais, mas também pelos deslocamentos abertos do meio-campista pela direita, Henderson, que trabalhava em torno dos movimentos internos de Salah. Com Henderson dando mais amplitude ao ataque, Alexander-Arnold não procurava apenas fazer ultrapassagens e cruzar quando o Liverpool tinha a posse de bola. Como resultado, Alexander-Arnold podia se deslocar para dentro, na função de ‘8’ ou, por vezes, como um segundo volante. A partir daí, a equipe de Jürgen Klopp começava a construir a jogada em seu próprio campo, com uma dupla de volantes à frente de uma convertida linha de três.
Quando ataca mais à frente no campo, Alexander-Arnold também se destaca por sua variedade de passes. Ele consegue romper a linha de defesa adversária com passes em profundidade ou inversões de jogada. Pela esquerda, Robertson oferece sobretudo ultrapassagens pelo corredor externo. O meio-campista pela esquerda - muitas vezes Curtis Jones na temporada 2023/24 - oferece movimentações semelhantes às do meia pela direita (abaixo).
Com as saídas de Henderson, Mané e Firmino, todas ocorridas desde 2022, exemplos mais recentes de rotações centrais incluem Dominik Szoboszlai, como ‘8' pela direita, oferecendo apoio mais aberto ou mais à frente de Salah. Em comparação com Firmino, Darwin Nunez oferece mais corridas centrais atacando a linha defensiva rival, e partindo de posições mais altas no campo. Diogo Jota também tem sido muito penetrante com seus passes e combinações, especialmente quando posicionado entre linhas.
Jota e Cody Gakpo também desempenharam o papel de centroavante, às vezes recuando para receber, criar superioridade no meio-campo e atrair os zagueiros adversários. Ambos são mais penetrantes e têm um perfil mais ofensivo do que Firmino, embora nenhum deles tenha a mesma criatividade do brasileiro.
Como resultado da variação de suas combinações centrais e do jogo ofensivo, o Liverpool tem feitos bem menos cruzamentos em 2023/24 do que em qualquer outra temporada desde 2018.
Construção de jogo
Outra evolução recente na equipe de Jürgen Klopp é a forma como se adapta e ajusta a sua construção de jogo, à medida que avança, com bola, pelo terreno de jogo. Isto sem abrir mão das transições intencionais e efetivas, além da pressão pós-perda.
Juntando-se ao único volante - Fabinho em 2022/23, e principalmente Alexis Mac Allister ou Wataru Endo em 2023/24 -, Alexander-Arnold tem frequentemente feito incursões desde a lateral-direita, com o restante da linha defensiva formando um trio temporário. É um 3-2 inicial, ou um 4-2 quando Alisson participa, uma configuração comum em muitas das principais equipes da atualidade (abaixo, com Joe Gomez jogando na lateral-esquerda na ausência de Robertson por lesão).
O Liverpool tem tentado encontrar o equilíbrio ao avançar ao campo adversário. As equipes que jogam dessa forma geralmente mantêm a estrutura 3-2 atrás da linha da bola, uma vez que a tenham conduzido à linha de ataque. Mas como Robertson segue tendo muita influência na fase ofensiva, ele continua avançando. O que deixa uma configuração 2-2 e menos jogadores para defender um eventual contra-ataque.
Mesmo sem o avanço do lateral-esquerdo, um zagueiro precisa proteger uma zona mais aberta pela direita nas transições. Dessa forma, os adversários com pontas pela esquerda mais verticais e velozes têm ameaçado o Liverpool mais do que antes.
O ponto principal desse esquema adaptado foi colocar Alexander-Arnold em uma área mais central e influente para desempenhar um papel criativo na construção de jogo. Ele não se cansa de demonstrar sua excelente capacidade de passes, criando chances ao se conectar diretamente com a linha de ataque.
Naturalmente, seus cruzamentos diminuíram - após 21 jogos na Premier League na temporada 2023/24, ele registrou seu menor número de cruzamentos por 90 minutos desde 2017. No entanto, sem os deslocamentos de Firmino ao meio - e com Núñez oferecendo corridas em profundidade - Jürgen Klopp encontrou um novo método de criar superioridades por meio de Alexander-Arnold.
Embora Klopp tenha permanecido fiel ao seu estilo heavy metal durante todo seu tempo à frente do Liverpool, os detalhes táticos na forma de jogar de sua equipe certamente evoluíram. Será fascinante ver o que seu sucessor fará na sequência.
Redacción: The Coaches' Voice