Portugués Tiempo de lectura: 11 min

Uma dupla, uma só voz

Uma dupla, uma só voz
Juan M. Ferrari
Redacción
Héctor García
Publicado el
24 de septiembre 2025

Favio Orsi y Sergio Gómez

Platense, 2024-2025

Aqui, na Argentina, a dupla de treinadores mais conhecida é a de Óscar López e Óscar Cavallero, que trabalharam juntos por 30 anos. Mas sabemos que não é comum dois treinadores comandarem um time juntos. Ou seja, sem haver um treinador principal e um auxiliar. Menos comum ainda é o Platense ganhar o campeonato.

Para entender a magnitude da conquista do Platense no Torneio Apertura 2025, para além da Argentina, é como quando o Leicester City, de Claudio Ranieri, venceu a Premier League na Inglaterra ou o Deportivo da Coruña, a LaLiga na Espanha. Digamos, então, que é algo que acontece muito raramente. No Platense, foi preciso aguardar 120 anos, que é a idade do clube. Eles jamais haviam conquistado um título da liga na Argentina.

Por isso, foi tão saboroso. Clubes como o Platense, vivem esses momentos de outra maneira. Você não sabe se eles se repetirão. Os grandes ganham o tempo todo, disputam copas internacionais e têm mais chances. Nós, não.

Foi como viver um sonho. Sabe quando se diz que é preciso visualizar o momento, imaginá-lo antes que aconteça? No nosso caso, isso não aconteceu até o apito final da partida contra o Huracán. Naquele instante, nem sabíamos o que fazer, para onde correr ou quem abraçar. Cada um carrega a sua própria história, mas a de todos nós se conectava com a dos nossos pais. Conseguir algo que nunca havia sido conquistado também foi uma homenagem aos nossos pais.

Favio Orsi (à esquerda) e Sergio Gómez (à direita) trabalham juntos desde 2011. Em 2025, alcançaram seu maior feito: ganhar o campeonato argentino com o Platense.
Favio Orsi (à esquerda) e Sergio Gómez (à direita) trabalham juntos desde 2011. Em 2025, alcançaram seu maior feito: ganhar o campeonato argentino com o Platense.
Joaquín Camiletti/Getty Images

Do ponto de vista esportivo, só há uma palavra para defini-lo: épico. Se fosse uma série de televisão, não tiraríamos nenhum capítulo, porque aconteceu de tudo. Durante o campeonato, perdemos um clássico no último minuto, ganhamos outro da mesma forma... E na série final pelo título, tivemos que jogar sempre fora de casa. Nas oitavas de final, visitamos o Racing e vencemos por 1 a 0. Batemos o River Plate, no Monumental, nas quartas de final, com vitória nos pênaltis por 4 a 2, após empate por 1 a 1. Por fim, na semifinal, ganhamos do San Lorenzo, 1 a 0, no Bidegain.

A final foi contra o Huracán, no Estádio Único Madre de Ciudades, justamente o campo onde o Platense havia perdido outra decisão — a Copa da Liga Profissional — dois anos antes. A responsabilidade era enorme e a forma como foi conquistada, como dissemos, foi um sonho!

"Para entender a magnitude da conquista do Platense no Apertura 2025, para além da Argentina, é como quando o Leicester City, de Claudio Ranieri, venceu a Premier League"

“Então, depois de viver tudo isso, por que vocês decidiram sair do Platense?”. Essa é a pergunta que mais nos fizeram nos últimos meses. Mas há uma única resposta. Foi uma decisão relacionada ao desgaste que vínhamos sofrendo no dia a dia.

Ficamos 16 meses no Platense e, embora sempre tenhamos trabalhado com respeito pelo clube, o desgaste era real. E não concordávamos com muitas situações que vinham de cima. Entre várias dessas questões, nos ofereceram uma renovação de contrato que demorou tanto para chegar que acabou nunca acontecendo.

O Platense derrotou gigantes da Argentina em seu caminho para o título do Apertura 2025. Entre eles, o River Plate, ainda com Franco Mastantuono em seu elenco. Marcelo Endelli/Getty Images
O Platense derrotou gigantes da Argentina em seu caminho para o título do Apertura 2025. Entre eles, o River Plate, ainda com Franco Mastantuono em seu elenco. Marcelo Endelli/Getty Images

Tendo tudo isso em vista, nos últimos dois meses do torneio decidimos nos concentrar apenas no futebol. Como dupla, sempre nos unimos pelo que queremos alcançar. Deixamos o resto de lado para trabalhar juntos e focados no que queremos conseguir. Com o Platense, não foi diferente: colocamos a equipe acima de tudo e de todos.

Depois de conquistar o título e comemorar muito com os jogadores, familiares e amigos, como não poderia deixar de ser, nos reunimos com o presidente. E lá expusemos o que vínhamos dizendo há muito tempo. Todos aqueles problemas do dia a dia.

"Somos uma dupla dentro e fora do campo. Transmitimos isso aos jogadores”

No entanto, o clube tinha uma visão diferente da nossa. “Tudo bem, é o momento certo para irmos embora”, dissemos. Quando se exige dos jogadores, é preciso dar o exemplo. E para exigir, é preciso ter um horizonte. O nosso era alcançar o que ninguém havia alcançado com o Platense: ser campeão. E isso nos motivava. Passamos por muitas situações difíceis e, uma vez atingido o objetivo, sentimos que era o fim.

Fechar o ciclo no clube.

O Platense, com 120 anos de existência, conquistou seu primeiro título na história. Um feito, como apontam os técnicos, baseado na força do grupo. Joaquín Camiletti/Getty Images
O Platense, com 120 anos de existência, conquistou seu primeiro título na história. Um feito, como apontam os técnicos, baseado na força do grupo. Joaquín Camiletti/Getty Images

Decidimos isso entre nós dois. Conscientes também de que muitas pessoas ao nosso redor não iriam entender, porque não é fácil sair de uma equipe quando você está no topo e tem algo seguro em um mundo tão complexo como o dos treinadores. Mas nós fizemos isso com convicção. Mesmo indo embora, estávamos certos de que poderíamos deixar algo bom para o clube.

Sempre pensamos assim, desde 2011. Foi quando nos encontramos para iniciar esse caminho juntos. Naquele momento, estávamos em cenários diferentes. Um (Favio), como treinador à frente de um time muito pequeno, amador; o outro (Sergio), no Club Atlético Fénix, como assistente de campo do treinador, enquanto ainda vivia seus últimos dias como jogador. No Fénix, começamos a trabalhar juntos e, com o tempo, os dirigentes do clube começaram a nos ver como uma dupla.

"É preciso ter um horizonte. O nosso era alcançar o que ninguém havia alcançado com o Platense: ser campeão"

Desde aqueles tempos, sempre houve respeito e sintonia. E o mais importante: a mesma linha. Não há contradições públicas entre nós. Nos damos bem. Compartilhamos essa paixão pelo que fazemos, por ensinar e formar. O que facilita tudo. Além disso, sempre nos unimos em um ponto: o que for melhor para a equipe. Isso nos define.

Somos uma dupla dentro e fora do campo. Transmitimos isso aos jogadores: “Se há dois treinadores e não há egos, é possível trabalhar bem. É preciso deixar o ego de lado, unir-se e cumprir objetivos. Porque é assim que funciona: resultados, pontos e títulos”.

Favio Orsi (51 anos) é o mais experiente da dupla. Ele começou sua carreira como treinador em times modestos do futebol argentino. Juan M. Ferrari
Favio Orsi (51 anos) é o mais experiente da dupla. Ele começou sua carreira como treinador em times modestos do futebol argentino. Juan M. Ferrari

No contato com a direção, vamos sempre os dois. Em todas as reuniões, vamos juntos. E se o presidente fala com um de nós, por qualquer motivo, é como se estivesse a falar com o outro. Nunca houve ciúmes por quem dá mais entrevistas ou aparece mais. Vamos contar algo que nunca revelamos. Uma vez, um clube fez uma oferta para levar apenas um de nós. Estávamos trabalhando e nos perguntaram se apenas um poderia ir. Levamos na esportiva. Dissemos que não, claro. Porque vocês já sabem como somos. Somos dois, com cabeças diferentes, mas muito parecidas.

"Do ponto de vista esportivo, só há uma palavra para defini-lo: épico. Se fosse uma série de televisão, não tiraríamos nenhum capítulo, porque aconteceu de tudo"

Isso nos permitiu passar por muitas coisas juntos. Não apenas no futebol. Também fora dele, em situações que você nem imagina. No Club Social y Deportivo Flandria, entramos no dia 4 de agosto de 2015. Dois dias depois, o clube estava inundado. O rio que atravessa a cidade transbordou como nunca — se você procurar fotos, verá o campo inundado até as traves. Foi terrível. Não podíamos treinar.

Do outro lado da rodovia, havia um parque que pertencia a uma escola. Eles nos emprestaram o local. Era um lugar para acampamentos escolares. Treinávamos lá, na lama, com água até os tornozelos. O campo era pequeno, sem traves. Colocamos duas varas de um lado e duas do outro para fazer as traves. E atrás do gol, havia uma gruta com uma imagem da Virgem Maria.

Sergio Gómez (44 anos) é o treinador mais jovem da dupla. Começou a função durante seus últimos momentos como jogador. Juan M. Ferrari
Sergio Gómez (44 anos) é o treinador mais jovem da dupla. Começou a função durante seus últimos momentos como jogador. Juan M. Ferrari

O Flandria estava na Série B Metropolitana, lutando contra o rebaixamento. Vinha de muitos jogos sem vencer. E nós falávamos aos jogadores para irem para frente, para atacarem o gol adversário. E foi assim que aconteceu.

O profe Walter Zunino, que trabalha conosco há dez anos, nos disse: “Ouçam, rapazes, vocês estão dizendo aos jogadores para atacarem o gol, mas nós nem temos gol!”. Todos rimos. “Não chutem muito alto para não machucar a Virgem”, dizíamos aos jogadores. Daquele lamaçal surgiu um time que, no ano seguinte, conseguiu o acesso à B Nacional.

"Estávamos trabalhando e nos perguntaram se apenas um poderia ir. Levamos na esportiva. Dissemos que não, claro"

No Flandria, e em cada clube, deixamos nossa marca. Almagro, San Martín de Tucumán, Ferro, Godoy Cruz e Platense. Sempre com a mesma ideia. Somos uma equipe técnica pragmática. E o que queremos dizer com “pragmática”? Bem, para nós é simples: não temos um estilo fechado. Nos adaptamos ao contexto, ao clube e à sua urgência. O importante é que a equipe tenha identidade. Que o torcedor se sinta representado. Que pague o ingresso e diga: “Sim, isso me representa”.

Já treinamos equipes com orçamentos baixos, altos e com objetivos distintos: subir, evitar o rebaixamento ou ser campeão. Cada um desses objetivos em divisões diferentes.

Os jogadores do Platense adotaram como seu o discurso da dupla argentina: “É preciso deixar o ego de lado, unir-se e cumprir os objetivos. Porque é assim que funciona: resultados, pontos e títulos”. Marcelo Endelli/Getty Images
Os jogadores do Platense adotaram como seu o discurso da dupla argentina: “É preciso deixar o ego de lado, unir-se e cumprir os objetivos. Porque é assim que funciona: resultados, pontos e títulos”. Marcelo Endelli/Getty Images

Em todos os clubes da primeira divisão que treinamos, onde a competição é acirrada e os prazos urgentes, o objetivo era evitar o rebaixamento. E conseguimos. Mas sempre buscamos algo mais. Uma taça, chegar à fase final do campeonato ou lutar até o fim para ficar o mais alto possível. Porque uma coisa leva à outra. Com pouco ou muito, sempre tentamos ir além.

Mas também batemos na trave muitas vezes. Em San Martín de Tucumán, conquistamos 70% dos pontos. Veio a pandemia e não subimos. No Ferro, aconteceu o mesmo. E aí, sentimos que já tínhamos feito tudo na B. Então, fomos para a Primeira Divisão, para o Godoy Cruz. O time estava em queda livre. Nós o salvamos e quase o colocamos na Copa Sul-Americana. Faltaram dois pontos para conseguir a vaga.

"Esperamos com tranquilidade o próximo passo. Encaramos com paciência, porque sabemos que estamos preparados para o que vier”

Depois, a histórias repetiu no Atlético Tucumán: evitamos a queda e não conseguimos a vaga para a Copa pelo saldo de gols. No Platense, mais do mesmo. Salvamos o time do rebaixamento e faltou um ponto para nos classificarmos para uma competição internacional.

Por três anos consecutivos, aconteceu a mesma coisa. Foi doloroso, mas não nos derrubou.

Sergio Gómez e Favio Orsi aguardam um novo desafio após alcançarem um marco histórico não só no futebol argentino, mas também mundial. Juan M. Ferrari

Em 2025, fomos com tudo. Em busca do que nunca havia sido conquistado: um título. Essa insistência, essa perseverança, foi recompensada. Às vezes, você pensa: “Se tivéssemos nos classificado para a Copa Sul-Americana, talvez não tivéssemos sido campeões”. Porque o clube não estava preparado para competir em duas frentes. Não teria sido possível nos concentrarmos na liga como fizemos.

Porém, mais uma vez, uma coisa leva à outra.

Agora, esperamos com tranquilidade o próximo passo. Encaramos com paciência, porque sabemos que estamos preparados para o que vier. Não importa a magnitude do desafio. Não se trata de arrogância da nossa parte. Trata-se de convicção: somos uma equipe técnica formada, sólida, com anos de trabalho e com pessoas idôneas em cada área.

Mas tem que ser algo que nos motive. Porque é disso que se trata: realizar sonhos e ter um horizonte claro. E, obviamente, continuar transmitindo juntos essa paixão que temos.

Favio Orsi y Sergio Gómez