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Uma nova vida

Uma nova vida
Redacción
Héctor García
Publicado el
19 de julio 2023

Gerardo Martino

Inter de Miami, 2023-2024

Quando cheguei a Atlanta em 2016, foi um refúgio para mim. Depois do Barcelona e da seleção argentina, nos anos anteriores, eu queria ficar fora da vista do mundo. Fora dos holofotes, mas sem deixar de trabalhar e competir.

Foi enorme a exposição midiática que tive no Barça e na Argentina, e acabei me cansando das histórias que, em muitas ocasiões, nem precisavam que o jornalista escrevesse uma manchete impactante. Tudo era notícia, e todos consumiam aquelas histórias.

Mas, às vezes, também há histórias que, dependendo da conveniência, deixamos que circulem pelo nosso próprio interesse. Uma delas, que deixei correr a meu respeito, é a que fala sobre como, em meus últimos anos como jogador, eu assistia os jogos da NBA do ponto de vista de um futuro técnico de futebol. Que eu anotava em meu caderno tudo relacionado à tática, aos técnicos, aos movimentos dos jogadores.... No entanto, não havia nada disso. Eu assistia a NBA porque sempre gostei de basquete.

Em meu bloco de anotações havia apenas números. Gosto de saber os minutos jogados por cada jogador, os que marcam mais pontos, os que têm mais rebotes.... Gosto das estatísticas e de acompanhar esses dados. Mas nada que estivesse relacionado à visão de um futuro técnico.

Mas, bem, é uma história que eu deixei passar porque não fazia mal. E, se calhar, ainda fazia de mim um treinador um pouco mais interessante.

Gerardo Martino, entrevista The Coaches' Voice.
Gerardo Martino analisa seu passado e seu presente neste papo com o The Coaches' Voice. Juan M. Ferrari

Há também a história de minhas influências como técnico, e o que costumam chamar de carimbo "Bielsista". Embora eu prefira ver as coisas de outra forma. Nós, e quando digo nós, estou me referindo aos meus companheiros do Newell's Old Boys, tivemos grandes técnicos naquela época, entre os anos oitenta e noventa. Dentre eles, Juan Carlos Monte, Jorge Solari e José Yudica. Com Yudica, por exemplo, ganhamos um grande campeonato. Para mim, aquele foi o melhor time da história do Newell's. Portanto, mais do que um "Bielsista", eu me considero pertencente a esse grupo de treinadores. Mais influenciado por Yudica, Solari e Monte.

Depois, é verdade que Marcelo Bielsa chegou. E foi aí que o Newell's encontrou uma combinação entre jogadores mais experientes e os jovens da base. Acho que é por isso que há muitos daqueles jogadores jovens que têm uma influência maior de Marcelo. É o caso de Mauricio Pochettino, Eduardo Berizzo e Fernando Gamboa, entre outros. Caras que já conheciam o Marcelo das divisões inferiores e, obviamente, têm muito mais direito do que eu de argumentar que são influenciados pela ideia de Marcelo.

"FOI ENORME A EXPOSIÇÃO MIDIÁTICA QUE TIVE NO BARÇA E NA ARGENTINA, E ACABEI ME CANSANDO DAS HISTÓRIAS QUE, EM MUITAS OCASIÕES, NEM PRECISAVAM QUE O JORNALISTA ESCREVESSE UMA MANCHETE IMPACTANTE”

De qualquer forma, admiro a capacidade do Marcelo de mudar certos hábitos de um jogador veterano, como foi o meu caso. Algo que não é fácil de se conseguir como técnico. Ele deixou isso claro para mim na primeira reunião que tivemos. Se eu quisesse jogar, teria que dar muito mais de mim. E foi o que fiz.

Também tenho uma conexão com o Marcelo em minha trajetória como treinador. Por quê? Fui auxiliar técnico de Carlos Picerni, que por sua vez havia sido auxiliar de Marcelo no Newell's. Eu estava na reta final de minha carreira como atleta, jogava no Barcelona de Guayaquil, e o Carlos me chamou para integrar sua comissão no Platense, em 1996. Portanto, de certa forma, há esta ligação com o Marcelo.

Quando Carlos me ligou, não hesitei. Parei de jogar e fui para o outro lado.

Com experiência prévia no Libertad e no Cerro Porteño, montou uma sólida seleção paraguaia. Clive Mason/Getty Images

Mais adiante, em um determinado momento, eu disse ao Carlos que tinha aspirações de iniciar minha trajetória como técnico principal. E o avisei que iria assistir a Copa do Mundo de 1998, na França. Foi lá, na França, que me comunicaram da possibilidade de assumir o comando do Almirante Brown. O clube estava na segunda divisão, mas era muito organizado e tinha uma boa estrutura para trabalhar. Chegamos a um acordo muito rapidamente e iniciamos o trabalho. Assim, começamos nossa jornada na segunda divisão argentina, que depois teria sequência no comando do Platense e do Instituto de Córdoba.

A etapa seguinte foi no Paraguai. Um lugar onde encontrei um espaço que, naquela época, certamente não teria na Argentina. Isso me levou a treinar a seleção paraguaia em 2007, depois de comandar o Libertad e o Cerro Porteño nos anos anteriores. Também tive uma passagem pelo Colón, da Argentina, nesse meio-tempo.

"MAIS QUE ‘BIELSISTA’, ME CONSIDERO MAIS INFLUENCIADO POR YUDICA, SOLARI E MONTE. TREINADORES QUE TIVE EM MINHA PASSAGEM COMO JOGADOR DO NEWELL’S”

Essa experiência em clubes da importância do Libertad e do Cerro, no Paraguai, me deu a vantagem de construir uma seleção nacional sólida, com jogadores comprometidos, que rapidamente entenderam para onde estávamos indo. Atingir isso é o objetivo de todo técnico, mas é muito mais difícil fazê-lo em uma seleção nacional, onde o tempo para trabalhar com os jogadores é muito curto.

Conseguimos grandes feitos, mas ficamos a centímetros de fazer história. Não aconteceu por detalhes. Nas quartas de final contra a Espanha, na Copa do Mundo de 2010, com o pênalti defendido por Iker Casillas (a Espanha venceu a partida por 1 a 0) ou na derrota na final da Copa América em 2011. Porém, isso é algo que aconteceu comigo em minha carreira como técnico. Ganhei muitas coisas, mas poderia ter ganhado muitas mais se não tivesse ficado a centímetros das conquistas.

O Paraguai esteve perto de chegar às semifinais da Copa do Mundo de 2010. Iker Casillas, com um pênalti defendido, foi fundamental para a classificação da Espanha
O Paraguai esteve perto de chegar às semifinais da Copa do Mundo de 2010. Iker Casillas, com um pênalti defendido, foi fundamental para a classificação da Espanha e a eliminação da equipe de Martino.  FRANCK FIFE/AFP via Getty Images

Isso também ocorreu com o Newell's em 2013, quando chegamos às semifinais da Copa Libertadores, ou ainda mais no Barcelona, com um gol legal anulado - na época não havia VAR - no último jogo da La Liga contra o Atlético de Madrid (os rojiblancos conquistaram o título após um empate em 1 a 1) na temporada 2013/14, que nos daria o título.

Não há muitos técnicos que perderam um título assim, não é mesmo? No entanto, acho que aquele momento foi um reflexo de todo o ano que vivi em Barcelona. Sem dúvida, o mais difícil de minha carreira.

Naquela temporada, assumi o comando de uma equipe que tinha os mesmos jogadores que haviam mudado o rumo do futebol mundial com seu jogo. Entretanto, eles não eram mais o que costumavam ser. Enquanto eu tentava recuperar o nível que havia sido perdido, isso mais devido a uma queda no jogo do que a algo cronológico - estou falando da idade dos jogadores -, eu também tinha que gerenciar tudo ao redor da equipe.

"FORAM MUITAS AS VEZES QUE ME FIZERAM A MESMA PERGUNTA: 'COMO É TREINAR O MESSI?' E SEMPRE TENHO A MESMA RESPOSTA: ‘EM CAMPO, É UM JOGADOR EXCEPCIONAL. O MELHOR. MAS É UMA PESSOA NORMAL FORA DELE'”

No entanto, tenho a tranquilidade de que o gol anulado na última rodada do campeonato espanhol foi legal e teria nos dado o título. Foi o que me disse um ano depois, em 2015, Mateu Lahoz, o árbitro daquele jogo contra o Atlético de Madri no Camp Nou.

Foi uma coincidência encontrá-lo. Eu estava de viagem pela Europa, vendo jogos, pois fazia um ano que estava no comando da seleção argentina. E fui a Wolfsburg assistir uma partida do Napoli para acompanhar o Gonzalo Higuaín. Foi lá que encontrei o Mateu, que me disse aquilo. Portanto, tenho essa tranquilidade. Por outro lado, não acho que a conquista da liga teria evitado a minha saída do Barcelona naquele verão. Um técnico intui esse tipo de coisa pela maneira como aquele ano transcorreu.

Martino chegou muito perto de conquistar o título da La Liga com o Barcelona, mas um gol legal anulado por impedimento tirou a conquista azulgrana, e o título ficou com o Atlético de Madri.
Martino chegou muito perto de conquistar o título da La Liga com o Barcelona, mas um gol legal anulado por impedimento tirou a conquista azulgrana, e o título ficou com o Atlético de Madri. QUIQUE GARCIA/AFP via Getty Images

No fim das contas, o futebol é assim. Essas coisas acontecem. Não pensei mais no assunto. Também naquela época, quando Mateu me confessou aquilo, eu já estava totalmente concentrado na seleção argentina. Na gestão de um ciclo que mesclava muito da fase do saudoso Alejandro Sabella com novos jogadores.

Se analisarmos o retrospecto da Argentina entre 2014, 2015 e 2016, veremos que a seleção disputou 19 partidas nas duas competições mais importantes: sete na Copa do Mundo e doze em duas Copas Américas. E nesse período, não perdeu uma única partida em noventa minutos. Apesar de não ter vencido nenhum torneio.

"NA ÚLTIMA PAUSA QUE TIVE EM CASA, DEPOIS DA COPA DE 2022, ENTRE VÁRIAS PROPOSTAS, VEIO UMA DO BOCA JUNIORS. NO ENTANTO, AS NECESSIDADES DO BOCA NÃO CORRESPONDIAM ÀS  MINHAS"

Sob o comando de Sabella, a Argentina perdeu a final da Copa do Mundo na prorrogação contra a Alemanha e, comigo, perdeu as duas finais de Copa América nos pênaltis. Algo que mudou agora, porque nas últimas três competições mais importantes (Copa América, Finalíssima e Copa do Mundo) a Argentina venceu todas.

Quando se chega às finais, o que determina como a história será contada é se você ganhou ou perdeu.

A Argentina jogou duas finais de Copa América sob o comando de Martino, nas edições de 2015 e 2016. Em ambas, porém, perdeu nos pênaltis para o Chile.
A Argentina jogou duas finais de Copa América sob o comando de Martino, nas edições de 2015 e 2016. Em ambas, porém, perdeu nos pênaltis para o Chile. Don Emmert/AFP via Getty Images

Na Argentina, também tive que administrar, como treinador, duas facetas distintas. A parte do futebol funcionava bem, mas a seleção estava passando por muitas mudanças institucionais. Havia uma desordem política que reinava no futebol argentino e eu tinha a obrigação de analisar essa parte também, porque o futebol não é uma ilha que se administra por conta própria.

Em julho de 2016, entendi que não havia razão para continuar insistindo, para permanecer, porque eu não via a luz no fim do caminho. Então, pedi demissão. Sempre fui muito claro em minhas decisões.

"QUANDO SE CHEGA ÀS FINAIS, O QUE DETERMINA COMO A HISTÓRIA SERÁ CONTADA É SE VOCÊ GANHOU OU PERDEU"

O mesmo aconteceu com a seleção do México. Mesmo nos bons momentos, quando tive a possibilidade de renovar meu contrato para além da Copa do Mundo, sempre fui honesto com a diretoria. "Tudo depende do que acontecer na Copa", avisei. E, então, aconteceu o que aconteceu. Não foi o suficiente.

Para uma equipe que havia chegado às oitavas de final nas últimas sete Copas do Mundo, não deixava de ser um fracasso cair na fase de grupos. Com esse resultado, você obviamente perde o direito de continuar. Acho que tenho autocrítica suficiente para saber quando algo está acabado ou quando ainda tem um pouco mais de vida.

Martino dirigiu a seleção do México entre 2018 e 2022. Uma jornada que terminou após a eliminação, na fase de grupos, da Copa do Mundo do Catar.
Martino dirigiu a seleção do México entre 2018 e 2022. Uma jornada que terminou após a eliminação, na fase de grupos, da Copa do Mundo do Catar. Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images

Nos períodos de pausa, ou seja, quando você sai de um time e aguarda para assumir o comando de outro, sempre gostei de ir a casa. Estar com meus filhos. Desta última vez, depois da etapa no México, era mais estar com meus netos. De um jeito ou de outro, o que não muda, felizmente, é a companhia de minha esposa. Creio ser necessário passar um tempo com a família. Também para fazer uma análise de como tudo correu.

No meio desses descansos, costumam surgir propostas. Na última pausa que tive em casa, depois da Copa do Mundo de 2022, entre várias propostas, veio uma do Boca Juniors. Analisei a proposta com muita seriedade, e me pareceu uma boa oportunidade.

"QUANDO VIM AOS ESTADOS UNIDOS EM 2016, ATLANTA FOI MUITO MAIS QUE FUTEBOL PARA MIM. ME PROPORCIONOU UMA NOVA VIDA COMO TREINADOR. ACHO QUE DESTA VEZ SERÁ IGUAL COM O INTER MIAMI"

No entanto, quando comecei a analisar as situações que iriam acontecer no Boca, mais relacionadas ao externo do que ao interno - a equipe - e vi todo esse alarde que sempre é feito em torno das grandes instituições quando estão prestes a realizar uma mudança, considerei que não era o momento.

As necessidades do Boca não correspondiam às minhas. Mas essa conjunção aconteceu com o Inter Miami. E com o retorno à MLS.

Martino volta a trabalhar com Messi no Inter Miami. Será a terceira vez que ele o treinará, depois das experiências no Barcelona e na seleção argentina.
Martino volta a trabalhar com Messi no Inter Miami. Será a terceira vez que ele o treinará, depois das experiências no Barcelona e na seleção argentina. Stringer/AFP via Getty Images

Como falei no início, quando vim aos Estados Unidos em 2016, Atlanta foi muito mais do que futebol para mim. Me proporcionou uma nova vida como treinador.

Mantive uma qualidade de vida, mas sem deixar de trabalhar no que gosto. E sem deixar de competir, porque a MLS é muito competitiva. Conseguimos construir uma equipe do zero - era o primeiro ano da franquia - que viria a ganhar o campeonato na temporada seguinte, em 2018.

Também promovemos grandes jogadores, como Miguel Almirón. "Venha comigo por dois anos, e você vai jogar na Europa", falei a ele para que assinasse com o Atlanta. E foi assim que aconteceu, porque depois o Newcastle veio buscá-lo.

Acho que desta vez será igual com o Inter Miami. Volta a ser um refúgio para mim por causa de tudo o que vivi em um período tão longo e exaustivo com a seleção mexicana. E a minha ambição continua a mesma.

Martino assumiu o comando do Inter Miami em julho de 2023. Assim como fez com o Atlanta United, ele espera formar uma equipe campeã da MLS.
Martino assumiu o comando do Inter Miami em julho de 2023. Assim como fez com o Atlanta United, ele espera formar uma equipe campeã da MLS. MARCO BELLO/AFP via Getty Images

Além disso, agora tenho Messi novamente. Foram muitas as vezes que me fizeram a mesma pergunta sobre ele. "Como é treinar o Messi? Fiz isso antes no Barcelona e na seleção argentina. E sempre tenho a mesma resposta: "Em campo, é um jogador excepcional. O melhor. Mas é uma pessoa normal fora dele". O que certamente torna tudo mais fácil para os técnicos que trabalham com ele.

Como fiz no Atlanta United, quero transformar o Inter Miami em uma equipe que possa ser campeã. Quero fazer parte da história deste clube.

E tenho certeza de que o Leo nos ajudará a alcançar esse objetivo.