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Construir o futuro

Construir o futuro
Carlos Rodrigues/Getty Images - The Coaches Voice.
Redacción
Héctor García
Publicado el
11 de marzo 2025

Roberto Martínez

Seleçao de Portugal, 2023-Presente

Quando revisito o meu início como treinador, percebo a sorte que tive de começar no futebol britânico. Naquela época, eu não estava sob pressão para obter resultados imediatos. A minha missão era construir uma filosofia de jogo.

Eu tinha todas as funções de um manager britânico: planejar as próximas três ou quatro janelas de transferências, investir em jovens jogadores com grande potencial e ter tempo para trabalhar com eles. Desde então, mantive essa abordagem: tomar decisões com uma perspectiva de futuro, como se eu fosse ficar no clube ou na seleção pelos próximos 50 anos. Acho que essa é a única maneira que sei trabalhar.

É verdade que a realidade dos resultados e a natureza do nosso trabalho podem não lhe dar a estabilidade que deseja, mas é muito importante para um técnico tomar decisões pensando no futuro. É assim que vejo as coisas: influenciado pela cultura britânica do manager, pela qual sou apaixonado desde o primeiro dia.

Roberto Martínez, em sua entrevista ao Coaches' Voice, reflete sobre suas etapas no Swansea, Wigan e Everton, além de seu trabalho no comando da Bélgica e de Portugal. Carlos Rodrigues/Getty Images for The Coaches Voice

Meu início no Swansea City - em fevereiro de 2007 - foi totalmente assim: a meta era construir uma filosofia de jogo. Para ser o melhor treinador possível, tive como base as minhas experiências pessoais no Reino Unido, além de todas as minhas vivências.

Saí da Espanha aos 21 anos para jogar nas ligas inferiores do Reino Unido. Hoje em dia, é normal para um jogador espanhol tomar essa decisão. Mas, naquela época, estou falando de 1995, foi um choque cultural futebolístico muito grande. Isso me ajudou indiretamente a me preparar para ser treinador e, de certa forma, conhecer todas as pessoas que compõem um vestiário e lutam por um bem comum.

"Tomar decisões com uma perspectiva de futuro, como se eu fosse ficar no clube ou na seleção pelos próximos 50 anos"

Essa era a base do que eu queria fazer quando cheguei ao Swansea, um clube com uma história poderosa. Na década de 1980, John Benjamin Toshack montou uma equipe que subiu da quarta para a primeira divisão da Inglaterra com jogadores de grande qualidade, como Alan Curtis e Leighton James. Como treinador, eu queria usar todo esse peso histórico de um clube que não precisava de um orçamento tão grande quanto o do Nottingham Forest ou do Leeds, rivais da mesma divisão. Eles podiam ter mais dinheiro, mas nós queríamos ser mais ricos em ideias de futebol que pudessem ser totalmente revolucionárias naquele contexto.

E foi assim: sempre a pensar no time que poderíamos nos tornar, em vez de focar exclusivamente na tentativa de vencer no domingo. É claro que o presidente, Huw Jenkins, me deu toda a força para poder construir a ideia de jogo, e o clube se desenvolveu depois com muito êxito. Além disso, os torcedores entenderam muito bem qual era a filosofia que estávamos construindo.

Roberto Martínez começou a carreira de técnico no Swansea City, assumindo o comando da equipe na reta final da temporada 2006/07. Dean Mouhtaropoulos/Getty Images

Em 2009, o presidente do Wigan Athletic, Dave Whelan, queria que eu fosse o técnico do clube. Eu tinha um ótimo relacionamento com ele e, para mim, o Wigan representava um retorno a casa, pois foi o clube ao qual cheguei em 1995, quando tinha apenas 21 anos de idade. Eu era muito jovem e, ao lado de outros dois companheiros espanhóis, Jesús Seba e Isidro Díaz, ficamos conhecidos como “The three amigos. A verdade é que tive a sorte de conhecê-los, não apenas porque tivemos um ótimo relacionamento dentro de campo, mas sobretudo fora dele.

Como técnico do Wigan, segui o mesmo sentimento de construir o futuro do clube. O objetivo do Wigan sempre foi permanecer na divisão, mas queríamos mudar a dinâmica - jogar de igual para igual e tentar vencer as grandes forças do futebol inglês. Mas era importante que todos comprassem a ideia dentro do clube e que não existisse receio de não corresponder às expectativas.

""Foi um choque cultural futebolístico muito grande. Isso me ajudou indiretamente a me preparar para ser treinador"

Eu sempre acreditei que quanto maior o sonho, mais poderíamos crescer. Por isso, falei em minha apresentação que a meta era nos classificarmos para uma competição europeia pela primeira vez na história do clube.

Foi arriscado? Para mim, não. Eu me senti muito apoiado pelo presidente e pela diretoria. Além disso, naquela época, o clube já estava na Premier League fazia quatro anos e tinha um novo estádio. Portanto, havia poucas coisas que poderiam nos fazer crescer, uma delas era jogar uma competição europeia.

Martinez dirigiu o Wigan Athletic de 2009 a 2013, clube que também defendeu como jogador entre 1995 e 2001. Stu Forster/Getty Images

Para isso, tivemos de nos acostumar a um caminho muito longo, mas no qual o desafio era claro: competir com os melhores times da Premier League. Foi essa mentalidade que nos levou à final da FA Cup em 2013, em meu quarto ano como técnico do Wigan.

É engraçado, porque me lembro daquele momento com muitos sentimentos entrelaçados. Foi um momento muito significativo, porque o Wigan chegou à final da FA Cup pela primeira vez em sua história. Um motivo, sem dúvida, para criar uma lembrança incrível para todos os torcedores e para todos os profissionais envolvidos naquele trabalho.

"Sempre a pensar no time que poderíamos nos tornar, em vez de focar exclusivamente na tentativa de vencer no domingo"

A final da Copa da Inglaterra é sempre o último jogo do calendário do futebol inglês. Entretanto, esse não foi o caso naquele ano porque a final da Liga dos Campeões foi disputada em Wembley, o que significou que a FA Cup foi disputada dois jogos antes do final da liga. E nós lutávamos pela sobrevivência na Premier League nessas últimas duas rodadas.

O Wigan precisava somar todos os pontos possíveis para atingir o objetivo de permanecer na divisão. Foi o que fizemos nas três temporadas anteriores. Mas a verdade é que colocamos muita energia na final da FA Cup para vencer o Manchester City (1 a 0) e alcançar o primeiro título da história do clube, um momento de satisfação e orgulho.

Roberto Martínez tem mais de 440 jogos comandados em sua carreira de treinador.  Carlos Rodrigues/Getty Images for The Coaches Voice

Mas três dias depois, fomos rebaixados da Premier League após perdermos por 4 a 1 para o Arsenal. Em apenas 72 horas, passamos da conquista da primeira Copa da Inglaterra da história do clube para o rebaixamento na liga.

Esse contraste descreve muito bem a jornada não apenas do técnico, mas também dos jogadores de futebol e dos clubes: você vai do topo ao fundo do poço em questão de dias.

Foi difícil, mas jamais me esquecerei do carinho e do apoio dos torcedores do Wigan que, mesmo após o rebaixamento, só queriam comemorar ao máximo a conquista do primeiro título da história do clube. E conquistado diante do então campeão da Inglaterra, Manchester City, em Wembley.

Por isso, me lembro desse momento com uma mescla de sentimentos que traduzem a resiliência necessária no futebol. Tudo nesse esporte é uma luta por momentos inesquecíveis. Toda aquela situação acabou por ser um grande aprendizado e uma experiência valiosa.

No futebol, especialmente entre os treinadores, fala-se muito sobre essa palavra: experiência. Mas o que é realmente experiência? Acredito que seja vivenciar situações únicas que o preparam para o que pode acontecer no futuro. Para mim, aquelas 72 horas entre o título da Copa da Inglaterra e o rebaixamento foram o momento máximo de aprendizado.

Roberto Martinez levanta a FA Cup em 2013, depois de vencer o Manchester City na final, ao lado do proprietário do clube, Dave Whelan. Shaun Botterill/Getty Images

Sempre tive um relacionamento muito próximo com Dave Whelan, o presidente. No dia em que assinei contrato com o clube, ele me disse: “Aconteça o que acontecer, você ficará no comando por quatro anos”. E nós dois mantivemos a palavra, porque durante esse período eu tive a oportunidade de assinar com o Liverpool ou o Celtic, mas meu acordo com Dave Whelan estava acima de tudo.

Portanto, a decisão de seguir um novo caminho não foi impulsiva. Senti que meu tempo no Wigan havia terminado depois de cumprir o objetivo que estabelecemos desde o primeiro dia: construir um projeto de clube. A conquista da FA Cup confirmou que esse período de quatro anos era exatamente o que o presidente havia planejado desde o início, e com o qual eu concordava plenamente.

"Em apenas 72 horas, passamos da conquista da primeira Copa da Inglaterra da história do clube para o rebaixamento na liga"

Todas as etapas têm um fim e, quando terminam, sempre há um sentimento de tristeza, especialmente quando você as viveu intensamente e as aproveitou ao máximo. Mas era o momento certo tanto para o Wigan, quanto para mim.

Estou convencido de que as melhores decisões são tomadas com o coração; sentimentos que surgem e te fazem entender que está seguindo o caminho certo. Foi o que aconteceu quando acertei com o Everton em 2013, após a minha passagem pelo Wigan.

Roberto Martínez chegou ao Everton em 2013, um clube com muita história. Ele alcançou 51% de vitórias em 113 jogos no clube. Gareth Copley/Getty Images

Um ano antes, com o Wigan, enfrentamos o Everton nas quartas de final da FA Cup 2012/13, no Goodison Park. Para o Everton, jogar em casa contra uma equipe como o Wigan era uma grande oportunidade de avançar de fase. No entanto, o Wigan conseguiu uma vitória retumbante, com controle total da partida e um placar de 3 a 0. A reação da torcida do Everton ao próprio time, apesar do resultado, me deixou com um sentimento muito especial.

Daquele momento em diante, pouco a pouco, uma paixão interior cresceu em mim. Senti que, se surgisse a oportunidade de ir para o Everton, eu teria de agarrá-la com as duas mãos. E foi o que aconteceu. Desde o momento em que cheguei, a conexão com o clube, com a torcida e com o presidente foi muito natural e forte.

"Estou convencido de que as melhores decisões são tomadas com o coração; sentimentos que surgem e te fazem entender que está seguindo o caminho certo"

Lembro-me de minha passagem pelo Everton com grande satisfação. Em primeiro lugar, porque é um clube com altos padrões. Em três temporadas, conquistamos muitas coisas. Na primeira, chegamos a 72 pontos, a maior pontuação da história do clube na Premier League, uma conquista que reflete a consistência e o trabalho diário da equipe.

A partir daí, as expectativas foram às alturas. Não conseguimos entrar na Liga dos Campeões, mas nos classificamos para a Liga Europa e tivemos alguns momentos muito especiais, como vencer o Manchester United em casa e fora de casa, algo que não acontecia desde a década de 1960, sob os comandos de Harry Catterick. Também tivemos uma vitória expressiva em casa, por 3 a 0, sobre o Arsenal, e experiências memoráveis em competições europeias.

Roberto Martínez chegou perto de alcançar seu objetivo com o Everton: ganhar um título. No entanto, ficou no quase, especialmente na temporada 2015-16, quando o time disputou duas semifinais. Stu Forster/Getty Images

Sempre achei que o Everton deveria lutar por títulos, o último tinha sido em 1995. Chegamos a duas semifinais em 2016, na Copa da Liga e na Copa da Inglaterra. Na primeira, perdemos para o Manchester United, por 2 a 1, em Wembley; na segunda, perdemos o jogo de volta para o Manchester City por 3 a 1, depois de termos vencido em casa por 2 a 1.

Apesar disso, tenho ótimas lembranças desses três anos no Everton. A grande pena foi não poder terminar o projeto com um título, pois acredito firmemente que o Everton e seus torcedores o mereciam.

"Aprendi a aceitar que, mesmo que não tivesse contato diário com os jogadores, eu poderia acompanhar o desenvolvimento deles"

Então, veio a grande mudança para mim.

É natural que, quando nos é oferecida uma mudança ou um desafio diferente, nossa reação inicial seja dizer não. Mas, desde criança, sempre tive uma mentalidade diferente: perguntar-me por que não? Sempre tive curiosidade sobre o desconhecido, sobre o que está além do estabelecido.

Roberto Martínez fez história com a seleção belga, que levou ao terceiro lugar na Copa do Mundo de 2018. Kevin C. Cox/Getty Images

É verdade que, depois de sete temporadas consecutivas na Premier League, assumir o comando de uma seleção não era o que eu esperava para a minha carreira naquele momento. No entanto, quando surgiu a oportunidade e percebi que poderia dirigir uma seleção em uma Copa do Mundo, entendi que esse era um motivo convincente. Desde criança, minhas lembranças do futebol estão ligadas a assistir às Copas do Mundo na televisão, especialmente as de 1978 e 1982. A minha paixão pelo futebol nasceu desses momentos.

A maior mudança em meu período como técnico da Bélgica foi interna. Eu me vi em uma luta pessoal ao perceber que ser técnico de um clube e de uma seleção nacional são dois trabalhos completamente diferentes. Aprendi a aceitar que, mesmo que não tivesse contato diário com os jogadores, eu poderia acompanhar o desenvolvimento deles, assistir aos jogos, manter a comunicação com eles e construir um forte relacionamento com a seleção.

"O que inicialmente era um projeto de dois anos com a Bélgica, com o objetivo de classificar a equipe para a Copa do Mundo de 2018, na Rússia, acabou se transformando em quase sete anos de trabalho"

A Bélgica contava com a “Geração de Ouro” e, para mim, era essencial proteger o legado desses jogadores mesmo depois de sua aposentadoria. Por isso, promovemos um programa para que eles pudessem obter licenças de treinador.

A “Geração de Ouro”. É assim que Roberto Martínez define o grupo de jogadores que treinou na Bélgica e que se destacou na Copa do Mundo de 2018. Clive Rose/Getty Images

Conseguimos que 21 jogadores concluíssem sua formação como treinadores, o que os permitia a seguir causando impacto no futebol, mesmo após pendurarem as chuteiras. Os exemplos incluem Thomas Vermaelen, que se juntou à comissão técnica da seleção, além de Steven Defour e Sébastien Pocognoli, entre outros.

O que inicialmente era um projeto de dois anos com a Bélgica, com o objetivo de classificar a equipe para a Copa do Mundo de 2018, na Rússia, acabou se transformando em quase sete anos de trabalho, nos quais disputamos duas Copas do Mundo, uma final da Liga das Nações e uma Eurocopa, além de ocuparmos a primeira posição no ranking da FIFA por quatro anos. Essas são coisas que nem sempre são planejadas, mas acontecem porque o projeto continuou crescendo.

"A maior mudança em meu período como técnico da Bélgica foi interna"

Após terminarmos em terceiro lugar na Copa do Mundo da Rússia, me ofereceram a oportunidade de conciliar o meu trabalho como técnico com o de diretor esportivo da federação belga. Graças ao dinheiro que recebemos da FIFA pela terceira colocação na Copa do Mundo, construímos um novo centro de treinamentos. Meu compromisso, como sempre, foi o de ajudar a construir a Bélgica do futuro.

Roberto Martínez foi apresentado como técnico de Portugal em janeiro de 2023, ao lado do então presidente da federação, Fernando Soares. CARLOS COSTA/AFP via Getty Images

Quando meu ciclo na Bélgica chegou ao fim, tive tempo para refletir sobre meu próximo passo. Eu não planejava continuar no futebol internacional, porém, mais uma vez, foi mais um sentimento do que uma decisão racional que me levou a aceitar o desafio de treinar Portugal.

Portugal me ofereceu a chance de aplicar a experiência que eu havia adquirido em sete anos com a Bélgica, em duas Copas do Mundo e uma Eurocopa, além da que obtive em minha trajetória na Premier League. A seleção contava com quatro gerações de jogadores icônicos, além de jovens talentosos e com fome de vencer. Essa mistura sempre me agradou e senti que não poderia recusar o desafio.

"O grande sonho de Portugal é conquistar o único título que falta à seleção: a Copa do Mundo"

Ao longo dos anos, aprendi a avaliar os jogadores em três aspectos principais: seu talento individual, sua experiência e sua atitude e comprometimento. Quando falo de um jogador como Cristiano Ronaldo, também o avalio com base nesses três aspectos principais. Seu talento é indiscutível; ele é um dos melhores da história do futebol. Sua experiência também é única: o único jogador a ter disputado seis edições da Eurocopa e mais de 200 partidas internacionais.

Mas o mais notável é seu comprometimento. Sua paixão por representar Portugal é contagiante e motiva toda a equipe. Hoje, ele não está na equipe pelo que foi, mas pelo que ainda é: o artilheiro da seleção, com 17 gols em 21 jogos, desde que cheguei há dois anos.

Roberto Martínez destaca o papel de Cristiano Ronaldo na seleção portuguesa. Rafal Oleksiewicz/Getty Images

O grande sonho de Portugal é conquistar o único título que falta à seleção: a Copa do Mundo. Não se trata de evitar a pressão, mas de enfrentá-la com ambição. Queremos encontrar o equilíbrio entre o sucesso imediato e a construção de um projeto com visão de futuro.

Mas para chegar a uma Copa do Mundo há muitas etapas. Até agora, usamos 42 jogadores e acompanhamos outros 30. Estamos nas quartas de final da Liga das Nações e conseguimos uma classificação histórica de dez vitórias em dez jogos para a Euro 2024. Chegamos às quartas de final da Eurocopa e perdemos nos pênaltis para a França.

"O talento de Cristiano Ronaldo é indiscutível; ele é um dos melhores da história do futebol. Sua experiência também é única, mas o mais notável é seu compromisso"

Em resumo, continuamos em um processo que está preparando a equipe da melhor forma para alcançar a classificação para a Copa do Mundo de 2026.

Vencer a Copa do Mundo de 2026. Esta é a meta de Roberto Martínez no comando da seleção portuguesa. Carlos Rodrigues/Getty Images for The Coaches Voice

É um caminho com muitos passos e estou muito feliz com o comprometimento e a atitude dos jogadores, e com a boa atmosfera dentro da seleção.

Estamos saindo mais fortes das experiências que temos desfrutado pelo caminho.

Roberto Martínez