Miguel Ángel Ramírez
Sporting de Gijón, 2023-Presente
Sinceramente, nunca tracei a meta de me tornar técnico de um grande clube.
Penso que fazer esse tipo de planejamento chega a ser irreal. Quantos conseguem atingir o nível mais alto? Quase nenhum.
Então, é preciso ter outro tipo de olhar para o seu trabalho nas categorias de base: como posso ajudar aquele menino em sua formação, de que maneira posso agregar algo positivo em sua vida através do futebol? As realidades de cada um são diferentes, por isso é fundamental oferecer as ferramentas adequadas para um melhor futuro de cada indivíduo. Profissional e pessoalmente, independentemente do que o futuro reservar.
No fim, creio que se trata de deixar um legado a cada um desses meninos. Você não é apenas treinador, é também um formador.
Em todos os aspectos.
Assim, sempre fiz desde que me tornei técnico, aos 19 anos de idade, num clube de minha cidade, o Claret. E depois, na base da UD Las Palmas, onde passei nove anos e trabalhei com praticamente todas as idades da formação, e ainda na base do Alavés.
Na Academia Aspire, no Catar, tive a sorte de realizar meu sonho: me dedicar profissionalmente à formação dos jogadores. Juntando minhas duas grandes paixões: a educação - sou professor de educação física e formado em ciências do esporte - e o futebol.
Tinha tudo o que podia sonhar. Alguns campos incríveis, a estrutura ideal para os jogadores e um grupo espetacular de formadores. Assim era, e é, a Aspire.
Comecei numa equipe Sub-14, e logo tive a sorte de me juntar às seleções nacionais. Primeiro, sendo auxiliar do Roberto Olabe (abaixo) na Sub-19, e depois como técnico principal da Sub-17. A experiência de comandar uma seleção nacional, e disputar torneios internacionais, é incrível. Pura magia.
“Na Academia Aspire tive a sorte de realizar meu sonho: me dedicar profissionalmente à formação dos jogadores”
A exigência no trabalho era de um profissionalismo total. Não tanto para obter resultados. Talvez, esta fosse a última das pressões que sofria. O pedido era para que fizesse as coisas certas na gestão dos jogadores, em sua formação, sem que deixasse escapar um talento no trabalho de scouting.
O objetivo que se buscava era claro: “Temos que encontrar os melhores do país e treiná-los da melhor maneira”.
Cada partida que íamos assistir, fazíamos uma análise individual dos meninos que já integravam a Aspire (durante a semana treinam na Academia e aos fins de semana jogam por suas equipes) e dos demais atletas. O que significa uma análise de pelo menos 22 jogadores por jogo.
Imagine a quantidade de informação que tínhamos que gerir...
À medida que a temporada avançava, passávamos a outras etapas do recrutamento e então íamos ver um jogador em específico, alguém que tivesse se destacado nos meses anteriores. E aí, fazíamos uma análise mais detalhada sobre ele.
Era um trabalho tão profissional que a pressão vinha de você mesmo. Não precisava que alguém te dissesse algo. A dinâmica do trabalho e o profissionalismo na Aspire te obrigavam a dar o melhor a todo o momento.
Um processo que também me permitiu adquirir novos conceitos táticos. Uma maneira diferente de ver as coisas.
Certamente, comecei a experimentar o jogo posicional através do Olabe e do Mikel Antía (abaixo). Olabe, além do mencionado papel de técnico da seleção Sub-19, também era o diretor de futebol da Aspire, e tinha o Antía como seu assistente.
Lembro que no começo, me juntava a eles para analisar os jogos e sentia que estava muito distante de seus conhecimentos. Sentia que me escapavam um milhão de coisas que eles viam.
Ambos me levaram a ver o jogo mais como uma relação entre o jogador e o espaço. A entender o futebol desde a criação, passando pela conquista e defesa dos espaços. Sem dúvidas, seis anos depois, estou a anos-luz daquele treinador que era quando cheguei à Aspire.
A decisão de sair de lá não foi difícil, porque foi o encerramento de um ciclo. Para mim, esportivamente, não deu resultado o trabalho na seleção Sub-17, pois não conseguimos a classificação para a Copa da Ásia e, nesse momento, Edorta Murua assumiu o cargo de diretor.
Digamos que eu pertencia ao processo anterior, não era do time do novo diretor, o que me fez sentir que o ciclo estava se encerrando.
Eu precisava de outro projeto, outra motivação.
Nos primeiros seis meses de 2018, tive reuniões com vários clubes. Da Inglaterra, Alemanha e Espanha. No geral, para trabalhar nas categorias de base e também como treinador individual de jogadores, transversal entre diferentes faixas etárias.
Nesse intervalo no qual analisava a melhor opção para mim, um companheiro me telefonou: “Olabe está de saída do Independiente del Valle e buscam alguém para assumir o comando da base. Por que não pensa a respeito? É uma equipe com gente talentosa, com perfis interessantes e um bom ambiente”.
Olabe tinha chegado ao Equador depois de sua passagem pela Aspire, mas decidiu voltar a Espanha para trabalhar na Real Sociedad.
Nesse lado, era tranquilizador. Sabia que ele tinha deixado um bom trabalho no Independiente, o que me facilitaria a vida.
“Certamente, comecei a experimentar o jogo posicional através do Roberto Olabe e do Mikel Antía”
Porém, não conhecia nada do clube. Sabia que alguns de seus dirigentes haviam estado na Aspire, mas não fazia ideia do porquê. Então, perguntando a amigos que haviam ajudado no processo de formação da base do Independiente, me disseram que haviam visitado o Catar, justamente por quererem copiar o que fazia a Aspire, razão pela qual tinham contratado o Olabe.
Me reuni com os diretores do Independiente na Espanha e, em junho de 2018, me fizeram a proposta para ir ao Equador.
A oferta era a mesma que tinham feito a Olabe, com a intenção de manter um estilo de jogo posicional. Deveria ser coerente com os passos dados por ele, dando continuidade ao trabalho e buscando o desenvolvimento da base. Este era o meu principal objetivo. Acredito que foi alcançado depois de um ano de trabalho. Todas as categorias da base eram fiéis a um modelo de jogo, presente na rotina de nossos treinos.
Depois demos o passo ao time principal. Uma transição que foi uma loucura.
Estávamos em San Sebastián, no País Basco, jogando um campeonato de base organizado pela Real Sociedad em abril de 2019. O clube basco nos convidou a assistir um jogo do campeonato espanhol contra o Villarreal. No intervalo, o diretor de futebol do Independiente me chamou: “Escuta, Miguel, o Ismael Rescalvo está de saída”, me disse. “Como assim?“, perguntei. Rescalvo era o técnico do time principal. “Sim, ele está a caminho do Emelec”.
Era uma sexta-feira de tarde e o time principal jogava no domingo pelo campeonato equatoriano. “E agora?”, perguntei ao diretor.
Recordo que mal acabou aquele papo, peguei meu telefone e comecei a ligar para treinadores que potencialmente poderiam ter o perfil que buscávamos. O diretor de futebol fez o mesmo, e assim começamos a busca por um novo técnico. Mas, claro, pro jogo de domingo seria impossível ter o novo comandante no banco de reservas. Então, o clube pediu para que eu comandasse o time até que a situação fosse resolvida.
Aí, peguei o primeiro avião na Espanha e cheguei a Quito no sábado de tarde. Nem consegui ir à minha casa ao chegar no Equador. Fui diretamente ao clube, porque o time estava concentrado pro jogo do dia seguinte.
Eu estava totalmente deslocado. Sem informações do adversário, sem nada planejado, e com o tempo como inimigo para preparar um plano de jogo para apresentar ao grupo na manhã seguinte.
Naquele jogo, assim como nos seguintes, tive o auxílio do corpo técnico do time Sub-18/Reserva, que havia dirigido dois jogos do time principal.
O diretor de futebol queria que eu seguisse com minhas funções de coordenador da base. Temia que o Independiente perdesse o comandante da base, que tinha montado toda a estrutura das categorias de apoio, para o time profissional. Ele achava que o clube tinha mais a perder do que a ganhar com uma eventual mudança. Eu concordava com ele e, além do mais, queria seguir na base.
Mas os dias foram passando e o clube não encontrava nada diferente do que havia tido nos anos anteriores. Enquanto isso, eu me sentia cada vez mais adaptado na nova função de comandar o time principal.
Durante o meu trabalho como diretor das categorias de base, fiquei sem comandar um jogo sequer por um ano. Este tempo, porém, me deu as ferramentas necessárias para encarar um momento como aquele que estava por vir.
“Então, Miguel? Como está se sentindo?”, questionava a direção. E isso levou a uma pergunta final. “Quem melhor que você para assumir o cargo? Contigo teremos a continuidade do trabalho e a porta aberta para subir os jovens da base ao profissional. E você pode implementar o estilo de jogo da base também no profissional”, me disseram.
“A transição ao time principal do Independiente del Valle foi uma loucura”
Cabia a mim tomar uma decisão, mas antes disso fiz alguns telefonemas. Consultei alguns companheiros com quem trabalhei na Aspire, amigos e familiares, e acabei aceitando a proposta. E com isso, montando minha comissão técnica.
Felipe Sánchez, que havia sido meu auxiliar na seleção Sub-17 do Catar, e tem esta sensibilidade pelo jogo posicional. E Martín Anselmi, quem conheci já no Equador. Quando falei com ele, foi mais ou menos como conversar com seu alter ego. Uma alma gêmea. Por outro lado, Martín ainda agregava algo que eu não tinha experimentado: a experiência no futebol profissional. Ele tinha trabalhado na Argentina, como assistente do Gabriel Milito.
Minha última etapa na Aspire foi crucial para me ajudar a assimilar o novo momento. Me refiro às frustrações e aos maus resultados. Além do ano que comandei a base do Independiente. Aquele período me deu uma visão diferente, de um ponto de vista de diretor. Relativizar a competitividade e ver a derrota e a vitória como algo natural. Algo que não está exclusivamente nas mãos do técnico.
Este foi o sentimento que tive na final da Copa Sul-Americana diante do Colón. Estava nervoso, porém sereno. Havíamos traçado o caminho, feito um bom trabalho durante a competição e nos dias que antecederam a final. Mas o resultado poderia depender de outros fatores. Independentemente do que acontecesse na decisão, o mais importante é que a final seria mais uma etapa do meu crescimento. Me sentia afortunado de poder viver aquela experiência.
Fomos campeões e nos meses seguintes houve muito burburinho. Sobretudo, em dezembro de 2019. Recebi muitas ligações de jornalistas, algumas ofertas de clubes, interesse de agentes... Isso sim, foi difícil de digerir. Me perguntava: “O que faço?, Vou embora ou permaneço?”.
Muita coisa havia acontecido, todas boas, mas só fazia seis meses que eu estava como técnico do Independiente. Não dava para ter aquele período como referência porque seria irreal. Não acredito que haja nenhum outro caso que, apenas seis meses após estrear como técnico de um time profissional, se ganhe um título internacional e ainda se consiga fazer o time jogar como deseja.
Aí, voltou a aparecer Olabe para me dizer: “Calma. Você está num clube que te dá estabilidade. Um lugar onde poderá acumular experiências e jogos. Vai trocar por um time que te mandará embora após três resultados negativos? ”. Foi o que eu precisava ouvir para clarear as ideias.
Vai chegar o momento de dar novos passos.
Quando olho para trás, me sinto super feliz pelo caminho percorrido. Sobretudo, por ter me tornado uma pessoa melhor, assim como um treinador melhor. Conheci muita gente que me ajudou a crescer.
Tomara que assim seja também no que está por vir.
Redacción: Héctor García