Ariel Holan
Santos, 2021-Presente
Eu sonhava em ser jogador de futebol.
Joguei até os 14 anos em um nível moderadamente competitivo. Nessa idade, passei numa peneira no Banfield, o clube do meu bairro, mas tinha que tomar uma decisão. Abandonar as aulas de inglês - estudava num colégio bilíngue - e começar a treinar no juvenil ou me concentrar nos estudos.
Meus pais decidiram, quer dizer, viram em mim mais condições acadêmicas do que esportivas, e eu não tive a rebeldia de dizer: “Quero jogar futebol".
Uma vez que meu sonho foi interrompido, passei a pensar no hóquei sobre a grama, esporte que comecei a praticar aos 15 anos e o fiz até os 27. E quando fui evoluindo, como treinador de hóquei, sempre tracei a meta de migrar ao futebol.
Uma visão que não era compartilhada pela minha família. Eles queriam que eu fosse advogado.
Minha etapa no hóquei me serviu muito como treinador. Primeiro, porque há um papel genérico na função de técnico, e a estrutura emocional e racional vai se formando à medida que vamos tendo experiências de conduzir equipes.
Obviamente, foi um longo processo. O hóquei argentino dos anos 80 contou com o conhecimento dos melhores treinadores do mundo: australianos, alemães, holandeses e espanhóis… Minha atividade ganhava mais profissionalismo.
Mas minha cabeça sempre esteve voltada ao futebol. Eu via todos os jogos, seguia meu clube, via as partidas da Copa Libertadores, jogos internacionais, as Copas do Mundo, as Olimpíadas... Então, eu ia vinculando o hóquei com o futebol de maneira sistemática. Com um importante elo entre eles: a tecnologia.
“Sempre tracei a meta de migrar ao futebol. Uma visão que não era compartilhada pela minha família; eles queriam que eu fosse advogado”
Nunca abri mão desta ferramenta no hóquei. É um esporte que dá muita importância à tecnologia. Para mim, era algo natural. Acredito ser um recurso, uma ferramenta, que ajuda a aperfeiçoar o atleta e também o treinador. Contribui com a melhora da análise do processo de treinamento e diminui as margens de erro.
Meu primeiro computador foi um Compaq Presario 1255. Durou poucos meses, porque conheci um amigo que vive em Barcelona e é um programador autodidata. Em 2000, ele desenvolveu um software para análises de vídeo e me dei conta que era uma ferramenta esportiva extraordinária.
Juntos, desenvolvemos um software de análises que nunca comercializamos. O software, porém, me abriu as portas do futebol. Meu primeiro trabalho foi como analista de vídeo.
Em 2003, era preciso fazer um investimento importante em tecnologia. Então, vendi o carro para que fosse possível. Comprei também uns 20 relógios da marca Polar S610. Uma das coisas que o hóquei me ensinou foi a não separação entre a preparação física e a metodologia de treinamento com bola. Naquele momento, a maneira que eu tinha para controlar era com o pulso.
Com esses relógios, eu controlava a sequência do treinamento de acordo com os exercícios, além de saber a frequência cardíaca dos atletas. Com esses dados, conseguia diminuir as margens de erro, para alcançar um método integral, que fosse físico, técnico, conceitual e emocional, com a tecnologia para ir monitorando as cargas. Hoje temos os GPS de última geração, que dão um auxílio incalculável.
“Minha etapa no hóquei me serviu muito como treinador”
Para seguir crescendo como treinador, viajava aos torneios internacionais de hóquei e bancava sozinho os gastos. Fui ao Mundial de Londres, em 86. Fui à Champions Trophy na Austrália, em 90. Fui aos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 92 (abaixo). Ao Mundial da Holanda, em 98. E no meio dessas viagens, fiz outras pela Europa com as equipes que comandava.
Não havia tantos meios de comunicação como agora, muito menos cobrindo hóquei. Então, eu trazia os vídeos das partidas, incluindo dos mundiais. E assim fui evoluindo como treinador.
Ingressei mais seriamente no futebol em 2003, quando conheci Jorge Burruchaga através de Alejandro Kohan. Este último, eu havia convidado para trabalhar comigo muitos anos antes, entre 1991 e 93, como preparador físico do Club Lomas, da primeira divisão de hóquei, tanto da equipe feminina quanto da masculina.
Eu já estava testando o software no futebol desde o ano 2000, além de usá-lo no hóquei. E sugeri ao Burruchaga que fizesse uma análise de vídeo do Arsenal de Sarandí, clube que comandava. Era o primeiro ano do Arsenal na primeira divisão. E comecei a trabalhar com ele, na função de analista de vídeo. Eu preparava relatórios com informações sobre a nossa equipe e sobre as rivais. Assim tudo começou.
Eu sabia que seria muito difícil ingressar no futebol sem ter sido atleta profissional. E que aquele era, para mim, um primeiro passo muito importante. Poder oferecer um serviço de análise. Eu acompanhava o futebol desde que nasci e me sentia capaz de oferecer tal serviço.
“Em 2003, era preciso fazer um investimento importante em tecnologia. Então, vendi o carro para que fosse possível”
Mas, claro, uma coisa é oferecer um serviço de análise de vídeo e outra é acabar virando técnico de uma equipe de primeira divisão. Para isso, seria preciso percorrer um caminho com diferentes estações.
A primeira estação era a de análise de vídeo. A segunda seria conhecer o futebol infantil e juvenil. E a terceira, virar técnico de campo, primeiro como auxiliar e depois como treinador principal.
O que nem sempre ocorreu ordenadamente, mesmo que o destino tenha sido o planejado. Ou seja, comecei como analista de vídeo e segui por cada uma das áreas que me permitiriam crescer e conhecer, por dentro, a idiossincrasia do esporte. Este processo durou quase 16 anos.
Em agosto de 2003, comecei a trabalhar. Todo o tempo prévio de preparação, entre junho e julho, serviu para mostrar trabalho e ver se eu conseguia convencer que seria útil quando o campeonato começasse. Depois da pré-temporada de inverno, comecei a trabalhar com Burruchaga, o que durou seis anos.
Minha primeira etapa ao seu lado foi como analista, tanto no Arsenal, quanto no Estudiantes de la Plata e, por último, no Independiente. Neste último clube, era paralelamente diretor da escola de futebol do Independiente, o que me trouxe uma experiência extraordinária porque trabalhei com ex-jogadores históricos.
Quando passei a ser auxiliar de Burruchaga, no Banfield e no Arsenal de Sarandí, passaram-se outros dois anos.
“Eu sabia que seria muito difícil ingressar no futebol sem ter sido atleta profissional. E que, para mim, um primeiro passo muito importante seria oferecer um serviço de análise”
Posteriormente, Adrián Domenech, que era o coordenador das divisões de base do Argentinos Juniors, um clube emblemático, que revelou Diego Maradona e tantos outros craques, me ofereceu trabalhar com os juvenis.
Foi uma experiência rápida, mas muito enriquecedora. Rápida porque em junho de 2011 passei a ser auxiliar de Matías Almeyda (abaixo) no River Plate, que vivia o momento mais difícil de sua história, disputando a segunda divisão. Aprendi muito com Almeyda e sua comissão, formada por Gabriel Amato, Carlos Roa e José Chamot. E também com Daniel Passarella, que era o presidente do clube.
Foi algo inesquecível e, para mim, fundamental em minha formação como treinador.
Eu vi Matías Almeyda se dedicar ao extremo, era uma responsabilidade muito grande para ele, que tinha se aposentado como jogador naquele mesmo ano. E ele carregou o time e o clube nos ombros. Nós estávamos perto para apoiá-lo, mas ele era o líder. Com o tempo, a gente se dá conta do tamanho da responsabilidade que ele assumiu e levou a cabo com valentia
Acompanhei Almeyda por um ano e meio no River e, depois, no Banfield. Então, precisei tomar uma decisão difícil, como havia sido também na parceria com o Burruchaga. São duas pessoas que respeito e admiro demais, tenho uma gratidão eterna por elas, mas eu queria virar treinador.
O desafio era enorme. Comecei na equipe B do Banfield, outra experiência curta, que durou somente 6 meses. Na metade de 2015, surgiu a oportunidade de assumir o comando, como técnico principal, do Defensa y Justicia.
“A primeira estação era a de análise de vídeo. A segunda seria conhecer o futebol infantil e juvenil. E a terceira, virar técnico de campo, primeiro como auxiliar e depois como treinador principal”
Um clube que também serei eternamente grato, porque me deu a primeira oportunidade de comandar um time da divisão de elite. Jamais esquecerei.
Rapidamente, me dei conta do tamanho do desafio que tinha pela frente. Um torcedor escreveu numa rede social: "Primeiro veio Darío Franco, depois Arturo Flores, agora chega um técnico de hóquei... O próximo será o Zé Ninguém”. Pensei alto: “Isso vai ser complicado”. Mas tinha que trabalhar, obviamente com o respaldo dos dirigentes, e demonstrar se estava à altura ou não do desafio.
Foi minha primeira experiência, e foi inesquecível. No segundo semestre, propus à direção uma ideia arriscada, que era trazer jovens dos clubes grandes, que estavam sem espaço em suas equipes. Trouxemos Guido Rodríguez, Agustín Rossi, Tomi Cardona, Tomi Martínez e Lisandro Magallán, entre outros. Montamos uma ótima equipe.
Jogamos um futebol que me encantava, tinha frescor e era executado por jovens com ambição de crescer, cheios de entusiasmo. Ganhamos de praticamente todos os grandes clubes e jogando bem. Conseguimos nos classificar à Copa Sul-americana.
Depois, no terceiro semestre do trabalho, tivemos um modelo diferente. Porque os jovens foram negociados. Todos foram embora. Nosso time foi desmontado depois de tanto esforço para construí-lo. Aquele momento foi difícil, encontramos dificuldades para montar um time competitivo.
Com isso, surgiu a chance de assumir o Independiente. Era um sonho de infância, que tornava-se realidade num momento de maturidade de minha vida e também na profissão. Era algo mágico. Porque paixão é paixão.
Esta paixão vem de uma história muito pessoal, da relação com meu pai. Ele me levava desde pequeno aos jogos do Independiente. Minha geração tem uma relação com os pais diferente da geração atual. Da relação que temos atualmente com nossos filhos. Eram vínculos mais distantes e eu sentia que o momento de maior comunhão entre nós, de maior fluidez, era no estádio vendo o Independiente.
“Comandar o Independiente era um sonho de infância e tornava-se realidade num momento de maturidade de minha vida e também na profissão”
Ou seja, a viagem também era para curtir o meu pai. Desfrutar o abraço de um gol no estádio também era desfrutar o meu pai, como nunca pude fazer fora do âmbito futebolístico.
Durante a minha passagem pelo Independiente, dois anos e meio, fiz de tudo para o clube crescer. Eu olhava para a Europa para ter como modelo a organização de clubes como Barcelona, Bayern de Munique e Ajax. Clubes que têm uma escola de futebol muito ordenada. Fazem um processo de formação verdadeiro, profundo. Eu queria que o Independiente seguisse o mesmo caminho. Um caminho super profissional desde o futebol infantil, juvenil. Profissional também em sua infraestrutura. O que certamente refletiria no time principal.
No Chile, na Universidad Católica, trabalhei num clube que me permitiu concentrar exclusivamente em dirigir o time. O que é excelente para um treinador.
O balanço que faço desta etapa é superlativo. Não apenas pelo título da Liga, mas, sobretudo, por como o conquistamos. Foi uma temporada inimaginável por todas as dificuldades que precisamos superar. Desde o início, quando caímos num grupo muito complicado na Copa Libertadores, e logo veio a pandemia.
“Você vai ajustando, mudando, melhorando. Esta tem que ser a busca constante, não pela perfeição, mas pelo processo”
O que mais dou valor é o esforço feito pelos jogadores durante esse período, em que não puderam treinar por quatro meses. Foi duro, mas conseguimos voltar em alto nível, graças à dedicação que tiveram nesse tempo.
Isso nos permitiu fazer grandes jogos, também na Copa Sul-americana, onde ficamos com a sensação que podíamos mais. Possivelmente, tínhamos bola para chegar à final. Apesar da eliminação, não perdemos a energia. Pelo contrário, concentramos a energia no campeonato nacional. Um grupo unido, que seguiu superando obstáculos, como jogar clássicos em menos de uma semana, lidar com uma série de desfalques e venda de jogadores importantes, como Benjamín Kuscevic e César Pinares.
Foi, sem dúvida, um ano que me fez crescer. Além de reafirmar uma conclusão que cheguei há algum tempo: a de que meu maior desafio como técnico é o crescimento dos jogadores que comando e dos integrantes da minha comissão. Não se trata apenas de ganhar um título, como ganhamos com a Universidad Católica.
Vai além disso.
Porque se você consegue, durante o tempo que comanda um clube, fazer crescer os jogadores, certamente será bom para eles e para a instituição em si, que poderá lucrar com eventuais negociações. Mas além disso, se há crescimento, o atleta diminui a margem de erro e o time acaba sendo mais eficiente.
Você vai ajustando, mudando, melhorando. Esta tem que ser a busca constante, não pela perfeição, mas pelo processo.
O que está claro é que, se houver outra vida, quero ser treinador outra vez. É o que amo fazer, é o que trago no sangue.
Redacción: Héctor García