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Voar mais alto

Voar mais alto
Fotografia: Héctor Vivas/Getty Images
Redacción
Héctor García
Publicado el
julio 1 2021

Pedro Caixinha

Al-Shabab, 2020-2021

Tudo começou quando eu ainda era jogador. Atuar profissionalmente era um sonho de infância. E fiz de tudo para realizá-lo. Porém, o máximo que consegui alcançar foi a posição de terceiro goleiro do Portimonense, equipe da primeira divisão de Portugal.

Decidi, então, tentar voos mais altos pela via acadêmica. Sou formado em Ciências do Desporto, com especialização em futebol. Tenho um mestrado em Treino de Alto Rendimento. Além de ter feito os cursos exigidos pela Uefa para ser um treinador profissional.

Outra parte importante em minha formação foi a curiosidade em conhecer a realidade de outros profissionais. Em diversas oportunidades, coloquei a mochila às costas e fui descobrir como trabalham as grandes equipes.

Visitei clubes como o Real Madrid, Atlético de Madrid e Manchester United. Mas a formação de um bom profissional precisa ser contínua.

Procuro atualizar o meu conhecimento a todo momento.

Phil Cole/Getty Images

O futebol tem ciclos interessantes. Quando eu comecei como treinador, o esporte abria as portas mais facilmente para ex-jogadores. As oportunidades eram mais acessíveis a eles.

Em Portugal, particularmente, os acadêmicos só passaram a ter mais espaço no mercado depois do sucesso de Carlos Queiroz (abaixo) e José Mourinho. Eles mostraram que era possível ser um técnico de ponta sem ter sido um atleta de ponta.

O curioso é que cheguei ao Sporting por causa do meu mestrado. O meu orientador do mestrado era diretor da academia do Sporting, o professor Pedro Mil-Homens. Foi ele quem me convidou para assumir a vaga de observador de jogos na comissão técnica de Fernando Santos, hoje técnico da seleção portuguesa.

"Mas a formação de um bom profissional precisa ser contínua; procuro atualizar o meu conhecimento a todo momento"


Fiz uma rápida entrevista com o Fernando Santos. A empatia foi imediata. Sou muito grato a ele por aquela oportunidade. Quando ele deixou o cargo, seu sucessor no clube foi o José Peseiro.

Por coincidência, Peseiro havia sido meu colega no mestrado. Portanto, tínhamos uma ligação e, como eu já fazia parte da estrutura do Sporting, acabei assumindo a função de auxiliar-técnico.

Na temporada 2004/05, levamos o Sporting à final da antiga Copa da Uefa (atual Liga Europa). Infelizmente, perdemos a decisão para o CSKA, da Rússia. Mas foi uma experiência fantástica. O elenco do Sporting tinha muita qualidade. Trabalhar com tanta gente competente só me fez evoluir como técnico.

Manuel Velázquez/Getty Images

Foram sete anos como auxiliar do José Peseiro. Se tivesse que resumir aquela relação em uma palavra, escolheria 'lealdade'. Em minhas comissões técnicas, não abro mão de três coisas: lealdade, competência e espírito de missão.

Ao lado do Peseiro, foram cinco trabalhos diferentes. Começamos no Sporting, depois estivemos no Al-Hilal, da Arábia Saudita, no Panathinaikos, da Grécia, no Rapid Bucareste, da Romênia e, por fim, na seleção saudita.

Em qualquer relação é preciso deixar as situações bem claras desde o início. E o Peseiro sempre soube que eu tinha o desejo de virar treinador principal. Eu só não sabia quando isso iria acontecer. Mas que aconteceria, um dia, não havia dúvidas.

"Em Portugal, particularmente, os acadêmicos só passaram a ter mais espaço no mercado depois do sucesso de Carlos Queiroz e José Mourinho"


A minha primeira grande demonstração de lealdade ao Peseiro ocorreu no Sporting. Quando ele deixou o cargo, o clube me convidou para permanecer e criar um departamento de scouting. No futebol, muitas vezes os princípios são esquecidos para se obter vantagens pessoais.

Mas eu não poderia pensar apenas em mim. Então, conversei com ele, que me deixou à vontade para fazer o trabalho. Uma vez que ele não iria abraçar outro projeto até o fim da temporada.

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Fiquei no Sporting justamente até o Peseiro aceitar um novo desafio. Enquanto não ocorreu, meu trabalho no clube de Lisboa consistiu, num primeiro momento, em fazer uma análise dos atletas do próprio clube.

Depois, passamos a produzir relatórios sobre os jogadores emprestados pelo Sporting. Além de fazermos análises sobre os adversários da equipe. E, por fim, também monitorávamos o mercado para sugerir potenciais contratações.

O primeiro desafio após a saída do Sporting foi no futebol saudita. Curiosamente, foi no mesmo país que a parceria entre mim e Peseiro chegou ao fim. Estávamos na seleção da Arábia Saudita e fui convidado para comandar a equipe olímpica, que lutava por vaga nos Jogos de Londres-2012.

"Foram sete anos como auxiliar do José Peseiro. Se tivesse que resumir aquela relação em uma palavra, escolheria 'lealdade'"


Não cheguei a desempenhar a função, mas a oferta serviu para eu entender que havia chegado a hora de cortar o cordão umbilical.

Não tinha nenhum projeto engatilhado. Não troquei um projeto por outro. Tomei a decisão de sair por achar que havia chegado o momento de trilhar o meu próprio caminho.

Por sorte, a espera por uma oferta de trabalho foi curta. Cerca de um mês depois de sair da Arábia Saudita, assumi o comando do União de Leiria.

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Era a minha primeira oportunidade, mas eu me sentia muito preparado. Todos aqueles anos como assistente, desempenhando inúmeras funções diferentes, me proporcionaram a bagagem ideal para dar um novo rumo à carreira.

O Leiria estava na primeira divisão de Portugal. Porém, o clube passava por momentos de extrema dificuldade em sua administração. Não conseguia honrar com os compromissos salariais. Havia jogadores com dificuldades para sustentar a família. E aí, não há quem consiga manter a cabeça boa para alcançar objetivos profissionais.

Gerir momentos assim acaba por ser um grande aprendizado. Precisei criar diferentes dinâmicas de trabalho para tentar driblar o contexto. Todo profissional do futebol é um apaixonado pelo futebol. Ou seja, está vivendo um sonho ao ter a oportunidade de exercer aquela profissão.

"De todos os clubes que já trabalhei, o Santos Laguna foi o mais bem organizado. Com uma visão clara, bem definida de suas ambições"


Foi esse o caminho que escolhi: lembrar aqueles atletas, que viviam uma injustiça, de seus sonhos de infância. Assim, deixamos de lado os problemas extracampo e obtivemos grandes resultados dentro dele.

O técnico precisa, antes de qualquer coisa, conhecer as pessoas. Não adianta nada ter muito conhecimento técnico e boas ideias de jogo se você não entender que antes do atleta há um ser humano.

A situação me ensinou a importância de conhecer a realidade de cada indivíduo. E ajudá-lo sempre que possível. Primeiro, você conhece o ser humano. Depois, você convence o jogador de abraçar as suas ideias.

O Leiria virou o turno na quarta colocação da liga, atrás apenas dos três grandes de Portugal. Terminamos a competição na décima posição, conseguindo com certa folga o objetivo principal de evitar o rebaixamento.

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A minha segunda oportunidade como técnico principal foi no Nacional, da Madeira. Acabou por ser a última, até o momento, em meu país. Depois do Nacional, o futebol mexicano apareceu em minha vida quando o Santos Laguna me abriu as portas.

Nas experiências que tive em Portugal, bastou um telefonema para que eu firmasse acordo tanto com o Leiria quanto com o Nacional. Era um processo seletivo muito anárquico.

No México, foi diferente. Fui entrevistado pela direção do clube. Precisei fazer uma apresentação sobre as minhas ideias antes de ser escolhido para comandar o Santos Laguna.

"Fiquei muito orgulhoso de chegar ao Rangers, um clube de tanta tradição e glórias"


De todos os clubes que já trabalhei, o Santos Laguna foi o mais bem organizado. Com uma visão clara, bem definida de suas ambições. Não é por acaso que este clube tão jovem tenha conquistado tantos títulos. Para mim, naquela época o mercado mexicano era uma novidade. Hoje, sou extremamente grato ao país. Os cinco títulos que ganhei na carreira foram conquistados no futebol mexicano. Três pelo Santos Laguna, dois pelo Cruz Azul.

Antes de trabalhar no Cruz Azul, decidi sair do México e ir ao Catar, onde comandei o Al-Gharafa. Eu não sei o que teria acontecido se eu tivesse permanecido no futebol mexicano. As coisas estavam indo muito bem no Santos Laguna.

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Talvez, eu tenha pecado por não viver o momento. Não consegui dimensionar a importância de tudo aquilo que tínhamos construído no Santos Laguna. Quando decidi sair, o meu salário era praticamente o dobro do que recebia quando cheguei ao clube.

Acontece que na minha cabeça, e só na minha cabeça, eu achava que teria mercado na Europa. Por que um grande do meu país não me abriria as portas, depois de todo o crescimento profissional e dos títulos ganhos no México?

"Se fosse possível voltar atrás, eu provavelmente tomaria algumas decisões diferentes"


Eu não soube viver o aqui e agora. Quis sair do Santos Laguna. E a oferta que recebi foi do Al-Gharafa, onde fiquei por cerca de um ano e meio.

Demorou mais do que eu imaginava, mas enfim surgiu a chance de voltar ao futebol europeu. Após um novo processo seletivo em minha carreira, o Rangers Glasgow, da Escócia, me escolheu para comandar o clube. Como eu ainda tinha contrato com o Al-Gharafa, os escoceses precisaram pagar um milhão de euros ao clube do Catar para conseguir a minha liberação.

Fiquei muito orgulhoso de chegar ao Rangers, um clube de tanta tradição e glórias. Você olha para trás e sente-se feliz em assumir tamanha responsabilidade. Não tenho dúvidas que o Rangers foi o clube de maior dimensão que comandei.

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Jamais esquecerei do meu primeiro jogo no Ibrox Stadium, com a calorosa recepção da torcida. A cada jogo, eram 50 mil torcedores apoiando de forma incondicional.

Para mim, trabalhar no Rangers foi uma experiência fantástica apesar de ter sido interrompida pelo meio. Viver o clássico 'Old Firm' foi absolutamente fascinante. A rivalidade transcende o futebol. Meu trabalho no Rangers, infelizmente, foi de curta duração.

Mas fiquei satisfeito ao ouvir, recentemente, o Steven Gerrard elogiar seus antecessores. Gerrard faz um trabalho brilhante e mostra também muita generosidade ao agradecer quem ajudou a pavimentar o sucesso atual.

"Ou seja, se você organizar tudo da melhor maneira e sua equipe for capaz de ir a campo única e exclusivamente preocupada com o jogo, o resultado positivo tende a aparecer"


Se fosse possível voltar atrás, eu provavelmente tomaria algumas decisões diferentes. Nomeadamente, em relação à elaboração do elenco. À época, optamos por um grupo formado por muitos estrangeiros.

Aquilo criou um embate cultural muito grande no vestiário. Nas mesas do refeitório, no centro de treinamentos, a divisão era clara. Numa mesa, os escoceses. Em outra, os demais britânicos. E numa terceira mesa, os estrangeiros. Foi difícil criar uma união. Hoje, o elenco do Rangers é majoritariamente formado por britânicos.

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De lá, tive o privilégio de poder retornar ao México, ao acertar com o Cruz Azul. Lá, construímos uma equipe muito competitiva. E o contexto do clube não era dos mais agradáveis. O longo jejum de título na Liga MX acrescentava um peso enorme às costas dos jogadores. E gerava neles o que o Jorge Valdano bem definiu como 'medo cênico': um bloqueio psicológico que não permite atingir o ápice do potencial.

Apesar disso, conseguimos criar, nos quase dois anos e meio de trabalho no Cruz Azul, uma mentalidade vencedora. Entrávamos em todas as competições almejando o título. Fomos campeões da Copa México e da Supercopa.

"Não me sinto realizado com a minha carreira como técnico. Satisfeito, sim. Realizado, não. Sempre fui muito ambicioso"


Além das taças, aquele trabalho também ficou marcado pelo bom futebol praticado pela equipe. Mas não são as únicas coisas de que me orgulho.

O projeto todo foi bem construído. O trabalho de blindagem do elenco em relação aos fantasmas do jejum de títulos, além da montagem do elenco em si, foram passos anteriores à bem sucedida execução da ideia de jogo em campo.

Manuel Velázquez/Getty Images

Isso me faz recordar da biografia do Bill Walsh, lendário técnico do San Francisco 49ers, equipe de futebol americano. No México, tive muita proximidade com a cultura esportiva dos Estados Unidos. Só o título do livro já diz muita coisa: 'The score takes care of itself' (O resultado toma conta dele mesmo).

Ou seja, se você organizar tudo da melhor maneira e sua equipe for capaz de ir a campo única e exclusivamente preocupada com o jogo, o resultado positivo tende a aparecer. O Cruz Azul foi o projeto de futebol que mais me preencheu até hoje.

Não me sinto realizado com a minha carreira como técnico. Satisfeito, sim. Realizado, não. Sempre fui muito ambicioso. Traço metas e não sossego enquanto não alcançá-las. Quero viver muitos outros desafios profissionais. Estou preparado para chegar ao mais alto nível do futebol. E vencer.