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Pés no chão

Pés no chão
Fotografía: Ernesto Alcázar
Redacción
Héctor Riazuelo
Publicado el
septiembre 10 2021

diego omar dabove

Esporte Clube Bahia, 2021-Presente

Trata-se de tomar decisões. Por mais difíceis que sejam.

Como trocar uma Copa Libertadores por uma briga contra o rebaixamento.

De fora, pode parecer não ter sentido. Eu compreendo.

A Libertadores é a maior competição da América do Sul, um sonho para qualquer treinador. Imagine, então, obter a classificação como fizemos com o Godoy Cruz, ao quase ganhar o campeonato argentino.

Naquela temporada -2018-, houve um momento em que dissemos: “Título? Por que não? Vamos com tudo”.

"A decisão de sair Não foi fácil, mas cheguei a conclusão de que era o fim de um ciclo. E seria melhor para todos terminar a relação"

As pessoas achavam que perderíamos fôlego na segunda metade da temporada, mas estavam enganadas.

Lutamos com o Boca Juniors até o último instante, sendo fiéis à ideia de futebol que me agrada. Uma equipe que ataca com um 4-3-3 bem desenhado, com laterais que sobem com frequência ao ataque. Mas que também tem uma boa transição defensiva.

A decisão de sair do clube não foi causada por nenhum problema com o Godoy Cruz. Pelo contrário. Serei sempre grato ao “El Tomba” pela oportunidade que me deu. Em determinado momento, eles confiaram em mim quando eu estava treinando a equipe B. Isso não tem preço.

A decisão veio depois de uma análise ampla - estava em fim de contrato - de tudo o que acontecera naquele ano. Não foi fácil, mas cheguei a conclusão de que era o fim de um ciclo. E seria melhor para todos terminar a relação.

Marcelo Endelli/Getty Images

Entre as três opções que tive depois de sair, estava o Argentinos Juniors. O clube me ofereceu um projeto esportivo e social muito interessante.

Além disso, eu também dava muita relevância à história da agremiação. Uma camisa reconhecida mundialmente, graças aos grandes jogadores que passaram por lá. Claudio Borghi, “Checho” Batista, Fernando Redondo e, claro, Maradona. O maior de todos.

Minha escolha foi baseada nisso tudo, mesmo tendo em conta de que esportivamente a situação era difícil.

“TODAS AS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS SÃO PARTE DO APRENDIZADO. EXPERIMENTAR SITUAÇÕES DAS MAIS VARIADAS E COMPLEXAS TE FAZ PENSAR E CRESCER”

Para o técnico, é complicado mudar o foco, em um curto espaço de tempo, da luta pelo título para a luta pela permanência na elite. Não tenha dúvida de que se sofre mais quando se está jogando para não cair de divisão.

Lembro-me das horas que antecederam o jogo em que nos salvamos. Coincidentemente, foi contra o San Martín. Mesma equipe que, no ano anterior, o Godoy Cruz enfrentou no jogo que valia o título. O clima de cada uma dessas situações é muito diferente. Como falei, é bem mais tenso e complicado na luta contra o rebaixamento.

Uma vez assegurada a permanência na elite, mudamos a maneira de pensar. Um dos principais motivos que me levaram ao clube foi tentar levá-lo de volta às origens. Isto é, montar um projeto forte para as categorias de base. Do mesmo jeito que fizemos no Godoy Cruz.

Marcelo Endelli/Getty Images

Reforço que todas as experiências vividas são parte do aprendizado. Experimentar situações das mais variadas e complexas te faz pensar e crescer.

No meu caso, tem sido assim desde pequeno.

Não sei se é correto falar em ‘vocação’, mas meu interesse por fazer algo parecido com a função do técnico vem desde os meus 15 anos. Enquanto meus amigos iam jogar, eu pegava meu caderno de anotações e ia analisar o adversário que enfrentaríamos.

Anotava tudo o que acontecia na partida. Os jogadores, as formações, estilo de jogo, as substituições feitas pelo treinador… Eu fazia tudo isso com muita atenção.

Até hoje tenho esses cadernos guardados na casa de minha mãe.

"Por sorte, recebi a ajuda de Miguel Russo. Eu o conhecia muito bem, dos meus tempos de base no Lanús"

Anos depois, segui esse caminho. E foi por causa de uma lesão no ombro, ocorrida em uma situação besta. Digo ‘besta’ porque estávamos fazendo um ‘rachão' no treino e um de meus companheiros caiu em cima de mim.

Era uma lesão que, hoje em dia, seria tratada facilmente. Mas não era o caso à época.

Seria preciso ir aos Estados Unidos para fazer o tratamento. Eu não tinha condições econômicas para fazer a viagem.

Tentei seguir jogando, mas a dor se fazia insuportável. Até que chegou o dia que dei um basta. Eu tinha apenas 27 anos. Mas não tinha sentido seguir fazendo algo que já não era divertido.

Lucas Uebel/Getty Images

Por sorte, recebi a ajuda de Miguel Russo (acima). Eu o conhecia muito bem, dos meus tempos de base no Lanús. Ele era o técnico do time principal, e tinha como auxiliar o Hugo Gottardi.

Duas semanas após a minha lesão, soube que Russo assumiria o comando do Los Andes. No primeiro jogo, contra o Independiente, ele não ficou no banco de reservas. Acompanhou a partida da tribuna, ao lado de Gottardi e do professor Guillermo Cinquetti.

Antes do início do jogo, me aproximei para cumprimentá-lo e ele me perguntou o que eu estava fazendo. Comentei que iria parar de jogar por causa da lesão e queria migrar para a carreira de técnico.

"’SER O PRIMEIRO A CHEGAR AO TREINO. E O ÚLTIMO A SAIR. ESTAR ATENTO AOS MÍNIMOS DETALHES. SÃO COISAS QUE NÃO SE APAGAM JAMAIS’’

Russo, então, falou: “Bom, venha amanhã acompanhar o nosso treinamento”. Fui e, nesse mesmo dia, ele me convidou para integrar sua comissão técnica, na função de preparador de goleiros.

Esta possibilidade não era apenas um novo começo, era também um refúgio depois de tudo o que havia passado.

Aprendi com eles o que era a paixão por essa profissão. Miguel e Hugo seguem na ativa, ambos com mais de 60 anos. E fazem com a mesma gana de quando tinham 30.

Ser o primeiro a chegar ao treino. E o último a sair. Estar atento aos mínimos detalhes. São coisas que não se apagam jamais.

Valores que se somam ao respeito que minha mãe me ensinou a ter pelo trabalho.

Uma mulher forte e lutadora. Sozinha, criou a mim e meu irmão com seu trabalho e dedicação. Saía de casa às 08h e não voltava antes das 20h. Nunca a ouvimos reclamar disso.

Agustin Marcarian/Getty Images

Então, desfruto do que faço. É um trabalho que ninguém pode se queixar porque se está fazendo o que ama. Eu gosto de estar envolvido nesse turbilhão do dia a dia do futebol. Termino o treino, vou a casa, descanso um pouco, e já pego o computador para analisar rivais, aspectos de nosso time ou organizar outras coisas.

Tenho consciência de que esta forma de trabalhar poderá me levar um dia ao esgotamento. Mas acredito que o corpo irá me avisar sobre o momento de diminuir o ritmo.

"A minha oportunidade apareceu em uma boa idade. Não sei como teria reagido se tivesse vivido tudo isso anos atrás"

Desconectar-se totalmente, como disse, é impossível. Mas são valiosos os momentos tranquilos com a família e os amigos. Tirar proveito do tempo para fazer um ‘asado’ ou tomar mate.

Claro que nessas reuniões também se fala de futebol. No meu círculo de amigos, é difícil que se fale de outra coisa. Não adianta mudar de grupo, de bairro, colégio ou município. Em todas as conversas, no fim, se acaba falando de futebol.

Ernesto Alcázar

Tudo tem acontecido muito rapidamente. Mas nada do que passou mudou o meu caráter. Quem me conhece, sabe que sou direto. Um cara sem mistérios.

É verdade também que tenho experimentado novas sensações. A exposição na mídia também é algo que passou a ter outra proporção. Algo que te obriga a estar preparado. Mas encaro tudo com naturalidade.

A minha oportunidade apareceu em uma boa idade. Não sei como teria reagido se tivesse vivido tudo isso anos atrás. Hoje, me sinto bem tranquilo.

Capaz de gerir os bons e maus momentos.

Sempre com os pés no chão.