graham potter
Brighton & Hove Albion, 2019-Presente
Alguém, de fato, vive aqui?”
Minha esposa, Rachel, olhava as ruas vazias e as lojas fechadas que nos rodeavam com uma mescla de diversão e confusão.
Bem-vindos a Östersund.
Estávamos lá para um compromisso profissional. O diretor esportivo do Östersunds FK, Daniel Kindberg, queria me oferecer um cargo de treinador nas categorias de base do clube. Eu estava interessado e surpreso, mas o momento não era o ideal. Rachel estava grávida, e eu finalizava um mestrado ao mesmo tempo que trabalhava como treinador na Universidade Metropolitana de Leeds.
Além disso, quem quer viver em uma cidade fantasma?
Na verdade, tínhamos chegado em uma Röd Dag (emenda de feriado, em sueco). Mas quando descobrimos, já era tarde demais. As primeiras impressões são difíceis de esquecer.
Por isso, quando disse a Rachel, um ano depois, que me haviam oferecido o cargo de técnico do Östersunds FK, ela não ficou exatamente empolgada. Eu lhe pedia que mudasse sua vida - incluindo um negócio que havia passado 10 anos construindo - e que deixasse sua família. A troco de quê? Temperaturas de 25 graus negativos em janeiro e fevereiro.
Era um risco enorme. Eu tinha um bom trabalho como treinador na Universidade de Leeds. Uma carreira que tinha construído durante cinco anos. Tínhamos uma vida segura. Cômoda. E lá estava eu sugerindo que mudássemos para uma cidade no meio da Suécia. No meio da Escandinávia.
No meio do nada.
Mas era tarde demais para mudar de opinião. Eu tinha comprado a ideia.
Havia comprado duas ideias, na verdade. A primeira: simplesmente a ideia de ser treinador e colocar em prática tudo o que havia aprendido. Passei os cinco anos anteriores testando coisas. Fracassando em algumas, tendo sucesso em outras. E me encontrava pronto para colocar em prática tudo o que havia aprendido. E testar o que funcionaria no “mundo dos resultados” do futebol.
Sabia que as oportunidades de comandar um time na Inglaterra não chegariam. Fazia cinco anos que estava fora do futebol profissional, desde que encerrei minha carreira de 13 anos de duração como jogador. O Östersunds FK era a minha oportunidade de retornar.
“CHEGAMOS A ÖSTERSUND E A REALIDADE NOS GOLPEOU. QUASE TÃO FORTE QUANTO O AR ÁRTICO QUE NOS DEIXOU SEM ALENTO, ASSIM QUE SAÍMOS DO AEROPORTO”
E a segunda ideia? Foi de Daniel Kindberg, atual presidente do Östersunds FK.
Era alguém com clareza nas ideias. Notei na primeira vez que nos vimos. Tinha uma clara visão do que queria para o clube. E entendia que a localização do Östersund exigia que se fizesse algo diferente para conseguir o objetivo. E pude ver que ele tinha coragem para fazê-lo.
Era um visionário.
Como falei, ele me convenceu. Comprei sua visão de que o clube precisava de algo diferente. Era um clube que queria fazer a diferença.
Então, chegamos a Östersund e a realidade nos golpeou. Quase tão forte quanto o ar ártico que nos deixou sem alento, assim que saímos do aeroporto.
A visão seguia ali, mas de repente ficou mais turva. Mais distante de nosso alcance.
O clube estava se recuperando de sua queda à quarta divisão do futebol sueco, e a negatividade na cidade era notória. Havia uma espécie de desconfiança do público. Dava a sensação que a população de Östersund não gostava muito do clube.
Em meu primeiro jogo à frente da equipe, havia umas 200 pessoas nas arquibancadas. E eu diria que metade delas preferia que saíssemos derrotados.
Em casa, enquanto isso, havia outros desafios. Meu filho mais velho tinha 11 meses quando nos mudamos para a Suécia. Então, enquanto eu estava trabalhando, Rachel estava se adaptando à nossa nova vida com ele. Mais tarde, ela me confessou que, durante os primeiros seis meses, chorou quase todos os dias.
Eu queria desesperadamente que tudo desse certo. No começo, isso significava passar horas no carro - a cidade mais próxima a Östersund fica a umas quatro horas de viagem - para assistir a vários jogos. Tentava compreender a cultura do futebol sueco. Tentava compreender quem eram os nossos adversários.
Foram seis meses duríssimos.
“É PRECISO SABER DE FUTEBOL PARA SER TÉCNICO, MAS TAMBÉM É PRECISO SABER DE PESSOAS. ÀS VEZES, ISSO PODE SER A DIFERENÇA”
Mas também foram seis meses que me demonstraram que tomei as decisões corretas no princípio de minha caminhada como treinador. Entendi muito cedo que a minha experiência como atleta não era o bastante. Vi jogadores virarem técnicos sem buscar as habilidades necessárias para a nova função.
Eu queria aprender a arte de treinar. Desenvolver minhas habilidades como treinador. Aprender a comunicar a minha mensagem.
Sempre tive o desejo de aprender. Durante a maior parte de minha carreira como atleta, esse desejo passou para um segundo plano, até que, em um certo momento, quando estava no Southampton, fiquei surpreso comigo mesmo: me flagrei lendo uma reportagem de um veículo sensacionalista. Meu cérebro estava se tornando preguiçoso. Era preciso fazer algo. Então, comecei uma licenciatura em Ciências Sociais.
Houve algumas sobrancelhas levantadas quando subi ao ônibus do time levando livros sobre a União Europeia ou a política americana. Mas isso não me incomodou. No futebol, você pode trabalhar duro e não conseguir o resultado positivo no fim de semana. Estudar era diferente. Eu me esforçava e tirava boas notas. Eu gostava da constância.
Quando, anos depois, me encontrava treinando no contexto universitário, decidi fazer um mestrado. Em Liderança e Inteligência Emocional.
Quando vi o plano de estudos, me dei conta de que em grande parte se encaixava com o futebol. Já havia feito meu curso para tirar a licença A de treinador. Ou seja, a “prática” já estava feita. O mestrado serviu para eu teorizar os conceitos de liderança.
Autoconsciência. Empatia. Responsabilidade. Motivação. Construção de relações.
É preciso saber de futebol para ser técnico, mas também é preciso saber de pessoas. Às vezes, isso pode ser a diferença. Trata-se de saber como reunir uma equipe. Como se comunicar com o grupo. Como se entendem uns com os outros. E, em última instância, como unir os indivíduos para uma causa comum.
Eu era a única pessoa do curso com formação esportiva. Os demais eram, em sua maioria, cirurgiões que reconheciam a necessidade de ter uma maior sensibilidade em torno da inteligência emocional. E o professor tinha formação militar. Foi fascinante aprender como os diferentes contextos viam os diferentes conceitos. Uma das coisas que me tocou foi pensar em como lidamos com o fracasso.
“DURANTE MEUS CURSOS DE TREINADOR, NUNCA PENSEI QUE ACABARIA CANTANDO À CAPELA OU INTERPRETANDO O LAGO DOS CISNES EM UM TEATRO CHEIO DE GENTE”
No futebol, focamos no erro. Queremos culpar alguma coisa ou alguém. Mas no exército e na sala de cirurgia - situações de vida ou morte - é o contrário. É sobre como você lida com o erro. Como se cria um ambiente que te permite aprender com o erro.
Na minha primeira temporada no Östersunds FK, isso foi crucial.
Os resultados negativos se convertiam em sentimentos negativos. Atitudes negativas. Eu tinha que conseguir que os jogadores desfrutassem o futebol. Que se distanciassem da cultura tradicional de culpa e medo. Que entendessem que os erros, os fracassos, as derrotas, vão ocorrer, mas que precisamos responder de uma boa maneira.
Era preciso encontrar a forma de desenvolver esse lado dos jogadores. Desenvolver o ser humano, fora do campo de futebol.
O presidente teve uma ideia.
Uma “academia cultural”, que colocasse os jogadores em contato com aspectos da vida que normalmente não experimentariam. A cada janeiro, anunciávamos um projeto de artes cênicas em que todos os membros do clube, incluindo a mim, trabalharíamos durante toda a temporada, com programação de ensaios e workshops. Aí, em novembro, apresentávamos a peça.
Durante meus cursos de treinador, nunca imaginei que acabaria cantando à capela ou interpretando o Lago dos Cisnes em um teatro cheio de gente. Mas esse é o ponto: sentir-se (um pouco) cômodo em situações incômodas.
É um processo. Não posso afirmar que seja algo recebido com entusiasmo universal. Os jogadores não costumam pular de alegria quando se anuncia um projeto desses na pré-temporada. Mas se adaptam. E, às vezes, se surpreendem com eles mesmos.
Lembro de um jogador que era bastante negativo. Sentava-se no fundo da sala nos ensaios de canto e não queria participar de nada. Quando chegou o dia do espetáculo, era um homem diferente, que se pavoneava no palco como Mick Jagger. É incrível como as pessoas se transformam.
Muita gente pergunta o que tem a ver o balé ou o canto com atuar em um campo de futebol. É algo difícil de mensurar. Mas você vê crescer os indivíduos. E se você tem mais confiança em si próprio, mais consciência de si próprio, mais capacidade de assumir responsabilidades e de compreender os pontos de vista dos demais, acredito que isso te permite realizar suas tarefas futebolísticas de uma melhor e mais clara maneira.
Conseguimos o acesso em meu primeiro ano no Östersunds FK. E repetimos a dose na temporada seguinte.
Em 2016, jogamos pela primeira vez na divisão de elite do futebol sueco, a Allsvenskan. É onde Daniel Kindberg sempre imaginou que estaríamos. Mas esta era apenas a primeira parte de seu plano.
A seguinte era continental. A Liga Europa, essa era a sua visão. Seu objetivo. E desde o princípio, acreditei ingenuamente que poderia ser possível.
Resultou que não era tão ingênuo assim.
Nosso trajeto na Liga Europa, em meu último ano no clube, me arrepiou várias vezes. Uma delas aconteceu quando fomos aplaudidos de pé pelos torcedores do Galatasaray, em Istambul, depois que os eliminamos da competição. Outra foi quando vi nosso time jogar com extrema coragem para reverter o 1-3 da partida de ida contra o PAOK, e avançar à fase de grupos.
Nesses momentos, repentinamente me dava conta do que tinha feito. Do que a equipe tinha feito. E nas consequências que aquilo traria para o clube, para os jogadores e para mim.
No momento que soou o apito final daquele jogo com o PAOK, meu filho mais velho entrou correndo em campo. Olhei para o presidente e percebi o quanto aquilo significava para ele. E para os torcedores. Nesse dia, havia quase 6.000 pessoas na Jämtkraft Arena. Acho que se lembrarão daquela sensação pelo resto de suas vidas.
Foi um momento de exceção para um lugar remoto.
Bem-vindos a Östersund. Uma cidade que deixou de estar no meio do nada.