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Paulo Sousa: Análise Tática

The Coaches' Voice en español
Paulo Sousa: Análise Tática
Getty Images
Redacción
The Coaches' Voice en español
Publicado el
febrero 4 2022

PAULO SOUSA

Flamengo, 2022-Presente

Em uma nova etapa de seu longo e internacional percurso (QPR, Swansea, Leicester, Videoton, Maccabi Tel Aviv, Basel, Fiorentina, Tianjin Quanjian, Bordeaux e seleção polonesa), Paulo Sousa assumiu o comando do Flamengo, neste que é, possivelmente, o maior desafio de sua carreira até o momento. 

“A emoção é total, essas oportunidades não aparecem muitas vezes na carreira de um técnico. O Flamengo está presente em qualquer pessoa que ama o futebol”, afirmou o treinador em sua apresentação.

O clube brasileiro, como havia feito com Jorge Jesus, voltou a apostar em um técnico português para revitalizar sua equipe. Com Jorge Jesus, o ápice foi a conquista da Copa Libertadores de 2019. Troféu que certamente está novamente nos planos do Rubro-Negro, agora, sob os comandos de Sousa.

Estilo de jogo:

Se há um padrão bem definido nas equipes de Sousa é que elas priorizam a saída de bola, mas sem assumir grandes riscos nesta fase do jogo. 

É por isso que o jogo com os pés de seus goleiros não é exatamente a característica que mais valorize na função. 

A primeira escolha é buscar superioridades para avançar com a bola controlada. Em relação com este princípio, seu esquema mais habitual é o 3-4-2-1, com três zagueiros bem espaçados, para que, depois de uma circulação rápida, a equipe possa avançar com vantagem e tentar a conexão com a linha seguinte. 

É na linha dos meio-campistas que suas equipes acumulam mais jogadores. Com até quatro atletas por dentro, mais os dois alas bem abertos. Em algumas circunstâncias, o treinador português sacrificou sua habitual linha de três zagueiros (abaixo) para formar um 4-3-3, mesmo que em sua ideia de jogo sempre predomine a intenção de ocupar o meio-campo com um homem a mais que seu rival.  

No estilo de jogo de Sousa, é muito importante que os jogadores tenham versatilidade para se adaptar às diferentes funções exigidas pelo treinador. Entre os dois alas, um deles costuma ser mais ofensivo. Assim, nos momentos sem bola, o ala mais defensivo ocupa a posição de lateral, fazendo com que a equipe tenha uma linha de quatro atrás.

Da mesma forma, os dois jogadores que atuam ligeiramente atrás do centroavante costumam ter características diferentes. Um com mais habilidades de meio-campista; outro com um perfil mais ofensivo. 

Dois times diferentes em um mesmo ano

Na posição do ‘9’, Sousa costuma optar por atacantes fortes e altos, que lhe ofereçam outra alternativa ao jogo. Robert Lewandowski na Polônia, Nikola Kalinic na Fiorentina ou Marco Streller no Basel, são exemplos de atacantes que estiveram às ordens do treinador português, que soube como tirar proveito das capacidades físicas desses atletas. No Flamengo, entre as opções mais prováveis no elenco, Pedro é o mais alto dos atacantes, com 1,85 metro. 

Sua passagem pelo Basel rendeu títulos e ainda reforçou uma ideia de jogo que, com um controle surpreendente, atingiu seu ponto mais alto na Champions League. Envolvido num grupo onde estavam Real Madrid e Liverpool, conseguiu avançar às custas da eliminação precoce do gigante inglês.    

Entretanto, na liga suíça, o Basel teve grandes percentuais de posse de bola e conseguia chegar com frequência à área rival. O oposto do que fez na Champions League, quando se protegia muito mais, alinhando-se em ocasiões num 4-3-3, com uma recomposição intensa e deixando seu atacante, Streller, como única referência ofensiva. 

Assim, Sousa foi capaz de alternar dois estilos opostos em uma mesma temporada: jogo direto, sem tanta liberdade na saída de bola, e dando muita ênfase nas bolas paradas, na competição continental; futebol ofensivo e atrevido, na liga suíça. 

No Basel, uma das rotas mais utilizadas para progredir era o posicionamento muito alto dos dois alas. O objetivo era atrair a atenção dos laterais rivais. Quando a bola chegava ao ala, e com o consequente deslocamento do lateral adversário, a equipe agredia o espaço criado entre lateral e zagueiro rivais, ocupando tal espaço com um dos meio-campistas ofensivos, que atuavam atrás do centroavante (acima). Uma maneira efetiva de chegar à linha de fundo e desordenar o sistema defensivo dos adversários. 

Superioridades na zona central

A Serie A representou um desafio diferente para Sousa, com um maior nível de exigência em relação aos trabalhos que desempenhou em Israel e na Suíça. Com a Fiorentina, evidenciou que a saída de bola com três zagueiros proporcionava muita versatilidade à sua equipe para construir o jogo. O time conseguiu tirar o melhor do esquema 3-4-2-1, com defensores que uniam técnica e uma grande capacidade de defender a área dos inúmeros cruzamentos que o calcio é capaz de produzir. Esses jogadores eram Gonzalo Rodríguez, Davide Astori e Facundo Roncaglia. 

Por outro lado, os atletas que davam amplitude ao jogo sempre tinham um papel diferente entre eles. Um, bem mais ofensivo e criativo. O outro, mais defensivo e com uma maior trajetória como lateral.  

Na Fiorentina, esses papéis foram preenchidos com perfeição. Na ala esquerda, Marcos Alonso oferecia muita presença no campo rival, além de ter uma perna esquerda capaz de achar cruzamentos das mais diversas posições do campo. Na direita, estava Federico Bernardeschi. Um jogador canhoto, com grande capacidade de associação e que executava diagonais para dentro, em busca de passes interiores (abaixo). 

Para que a equipe estivesse equilibrada, sem deixar espaços desocupados no meio-campo, dois atletas eram os encarregados de dar continuidade ao jogo: Matías Vecino e Milan Badelj ocupavam essa zona larga da Fiorentina. Com eles, Sousa buscava exercer superioridades por dentro. Por isso, posicionava tanto Borja Valero quanto Josip Ilicic às costas dos meio-campistas rivais. Dois jogadores com a mesma função, mas com distintos padrões de jogo. 

Valero estava mais habituado a jogar como meio-campista, por seu perfil disciplinado para se desenvolver nas fases do jogo sem bola (abaixo). licic contava com características mais reconhecidas em um atacante: se movimentava com perfeição nas zonas ofensivas, pisava com frequência na área adversária, além de ser um exímio finalizador. 

A Fiorentina jogava com um só atacante: Kalinic. Um jogador com capacidade de fazer o pivô e dar assistências, apesar de não participar das jogadas nas zonas de criação. Com sua presença, a ideia era alongar o rival continuamente com suas arrancadas de desmarcação, que também ofereciam ao time uma possibilidade de conexão nas ocasiões que não havia forma de progredir de maneira posicional. 

Contra-ataque e estilo conservador

A chegada ao Bordeaux, em um novo país onde Sousa seguiu acumulando experiências, reforçou sua ideia de jogo. Sem alterar o 3-4-2-1, o Bordeaux não teve um papel tão dominante como aconteceu com a Fiorentina de Sousa. Os três zagueiros lhe permitiam seguir tendo superioridades na hora de iniciar o jogo, mas os meio-campistas não tinham a mesma qualidade para girar e atacar espaços como sucedeu na Itália. 

Encurralado, por vezes, na zona larga, a maneira mais simples de progredir era por fora. Assim, o ala, posicionado próximo à linha lateral, esperava atrair o lateral adversário e, com isso, gerar espaço entre zagueiro e lateral rivais. Brecha que seria ocupada por um dos meias da equipe. 

Outro fator que merece destaque em sua passagem pelo Bordeaux foi a adaptabilidade. Como não conseguia encaixar seu sistema de jogo aos atletas que tinha à disposição, Sousa optou por trocar o esquema para o 4-3-3 (abaixo). Um novo desenho, que visava sair com rapidez aos contra-ataques, e que reduzia seu posicionamento no campo rival. A mudança resultou em oito jogos de invencibilidade. 

Assim, no Bordeaux, trocou o domínio do jogo pela praticidade. Sousa dispôs seu jogo ofensivo buscando unir o último passe de Yacine Adli com a velocidade do atacante Jimmy Briand. O Covid-19 deu um fim precoce à Ligue 1, o que não nos permitiu ver qual seria o resultado de uma continuidade do novo sistema de jogo de Sousa em seus últimos meses em terras francesas. 

A aterrissagem na Polônia, em janeiro de 2021, passou a ser a primeira experiência de Sousa em uma seleção nacional. Em um novo contexto de trabalho - menos tempo para treinar e preparar os jogos -, e com a Eurocopa batendo à porta, o treinador português introduziu um sistema de jogo mais conservador em comparação com suas equipes anteriores. 

Uma das premissas da Polônia era tentar aproveitar ao máximo seu jogador mais decisivo: Lewandowski. Era por isso que a equipe não desperdiçava oportunidades de cruzar bolas à área, optando por um jogo direto em muitas ocasiões. Os avanços dos jogadores da segunda linha e a boa ocupação da área pelos demais atacantes poloneses eram o acompanhamento perfeito para reforçar o habitat de Lewandowski. Porém, não foram poucas as vezes em que o ídolo polonês precisou se deslocar ao meio-campo para entrar em contato com a bola. 

Fase defensiva e pressão:

É justamente nos momentos sem bola que está a maior diferença entre as equipes já comandadas por Sousa. Afinal, é algo que está relacionado, em grande medida, ao poderio do adversário e ao próprio repertório de seu time. 

No campeonato suíço, com um Basel muito superior aos rivais, jogou a maior parte do tempo no campo contrário, adotando uma pressão 'pós-perda'. Este, aliás, é outro dos pontos fortes do estilo de jogo de Sousa: efetuar uma pressão eficiente após a perda da bola que impossibilite o contra-ataque rival. Em qualquer zona do campo, no momento que suas equipes perdem a bola, os esforços se multiplicam para tratar de recuperá-la e seguir com a posse. 

Quando o técnico português se via em clara desvantagem em relação ao adversário, não hesitava em realizar uma recomposição defensiva intensa. Na seleção polonesa, diante de adversários superiores, como no jogo contra a Espanha, adotou um sistema com muitos jogadores atrás da linha da bola, considerando que um reforço no setor seria necessário para não ser superado. 

A Polônia priorizava fechar todos os espaços possíveis por dentro, alinhando-se num 5-4-1 em losango (abaixo). Apenas Lewandowski se movimentava entre os zagueiros rivais, enquanto os demais poloneses se ordenavam para evitar a progressão da Espanha. 

Funções diferentes

No esquema de Sousa, há grandes diferenças nas aptidões dos alas e que compõem o seu sistema de jogo. Essas diferenças ficam mais nítidas na fase defensiva, quando os alas também costumam ter papéis diferentes. 

Na Fiorentina, quando a equipe perdia a bola e era atacada pelo rival, Alonso ocupava a lateral esquerda, enquanto o zagueiro pela direita virava lateral pela direita. 

Desta maneira, o conjunto italiano passava a ter uma formação em 4-2-3-1 na defesa, quando dominado pelo rival. 

Outro aspecto de grande importância para Sousa na fase defensiva é o equilíbrio que suas equipes devem ter no setor de meio-campo. Uma zona crucial para não ser atacado com superioridade pelo rival. Deste modo, ele sempre posiciona meio-campistas à frente dos zagueiros para que, em caso de perda da bola, estejam cinco jogadores atrás da linha da bola ou, na pior das hipóteses, que a ajuda esteja por perto (acima).  

Na Viola, Valero e Badelj se posicionavam na base para oferecer uma alternativa de linha de passe, mas, ao mesmo tempo, para manter a equipe organizada em caso de perda de bola e um subsequente ataque do rival. 

Com tudo o que foi referido, podemos notar que a capacidade de Sousa para ir modificando em função das necessidades de suas equipes ou até de uma partida em si está mais presente no sistema defensivo. Sua chegada ao Flamengo é a mais nova experiência internacional de um treinador que nunca comandou um clube de seu próprio país. Um viajante capaz de deixar sua marca por onde quer que passe.