Pedro martins
Olympiacos, 2018-Presente
Não é fácil comandar um clube da dimensão do Olympiacos.
Comete um grande erro quem diz que o Olympiacos é ‘'apenas'' um grande clube grego. Na verdade, é um dos grandes da Europa.
Não importa o quesito que queiramos analisar: é rico na parte humana, em títulos, em história. São cerca de 6 milhões de torcedores. E, você sabe, não são quaisquer torcedores. A paixão que têm pelo Olympiacos é algo contagiante.
Quem trabalha aqui, sabe que terá que lidar com uma exigência muito forte. Não é só no futebol, não. É a mesma coisa no basquete, no vôlei, no pólo aquático, em tudo. Equipes masculinas e femininas.
A pressão é enorme.
Quando recebi a oferta dos gregos, em 2018, não hesitei para aceitá-la. Afinal, tive muito tempo para pensar. O Olympiacos já havia me procurado um ano antes. Mas uma série de razões não permitiu que o negócio fosse adiante.
Um ano depois, o contexto era outro e não queria deixar a oportunidade escapar novamente.
Tratava-se da minha primeira oportunidade fora de Portugal. Muita gente considerava um risco aceitar um desafio tão grande logo em minha primeira experiência no estrangeiro. Mas eu tinha muita experiência no futebol.
"não são quaisquer torcedores. A paixão que têm pelo Olympiacos é algo contagiante"
A essência do jogo é a mesma em todos os lugares. Portanto, o que aprendi, quer no Marítimo, no Rio Ave, no Vitória de Guimarães ou nos clubes das divisões inferiores que trabalhei, não foi descartado ao chegar aqui. Pelo contrário. Todas aquelas vivências foram cruciais para eu conseguir entender as particularidades daquele desafio tão ‘’arriscado’’.
Se neste aspecto, de ser o primeiro desafio internacional, não encontrei problemas, o contexto do clube trouxe alguns desafios. O Olympiacos vinha de uma temporada muito negativa. Havia no clube uma ansiedade enorme para montar um novo plantel.
Para se ter uma ideia do cenário, mais de 20 jogadores deixaram o clube. Eu iniciei o trabalho antes do fim daquela temporada ruim. Não no campo, mas nos bastidores. A planejar o elenco para a seguinte temporada.
Aquilo foi bom porque me deu mais tempo para tirar conclusões. No fim, montamos um grupo muito homogêneo, de enorme qualidade. Formado por uma mescla entre atletas experientes e jovens em início de carreira.
"a continuidade do trabalho pode ter surpreendido quem não acompanha de perto o futebol da Grécia"
A base para esta reestruturação foi feita com uma filosofia, uma ideia de jogo muito identificada com a história do Olympiacos. O perfil de jogador que buscávamos tinha que ser muito identificado com o clube.
Apesar de não termos conquistado títulos no primeiro ano, fizemos uma reestruturação muito profunda do plantel. Assim, pavimentamos a estrada vitoriosa para os anos seguintes.
Mas quando um clube acostumado com títulos não vence, há sempre alguém que defenda a interrupção do trabalho do treinador. Porém, a diretoria entendeu que estávamos no caminho certo. O rendimento em campo não deixava dúvidas.
De certa maneira, a continuidade do trabalho pode ter surpreendido quem não acompanha de perto o futebol da Grécia. Afinal, outros treinadores portugueses, que me antecederam no comando do Olympiacos, não tiveram passagens duradouras no clube.
De fato, Leonardo Jardim, Vítor Pereira, Marco Silva e Paulo Bento não ficaram mais que uma temporada. Só que isso nunca me preocupou. A troca de comando não é uma exclusividade do Olympiacos.
"A essência do jogo é a mesma em todos os lugares"
O Marítimo também tinha a fama de fazer muitas alterações de técnicos. Lá, fiquei por quatro anos e meio. Faço o meu trabalho, o meu foco esta exclusivamente no meu trabalho. Hoje, quatro anos após desembarcar em Atenas, sou o técnico com maior longevidade na história do Olympiacos.
A nossa segunda época foi extraordinária em todos os aspectos. Não fomos bem somente nas competições gregas. Também mostramos força nas competições europeias. Foi recompensador viver aqueles momentos. Era o fruto de um trabalho que havíamos começado um ano antes.
Para mim, aquela foi a nossa melhor temporada desde que cheguei ao Olympiacos. Vivemos grandes noites na Europa. Nas fases preliminares da Champions League, eliminamos Viktoria Plzen, Istanbul Basaksherir e Krasnodar, que tinha eliminado o FC Porto na fase anterior.
Fomos à fase de grupo e pegamos uma chave extremamente complicada, na qual avançaram Bayern de Munique e Tottenham. Com a terceiro colocação, migramos à Liga Europa e eliminamos o Arsenal, vencendo o duelo decisivo no Emirates Stadium.
Caímos nas oitavas de final diante de outro integrante da Premier League, o Wolverhampton, com um 2-1 no placar agregado.
"O meu encontro com o Olympiacos foi o casamento perfeito"
No campeonato grego, terminamos com 18 pontos de vantagem para o PAOK, segundo colocado, então treinado pelo Abel Ferreira.
No ano seguinte, vencemos a liga novamente e, desta vez, com uma diferença de pontos ainda maior para o vice-campeão. Agora, ao fim de minha quarta temporada à frente do Olympiacos, conquistamos o tricampeonato consecutivo. Algo que apenas Dusan Bajevic havia feito pelo clube.
Ao olhar para trás, fico com a convicção de que temos realizado um trabalho extraordinário. O contexto era complicado quando chegamos, mas soubemos manter a calma para tomar as melhores decisões. E tivemos paciência para esperar o resultado aparecer em campo.
Depois do tricampeonato, muita gente questiona como é possível seguir vencendo. A única resposta que tenho é o trabalho. O que vai acontecer no futuro depende do que fizermos hoje. Quem só pensa em ganhar, acabar por se esquecer de trabalhar.
"Ao olhar para trás, fico com a convicção de que temos realizado um trabalho extraordinário"
Do ponto de vista pessoal, sigo feliz no Olympiacos. O clube me oferece todas as condições para desempenhar a minha função. Enquanto estiver feliz, não pensarei em mudar de ares e buscar novos desafios. Quem sabe no futuro.
Um dia, se aparecer alguma proposta benéfica para mim e para o clube, podemos analisar a questão. No meu caso, o que me atrai é o desafio profissional. Sou treinador de clube e quero disputar ligas competitivas, como, por exemplo, uma Premier League.
Neste momento, o meu foco é exclusivo ao Olympiacos. Tenho mais dois anos de contrato. Na próxima temporada, temos que entrar na Liga dos Campeões. É importantíssimo para a imagem do clube e pela questão financeira. Além disso, vamos em busca do tetracampeonato grego.
O meu encontro com o Olympiacos foi o casamento perfeito. Claro que nem eu, nem o clube, podíamos ter esta certeza à época. Mas, em retrospectiva, fica evidente que o contexto era o ideal para o que viria a acontecer nos anos seguintes: um crescimento mútuo.
Juntos, evoluímos. E recolocamos o Olympiacos em seu lugar habitual de protagonismo.
Não apenas um grande da Grécia, mas um grande da Europa.