Tiago Nunes
LDU Quito, 2025-Presente
Não basta saber aonde quer chegar. É preciso também escolher o melhor caminho.
De onde vim, parecia improvável alcançar o mais alto nível no futebol. Furei a bolha com muito esforço e sem dar ouvidos a quem dizia ser impossível.
Nasci em Santa Maria, no extremo sul do Brasil, e tive uma infância feliz naquele ambiente de cidade pacata do interior. Tenho ascendência alemã e cresci ouvindo o idioma alemão em casa. É com orgulho que carrego o sobrenome Retzllaff, herança materna.
Mas como todo garoto brasileiro, desde cedo me apaixonei pelo futebol. Acontece que nunca fui um craque da bola. Eu era um zagueiro esforçado e passei por todas as categorias de base na minha cidade. Estive perto de jogar profissionalmente.

Graças à estrutura familiar, nunca abandonei os estudos por causa do futebol. E acho que fui mais inteligente do que a média dos demais jogadores que não alcançam seus sonhos. Quando percebi que não vingaria como jogador, segui outro caminho para me manter no futebol.
Cursei educação física sem imaginar, à época, que me tornaria treinador. Afinal, no fim dos anos 1990, os grandes treinadores eram ex-jogadores. Portanto, eu não imaginava que quem tivesse apenas formação acadêmica pudesse chegar lá. Assim, a minha porta de entrada no futebol foi a preparação física.
"Furei a bolha com muito esforço e sem dar ouvidos a quem dizia ser impossível"
Durante nove anos, exerci a função em diversos clubes pequenos espalhados pelo Brasil.
Nesses clubes, o preparador físico é praticamente um faz-tudo: um pouco de auxiliar técnico, um pouco de psicólogo, nutricionista, participa da logística… Então, me envolvi em muitas áreas que giram em torno do treinador. E ouvi de muitos deles que eu levava jeito para ser técnico.

Nove anos depois, resolvi aceitar a sugestão. Em 2010, assumi o comando do Rio Branco, do Acre. Fomos campeões estaduais e tive a certeza de que havia feito a escolha certa ao me tornar treinador.
Nos meus primeiros anos como técnico, percorri cada canto do território brasileiro. Um cara sem capital simbólico, que não tinha história no futebol profissional, precisava conhecer pessoas e experimentar diferentes contextos. Era o melhor caminho para conquistar o meu espaço.
Em determinado momento, porém, senti que precisava recalcular a rota. Eu trocava de clubes com muita frequência, mas sem conseguir subir de prateleira ou ser notado pelas equipes das três principais divisões do Brasil.
Como eu poderia chegar a um clube da Série A? O caminho teria de ser o futebol de formação. Era a maneira mais viável para encurtar a distância entre mim e o grande clube. Em 2017, o Athletico Paranaense me ofereceu o cargo de treinador de sua equipe sub-19.
"Não imaginava que quem tivesse apenas formação acadêmica pudesse chegar lá. Assim, a minha porta de entrada no futebol foi a preparação física"
Haverá sempre alguém para falar em sorte. No meu caso, foram necessários 17 anos de trabalho para eu ter a ‘sorte' de receber a minha primeira oportunidade como treinador na Série A do futebol brasileiro.
Isso porque, depois do sub-19, ainda passei pela equipe B do Athletico, até surgir a possibilidade de comandar o time principal, em 2018. O Athletico foi um divisor de águas na minha carreira. Ali, eu fazia parte de um projeto esportivo.
Havia uma enorme integração entre o time profissional, então comandado por Paulo Autuori, e o futebol de formação. Quando chegou a minha oportunidade de assumir o time principal, eu estava muito familiarizado com todas as dinâmicas de trabalho do clube.

No Brasil, troca-se de técnico com tanta rapidez que fica difícil saber se o problema era mesmo o treinador ou a própria estrutura do clube. As conquistas que obtivemos no Athletico foram frutos de um trabalho paciente, que contrariava a cultura imediatista do futebol brasileiro.
Fomos campeões estaduais e da Copa Sul-Americana em 2018 - título inédito para o clube à época; e da Copa do Brasil em 2019 - a única na história do Athletico. O trabalho transformou a carreira de todos os envolvidos no projeto, incluindo a de jogadores como Bruno Guimarães.
"Depois de trabalhar nas ligas de Brasil, Peru e Chile, tenho a oportunidade de vivenciar a liga equatoriana"
O meu nome passou a ser um dos mais badalados no Brasil. Foi um turbilhão! Não tem como se preparar psicologicamente para viver aquilo. Eu estava no centro das atenções. E recebi propostas de alguns dos principais clubes do país.
As propostas traziam consigo cifras inimagináveis até então na minha vida. Após quase duas décadas de plantio, eu faria uma colheita que podia não se repetir: aceitei a proposta do Corinthians.
Lembro de me sentir empoderado por estar em um clube daquelas dimensões. A força popular do Corinthians, sua torcida, a repercussão que gera - tudo é indescritível. Mas, bem na minha vez de comandar o clube, acontece uma pandemia mundial.
Defender o Corinthians com a Arena vazia não é a mesma coisa. A presença da torcida teria ajudado a superar algumas carências da equipe, que não foi reforçada como havia sido prometido pela diretoria.
A experiência pode ter sido mais curta do que eu gostaria - foram apenas nove meses e 28 jogos no clube - mas foi maravilhoso ter dirigido o Corinthians.

Esperei sete meses antes de aceitar um novo desafio: o Grêmio. O curioso é que em 2013, quando dirigi a equipe sub-15 do Grêmio, o clube tentou a minha permanência para comandar o sub-16 na temporada seguinte.
Optei por seguir outro caminho, mas avisei a diretoria que voltaria para comandar o time principal no futuro. Todos rimos com aquela previsão ousada do treinador do sub-15. O futuro chegaria em 2021.
O início de trabalho no Grêmio não poderia ter sido melhor. Fomos campeões estaduais e fizemos a melhor campanha na fase de grupos da Copa Sul-Americana. Mas um começo ruim no Brasileirão encerrou precocemente o trabalho. Saí com a sensação de que iríamos reverter aquele período negativo.
"Haverá sempre alguém para falar em sorte. No meu caso, foram necessários 17 anos de trabalho para eu ter ‘sorte'"
Ao contrário do que fiz entre os trabalhos no Corinthians e no Grêmio, não demorei para embarcar em meu novo desafio: o Ceará. Não faz sentido um treinador ficar tanto tempo parado, à espera de um projeto ideal. Treinador precisa treinar.
O Ceará foi um dos melhores clubes que trabalhei. Criamos uma conexão muito boa com os jogadores e construímos uma equipe competitiva, que classificaríamos para a Copa Sul-Americana de 2022.

Eliminações frustrantes - no Estadual e na Copa do Nordeste - culminaram com a minha saída do Ceará, em 2022, e me fizeram refletir sobre os rumos que queria dar à minha carreira. E uma pergunta rondava os meus pensamentos de forma recorrente: por que os treinadores brasileiros não tem tanto espaço na Europa?
Concluí que o melhor caminho para uma carreira no exterior deveria começar pelo nosso próprio continente. Abri os meus horizontes para a América do Sul. Em 2020, comecei a estudar espanhol e inglês, já cogitando voos para além de nossas fronteiras.
"A frustração de deixar o Botafogo não podia interromper o meu projeto pessoal"
Em geral, o treinador brasileiro opta pelo mercado asiático em detrimento da América do Sul por causa da questão econômica. Mas a minha prioridade era o meu desenvolvimento como treinador. Em 2022, surgiu a possibilidade de comandar o Sporting Cristal, do Peru.
Foi uma experiência incrível disputar uma Copa Libertadores e uma Copa Sul-Americana com um clube de fora do meu país. O caminho provou-se o correto: o trabalho no Sporting Cristal me abriria mais portas no futebol sul-americano.

Quando a minha etapa no futebol peruano chegou ao fim, voltar ao Brasil não era a minha ideia. Mas, no fim de 2023, recebi o convite do Botafogo. Além do orgulho de chegar a um clube tão tradicional, a oferta era irrecusável porque me disseram que eu seria um treinador do Grupo Eagle - dono de Crystal Palace (Inglaterra), Lyon (França) e Moleenbek (Bélgica).
Na minha ideia de internacionalizar a carreira, aquilo soou como música para os meus ouvidos. Mas não conseguimos reverter a sequência negativa que o Botafogo já vivia na reta final do Brasileirão, o título ficou com o Palmeiras, e projeto desafinou.
A frustração de deixar o Botafogo, sem ter tido a chance de desfrutar o que se tornaria aquele elenco meses depois - foram contratados onze jogadores após a minha saída - não podia interromper o meu projeto pessoal.
Após um processo seletivo, fui escolhido pela Universidad Católica, do Chile, e assumi o comando do clube em 2024. A experiência durou um ano e três meses, e expandiu ainda mais o meu repertório profissional.

Depois de trabalhar nas ligas de Brasil, Peru e Chile, tenho a oportunidade de vivenciar a liga equatoriana. Desde junho de 2025, estou no comando da Liga Deportiva Universitaria. A LDU tem em sua história títulos da Libertadores e da Sul-Americana, e tem potencial para voltar a conquistar grandes taças.
Nas minhas primeiras semanas no clube, conseguimos superar o Botafogo nas oitavas de final da Libertadores. Eliminamos o atual campeão da competição.
Comandar a LDU em jogos dessa magnitude é a conquista profissional que poucos imaginavam possível. Mas a decisão de seguir o meu próprio caminho me trouxe até aqui.

Tiago Nunes