O Perfil:
A exemplo do que ocorreu em sua primeira passagem pelo Real Madrid, Carlo Ancelotti assume o cargo deixado por um treinador com muita influência no elenco. Em 2013, o italiano substituiu José Mourinho. Desta vez, herda o posto deixado por Zinedine Zidane, técnico com ainda mais relevância no clube espanhol, tendo conquistado, entre outros troféus, três títulos consecutivos da Liga dos Campeões.
Com sua aparência serena e uma vitoriosa bagagem, Ancelotti terá que buscar o equilíbrio entre a exigência de ganhar títulos, demanda sempre atual no Real Madrid, e a necessidade de reformular paulatinamente o elenco. Aos 60 anos, ele assume mais um grande desafio na carreira: “Há uma clara intenção do presidente e da direção em ganhar títulos”, disse Ancelotti ao se despedir do Everton. “É algo que me atrai como treinador”.
Estilo de Jogo:
A capacidade de se adaptar e formar equipes competitivas tem caracterizado a carreira de Ancelotti. Durante o percurso, o italiano experimentou diversos sistemas táticos. Desde o 4-3-2-1, que utilizou com sucesso no Milan, sistema que privilegiava o jogo interior e dava liberdade aos meias, passando pelo clássico 4-3-3, com atacantes abertos pelos lados, até o 4-2-3-1. Ancelotti não é um técnico que fundamente seu jogo em função do rival. Suas equipes costumam ter uma ideia clara de tentar controlar o jogo. O que não significa abdicar dos contra-ataques quando a situação assim se apresenta.
Na última década, Ancelotti habitou os bancos de reserva nas cinco principais ligas europeias: Itália (Napoli), França (PSG), Espanha (Real Madrid), Alemanha (Bayern de Munique) e Inglaterra (Chelsea e Everton). O que só corrobora com sua fama de conhecedor do mais alto nível do futebol do Velho Continente.
Em sua etapa na França, em plena transformação do PSG, mas antes de que o clube dispusesse da atual constelação de seu elenco, Ancelotti deu início à liturgia de conquistar títulos no futebol francês.
Sob os comandos do italiano, o clube parisiense encerrou um jejum de 19 anos e venceu a liga na temporada 2012/13. Aquele PSG jogava num 4-4-2, tinha um meio-campo de muita força física, raramente usava 'pontas' de origem, e tinha uma superestrela que brilhava com luz própria: Zlatan Ibrahimovic. Tudo girava em torno do atacante sueco. Ele, porém, não se eximia de voltar para buscar a bola bem longe do gol adversário e armar as jogadas. Assim, muitas vezes abriu terreno para que seus companheiros também se destacassem: Jérémy Ménez, Ezequiel Lavezzi, Kevin Gameiro e Javier Pastore cresceram à sombra de Ibra. Enquanto isso, Blaise Matuidi e Thiago Motta se encarregavam das tarefas defensivas no meio-campo. No meio da temporada, o time ainda ganhou o reforço de David Beckham, que foi dar seus últimos passes milimétricos na capital francesa.
Uma saída de bola mais conservadora, um jogo mais vertical que posicional, além de muita eficiência dentro das áreas, deram forma a um PSG, que passaria a dominar o futebol francês. Seu esquema tático foi alterado ao chegar ao Real Madrid, passando a utilizar o 4-3-3, mesmo que o estilo de jogo tenha permanecido quase idêntico. As sequências de passes eram mais longas do que no Paris, mas a essência do jogo, vertical e com eficiência nas áreas, seguia inalterada. Gareth Bale e Cristiano Ronaldo encabeçavam as transições. Luka Modric e Xabi Alonso eram os encarregados de armar as jogadas e acionar o jogo exterior. Ángel Di María (abaixo), sob os comandos de Ancelotti, se tornou um jogador híbrido: não apenas conduzia e acelerava o jogo após as roubadas de bola, como também passou a ter funções em posições centrais, administrando o jogo em espaços reduzidos, com seus passes de média e longa distâncias.
Em algumas situações - como na semifinal da Champions League contra o Bayern de Munique de Pep Guardiola, na temporada 2013/14, ou nos clássicos contra o Barcelona -, Ancelotti alterou o desenho tático para o 4-4-2 (abaixo), com Bale posicionado na segunda linha para equilibrar o setor de meio-campo e dar mais liberdade ofensiva a Cristiano Ronaldo. Desta forma, o Real Madrid se apresentava como um time mais compacto, sem perder sua capacidade de criação e transição.
Ancelotti chegou ao Bayern depois da 'era Pep Guardiola'. Herdou, portanto, o trabalho deixado pelo catalão: equipe vencedora, com uma concepção de jogo estabelecida. Assim, Ancelotti optou por não desempenhar mudanças drásticas no time alemão. E seu foco foi buscar melhores resultados na única competição que escorregou entre os dedos de Guardiola: a Champions League.
O sistema de jogo permaneceu o mesmo. Um 4-3-3 com 'pontas invertidos', isto é, com o destro Franck Ribéry aberto pela esquerda, e o canhoto Arjen Robben pela direita. Suas habituais diagonais para dentro abriam espaço para as subidas dos laterais, David Alaba, pela esquerda, e Philipp Lahm, pela direita. Ambos com capacidades técnicas próprias de meio-campistas, setor que ambos chegaram a jogar em suas carreiras.
A inteligência tática de Alaba e Lahm fazia com que suas infiltrações não se limitassem a ocorrer 'por fora'. Desta forma, infiltrando 'por dentro' (abaixo), se colocavam à disposição para receber o passe perto da área para cruzar ou finalizar. Assim, os rivais, que de forma recorrente adotavam diante do Bayern uma marcação com linhas baixas, se viam obrigados a deslocar um de seus defensores para acompanhar os avanços dos laterais.
Ribéry e Robben, com espaço para progredir e buscar ângulo para um possível cruzamento ou arremate, eram uma ameaça constante aos adversários.
O primeiro homem do meio-campo era Xabi Alonso, que tinha, no setor, as companhias de dois jogadores extremamente técnicos e criativos: Thiago Alcántara e Joshua Kimmich. Em fase defensiva, um dos meias baixava seu posicionamento para criar superioridade numérica e ajudar Xabi na marcação à frente dos zagueiros. O único atleta que alterava o sistema tático era Thomas Müller, que podia transformar o desenho do time num 4-2-3-1.
Os mecanismos de saída de bola seguiam latentes com relação ao período de Guardiola. O goleiro Manuel Neuer sendo o farol da equipe nas iniciações das jogadas. E Mats Hummels e Jérôme Boateng imprimindo velocidade ao jogo, buscando o momento exato para acionar os companheiros posicionados na segunda linha.
Depois de sua passagem pela Alemanha, Ancelotti voltou a seu país de origem, a Itália. Desta vez, para comandar o Napoli, clube que vinha em grande fase após três boas temporadas sob a direção de Maurizio Sarri.
Outra vez, Ancelotti assumia uma equipe com alicerces de jogo posicional em seu estilo. E o treinador italiano tinha em mente a transformação da forma de atacar, que passaria a ser mais vertical. Sem perder, porém, a essência de valorizar a posse de bola. A amplitude dos laterais, como sucedeu no Real Madrid e no Bayern de Munique, foi o primeiro sinal de identidade da equipe. O 4-3-3 oferecia liberdade para os pontas alternarem o jogo por dentro e por fora. Lorenzo Insigne e José Callejón, na esquerda e na direita, respectivamente, dominavam com perfeição o um contra um e as transições com espaço.
Era o mesmo sistema, mas com diferentes particularidades. Se Ribéry e Robben costumavam receber a bola nos pés, comumente próximos à área rival, graças ao recorrente domínio de jogo do Bayern, Insigne e Callejón costumavam passar mais tempo correndo aos espaços vazios do que recebendo a bola nos pés. Outro estilo de pontas. O destro Callejón atuava pela direita e costumava buscar a linha de fundo para fazer os cruzamentos. Os ataques pelos lados eram frequentes. E Dries Mertens ou Arkadiusz Milik apareciam como homens de referência dentro da área. O primeiro com mais liberdade de movimentação do que o outro, fruto de suas características futebolísticas e não por instrução do treinador.
Nas saídas de bola, o Napoli não arriscava tanto quanto fazia com Sarri. Sem Jorginho, que era o ponto central na distribuição de jogo - ele havia deixado o clube para se juntar ao próprio Sarri no Chelsea -, Ancelotti apostou em Piotr Zielinski para formar parceria com um jovem Fabián, que além de organizar as jogadas, tinha força para chegar ao ataque.
A ida de Ancelotti ao Everton mostrou uma nova faceta do treinador: ele passou a fundamentar seu jogo de acordo com o rival da vez. O que causou uma recorrente mudança de sistemas táticos em sua equipe. Uma defesa com três zagueiros, por exemplo, que ele jamais havia utilizado com regularidade, passou a ser um novo recurso no manual do treinador italiano. Numa liga de transições como é a Premier League, o Everton optava por essa formação, com linha de três, quando se deparava com rivais teoricamente mais fortes. As mudanças de sistema também tinham a ver com o rendimento inconstante de James Rodríguez. Atleta que sempre jogou em alto nível com Ancelotti, mas que no futebol inglês nem sempre encontrou em campo o espaço desejado por todo meia-atacante.
Por isso, o Everton de Ancelotti apostava na velocidade de Richarlison nos espaços e na presença de área de Dominic Calvert-Lewin para pôr em prática seu futebol ofensivo. Quando James Rodríguez não estava em seu melhor nível, Ancelotti não hesitava em dar outra cara ao meio-campo com jogadores como Allan ou André Gomes. A amplitude era oferecida por atletas como Séamus Coleman, pela direita, e Lucas Digne, pela esquerda (abaixo).
Fase defensiva e pressão:
Do mesmo jeito que ocorre quando a equipe está em fase ofensiva, Ancelotti sabe se adaptar perfeitamente às características de seus jogadores na faceta defensiva.
O técnico italiano tem no currículo equipes que faziam uma pressão asfixiante na primeira linha, e outras cuja marcação era feita em pressão média ou baixa. Quando Ancelotti considera que o adversário tem muitos recursos para sair jogando, algo que aconteceu repetidas vezes em sua etapa no Everton, costuma optar por baixar suas linhas de marcação e esperar o rival uns metros atrás.
Na hora de se defender, o 4-4-2 é o sistema mais utilizado pelo italiano. Uma estrutura na qual os meio-campistas estão mais focados em se movimentar para fechar linhas de passes do que em dar combate para tentar roubar a bola. A ideia é esperar o erro do adversário ou conduzi-lo às zonas de menor perigo.
Ancelotti só mudou de ideia quando teve à disposição especialistas na arte de roubar bola. Por exemplo, aconteceu com Di María, no Real Madrid, e com Xabi Alonso, no Bayern de Munique.
Na hora de pressionar, Di María exercia papel fundamental naquele Real Madrid. O argentino era o encarregado de identificar o momento exato para dar combate e se destacava em fase defensiva, também com suas incansáveis corridas para interceptar um passe. Sua postura ativa sem bola era tão necessária ao time quanto sua qualidade com ela nos pés.
A liberdade de Di María para perseguir um rival bagunçava as duas linhas de quatro que Ancelotti propunha na marcação. Mas a efetividade do argentino em recuperar a posse compensava uma possível desorganização tática.
Xabi Alonso, por sua vez, funcionava como um verdadeiro maestro na leitura defensiva das jogadas. Os momentos precisos de dar o bote, de tentar cortar um passe ou dar um carrinho, faziam parte do manual de jogo do espanhol. Capacidade que fazia com que o Bayern não perdesse sua estrutura tática, seja em fase ofensiva ou defensiva.
O meio-campista era capaz de cobrir toda a largura do campo e fazer a defesa parecer impenetrável, a despeito de haver espaços livres às costas (abaixo). Quando as questões físicas começaram a prejudicar o desempenho de Alonso, os espaços defensivos começaram a aparecer mais claramente. Por isso, a opção por se defender num 4-4-2 era habitual.
A maneira de se defender variou tanto no Napoli quanto no Everton. Equipes com menor grau de protagonismo do que as anteriores na carreira de Ancelotti. Por isso, o italiano modificou a distância onde começava a pressionar. Outra característica preponderante na forma em que o Napoli se defendia era a de acumular jogadores no meio-campo, com até cinco atletas fechando linhas de passe por dentro. Assim, o desenho tático passou do 4-4-2 ao 4-5-1, com linhas próximas entre defensores e meio-campistas, e um único atacante mais livre.
No Everton, encontrou-se em inúmeras situações exercendo uma marcação com linhas baixas. A incapacidade de ter a bola por longos períodos obrigava a equipe a retroceder metros, com a primeira linha formada por cinco defensores, sendo eles os três zagueiros e os dois alas. Os meio-campistas também tinham incumbências defensivas para proteger o gol defendido por Jordan Pickford. Assim, acumulavam-se jogadores atrás da linha da bola. Outro aspecto chave da defesa do Everton era a altura de seus três zagueiros, todos fortes no jogo aéreo. Sendo o colombiano Yerry Mina o melhor expoente dessa faceta do time inglês.
Redacción: Héctor Riazuelo