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De pai para filho

De pai para filho
Getty Images
Redacción
Felipe Rocha
Publicado el
13 de diciembre 2024

António Oliveira

Corinthians, 2024

Corria o ano de 1994. O Benfica acabara de vencer o Futebol Clube do Porto, no estádio da Luz. Do alto dos meus onze anos de idade, corri ansioso rumo à porta do balneário do Benfica. Como já me conheciam, tive a entrada autorizada.

O problema viria minutos depois, quando meu pai chegou e se surpreendeu ao me ver a festejar com os jogadores. Ainda com a adrenalina do jogo, deixou escapar o seu sentimento.

‘O que estás a fazer aqui?’, perguntou, com um certo ar de surpresa e indignação.

A sequência da cena foi a minha saída do vestiário, assustado, à procura de minha mãe. Os jo- gadores compadeceram-se com o ocorrido, e não demorou para eu voltar a sorrir: João Pinto e Vítor Paneira pediram para me entregarem as suas camisas de jogo.

O meu pai era o treinador do Benfica, campeão português naquela temporada de 1993-94. Ele também era, e continua a ser, a minha grande inspiração no futebol.

Toni Oliveira é um dos treinadores de referência em Portugal.AFP Photo/vía Getty Images

Costumo dizer que já nasci com o futebol no sangue. O gosto pelo jogo é algo praticamente intrínseco à minha existência. Não podia ser diferente. Tenho a sorte e a bênção de ser filho de Toni, um dos grandes nomes da história do Benfica.

Nas duas últimas vezes em que o Benfica jogou uma final de Champions League, meu pai esteve presente. Em1988, era o treinador quando o clube acabou derrotado, nos pênaltis, pelo PSV; dois anos depois, era auxiliar do saudoso Sven-Göran Eriksson, no revés por 1 a 0 diante daquele in- crível Milan, de Arrigo Sacchi.

"O futebol é um universo curioso e pode nos levar do Kuwait ao Brasil sem escalas"

A minha relação com meu pai viria a se transformar completamente em 2012. Até então, eu o via como um ícone do futebol. Não me interpretem mal: a relação sempre foi de muito amor, entre pai e filho. Mas ele era o Toni, e isso trazia consigo algo de inacessível.

Em 2012, ele assumiu o comando do Tractor, do Irã, e me convidou a integrar a sua comissão técnica. Foi uma experiência transformadora em nossas vidas.

Sven Göran Eriksson (falecido em 2024) treinou o Benfica entre 1982 e 1984. Nesse período, venceu duas Ligas e a Taça de Portugal. Getty Images

Voltamos a viver sob o mesmo teto, passávamos as 24 horas do dia juntos.

Rimos e choramos lado a lado, enfrentamos e desfrutamos das mais variadas situações, dentro e fora de campo. O vínculo entre nós se fortaleceu. Conquistamos juntos o primeiro título. Eu já poderia morrer feliz.

No primeiro momento, a minha função no Tractor foi de analista de desempenho, fazendo observação e análise dos adversários e da própria equipe, mas participando ativamente nas atividades de campo.

"A diretoria optou por interromper o trabalho de Jesualdo e me convidou a continuar. Mas eu jamais poderia aceitar"

Os dois auxiliares portugueses que participaram conosco na primeira temporada seguiram os seus caminhos e passei a ser o único auxiliar do meu pai. Acumulei funções, aumentando naturalmente as minhas responsabilidades. Mas aquela autonomia, de poder participar mais direta- mente da organização da equipe era justamente o que eu sempre havia sonhado.

Após quatro anos no futebol iraniano, ao lado do meu pai, decidi deixá-lo para experimentar um novo desafio. Tornei-me auxiliar fixo do Rudar Velenje, da Eslovênia.

António Oliveira iniciou sua carreira como treinador em 2014, ao lado de seu pai no Tractor Sazi. Wagner Meier/Getty Images

No fim da temporada, o treinador foi demitido e o clube me propôs assumir interinamente o co- mando nos últimos jogos da campanha. Só aceitei porque não fazia parte da equipa técnica que acompanhava o técnico anterior. E assim, surgiu a minha primeira oportunidade como treinador principal.

Entretanto, meu pai havia acertado com o Kazma, do Kuwait, e embarcamos juntos em um novo projeto. Eu não imaginava à época, mas seria o nosso último trabalho juntos, em uma comissão técnica. Foram dois anos felizes no Kazma, culminando com mais um título, o segundo juntos.

"Sou muito grato aos jogadores, que se doaram em tempo integral para que conseguíssemos superar as muitas adversidades que surgiram pelo caminho"

O futebol é um universo curioso e pode nos levar do Kuwait ao Brasil sem escalas. Foi o que aconteceu comigo. O professor Jesualdo Ferreira tornou se treinador do Santos e me convidou para ser um de seus auxiliares.

Fazia uma semana que estávamos no Brasil e o clube procurava um treinador para sua equipe sub-23. Jesualdo me perguntou se gostaria de acumular as funções, até o clube contratar o treinador para aquela equipe.

Jesualdo Ferreira, treinador de grande reconhecimento em Portugal e no Brasil, ofereceu a António Oliveira a oportunidade de ser seu auxiliar no Santos. Atta Kenare/AFP via Getty Images

Achei a oportunidade muito interessante. Estava no Brasil sem a minha família, e passava a vida no CT Rei Pelé, o centro de treinamentos do Santos. De manhã, treinava os meninos da base. De tarde, auxiliava Jesualdo no treino da equipe principal.

Essa presença constante te faz ser observado. Como lidera? Como comunica? Qual é a sua me- todologia de treino? Qual é o vínculo que tem com os jogadores?

O trabalho fluía e o clube me propôs assumir o comando da equipe de forma definitiva. Houve uma conexão muito forte entre mim e os meninos da base.

"Independentemente dos resultados, sei que posso contar com o meu pai. Ele me liga depois de cada jogo"

Infelizmente, o desempenho do time principal estava abaixo do esperado. A diretoria optou por interromper o trabalho de Jesualdo e me convidou a continuar. Mas eu jamais poderia aceitar. Fui embora com quem me trouxe para o clube. A solidariedade e a lealdade são valores inegociáveis.

Era apenas o começo da minha aventura pelo futebol brasileiro. Meses após deixar o Santos, pela mão de William Thomas, acertei com o Athletico Paranaense para integrar a comissão per- manente do clube, então comandado pelo mestre Paulo Autuori.

Paulo Autori (à esquerda na imagem) é uma figura fundamental na carreira de António Oliveira. Foi ele quem lhe ofereceu a oportunidade de comandar o Athletico Paranaense. Getty Images

Logo de início, me senti parte do processo. A confiança que Paulo transmitia a mim e aos membros da comissão técnica era total. Tínhamos autonomia para desempenhar o trabalho.

Certo dia, após o treino, Paulo Autuori me levou ao gabinete e perguntou: ‘’António, queres ser o próximo treinador do Athletico?’’. Eu nem precisava dizer nada; a minha cara de alegria dava a resposta. Era o momento que há muito ansiava e para o qual me sentia preparado.

"O futuro ainda reserva muito para mim no futebol"

No geral, o meu trabalho como treinador principal do Athletico foi muito positivo. Contudo optei de forma precipitada por entregar o lugar que tanto ansiei. Olhando para trás, me arrependo da decisão. Hoje, geriria a situação de forma diferente.

Deixei o Athletico na nona colocação do campeonato brasileiro, na semifinal da Copa do Brasil e na semifinal da Copa Sul-Americana, competição que o clube viria a vencer nessa temporada.

António Oliveira já trabalhou no Athletico Paranaense, Santos e Corinthians no Brasil. Alexandre Schneider/Getty Images

Depois disso, passei pelo Benfica B, pelo Coritiba e pelo Cuiabá, em duas passagens muito felizes. O Cuiabá é um clube estruturado, com uma visão clara do que quer alcançar.

Na minha primeira temporada, conseguimos o objetivo de evitar o rebaixamento no campeonato brasileiro. Na segunda, terminamos a liga na décima segunda posição, nos classificando para a Copa Sul-Americana. Um resultado com sabor de título para o Cuiabá.

A campanha me credenciou para assumir um dos grandes clubes do Brasil.

Era o meu objetivo e eu sabia que o alcançaria; seria questão de tempo. E não foi qualquer grande clube, foi o Sport Club Corinthians Paulista.

"Costumo dizer que já nasci com o futebol no sangue (...) Tenho a sorte e a bênção de ser filho de Toni, um dos grandes nomes da história do Benfica

Independentemente do mau momento que vivia o Corinthians, era um sonho chegar a uma instituição daquela magnitude, com tanta história e uma torcida tão apaixonada.

Sou muito grato aos jogadores, que se doaram em tempo integral para que conseguíssemos superar as muitas adversidades que surgiram pelo caminho. Fui o homem certo no momento mais desafiante da história do clube.

Infelizmente, para salvar sua própria pele, o presidente do clube tomou o caminho mais fácil: demitir o treinador. E sem oferecer os recursos que havia prometido, como todos sabíamos serem necessários. A falta de paciência tão falada no futebol brasileiro, muitas vezes é fruto de uma falta de convicção no que se está a fazer e no que se quer para o clube.

O Corinthians não foi o meu último capítulo no Brasil…

António Oliveira, após sua passagem pelo Corinthians, busca um novo desafio, sempre com seu pai como referência. Ernesto Ryan/Getty Images

O telefone continua a tocar e com tranquilidade e serenidade retomarei a melhor decisão. Tenho a ambição de continuar a crescer, a aprender e a conquistar.

Independentemente dos resultados, sei que posso contar com o meu pai. Ele me liga depois de cada jogo, não para dar conselhos, mas para falar que está orgulhoso.

Essa presença, esse amor incondicional é a força que me move. O futuro ainda reserva muito para mim no futebol. Com gratidão pelo que vivi e com uma ambição inabalável, continuarei a perseguir os meus sonhos.

António Oliveira