Carlo ancelotti
Real Madrid, 2021-Presente
Nova temporada, e mudança de sistema por parte de Carlo Ancelotti. Não chega a ser novidade para o treinador italiano.
"Na Juventus, com Zidane, comecei a entender que é melhor se adaptar aos jogadores. Quando comecei a treinar, tinha uma ideia clara e não me adaptava. No Parma, Roberto Baggio queria jogar como meia-atacante e não mudei o sistema. Ele foi para outra equipe. Eu errei. Assim, comecei a me adaptar e continuo me adaptando", afirmou o técnico italiano sobre a sua relação entre sistemas e jogadores.
Mas quais sistemas de jogo Ancelotti já utilizou? A resposta contém uma ampla variedade, e quase sem repetir o desenho tático de uma a outra de suas equipes, desde o episódio ocorrido com Baggio, no Parma (1996-1998).
Os principais desenhos
Amante do 4-4-2 em seus primeiros anos, Carlo Ancelotti migrou para o sistema 4-3-2-1 — conhecido como 'Árvore de Natal' — na Juventus (1999-2001), onde encontrou o lugar perfeito para Zinedine Zidane, mas que não se traduziu em resultados. Nada além de um vice-campeonato da Serie A.
No entanto, ele conseguiu implementar com sucesso o esquema 4-3-2-1 no Milan (2001-2009), acumulando, entre muitas conquistas, um título da Serie A e dois da Liga dos Campeões da Europa. Naquela equipe, regida em seu meio-campo sob a batuta de Andrea Pirlo.
Seu desafio seguinte foi em um contexto competitivo diferente, a Premier League. Ancelotti se deparou com um Chelsea (2009-2011) polarizado, por ter em seu elenco Michael Ballack e Frank Lampard, meio-campistas de alta qualidade, mas com virtudes similares, os chamados jogadores “box-to-box". Sua solução para encaixar os dois no time foi posicionar Obi Mikel atrás deles, alcançando o equilíbrio com um esquema tático 4-1-2-1-2, que levou os Blues a conquistarem a Premier League e a FA Cup em sua primeira temporada no comando.
Da Inglaterra para a França. Outro contexto competitivo e outra grande equipe: o PSG (2011-2013). Desta vez, em um elenco marcado pelo alto número de jogadores 'combinativos' e verticais da linha de ataque. Para que todos coubessem na equipe, Ancelotti montou um 4-2-3-1. Javier Pastore jogou como meia-armador, acompanhado por Ezequiel Lavezzi, Lucas Moura, Nenê e Jérémy Ménez, deixando Kévin Gameiro, na primeira temporada, e Zlatan Ibrahimovic, na segunda temporada, na posição mais avançada.
EM SUA PRIMEIRA PASSAGEM PELO REAL MADRID, ANCELOTTI APOSTOU NUM 4-3-3 MAIS VERTICAL, COM CRISTIANO E BALE; DIFERENTE DO 4-3-3 COM MAIS CONTROLE DE SUA SEGUNDA PASSAGEM
Em junho de 2013, Carlo Ancelotti desembarcou num Real Madrid 'pós-Mourinho'. Isto é, em uma equipe configurada para atacar principalmente por meio de transições, sobretudo após a chegada de Gareth Bale, naquele verão europeu de 2013.
Ancelotti, então, optou por jogar num 4-3-3, evoluindo para um sistema com menos controle, mas que fosse mais confortável para os extremos, como Cristiano Ronaldo e o próprio Bale. Na linha anterior, figuravam principalmente Angel Di María, extremo convertido em meio-campista interior pelo treinador italiano, Sami Khedira, Luka Modric e Xabi Alonso. Um 4-3-3 que Ancelotti transformou em 4-4-2 em algumas ocasiões, por exemplo, nas semifinais da Liga dos Campeões de 2013/14 contra o Bayern de Munique. Com Ronaldo e Karim Benzema no ataque, e Bale pela esquerda na linha de quatro no meio-campo.
O mesmo Alonso também desempenhou um papel fundamental durante a passagem de Carlo Ancelotti pelo Bayern de Munique (2016/17), atuando como volante, acompanhado por Thiago Alcântara, Arturo Vidal ou Thomas Muller como meio-campistas mais avançados. Em um 4-3-3 com dois extremos bem abertos e ofensivos, Arjen Robben e Franck Ribéry, e Robert Lewandowski como centroavante.
Após passagens por clubes de ponta e com elencos valiosíssimos, Ancelotti assumiu o comando de duas equipes de orçamentos mais modestos, como o Napoli e o Everton. Foi uma mudança de paradigma em sua carreira, que o levou a explorar ao máximo a adaptação do esquema tático às qualidades de seus jogadores. Assim, ele optou de forma geral pelo 4-4-2, fazendo com que Napoli e Everton tivessem maior solidez defensiva, com dois volantes e um ataque mais funcional.
Real Madrid, 2021/22 e 2022/23
A análise dos sistemas táticos utilizados por Carlo Ancelotti desde a Juventus, em 1999, até 2021, revela dados muito contundentes em relação aos seus esquemas de jogo. Por exemplo, cem por cento de suas equipes jogaram predominantemente com uma linha de quatro na defesa. Ou seja, as mudanças de desenhos táticos de Ancelotti acontecem principalmente influenciadas pelos jogadores das linhas de meio-campo e ataque.
Assim como todas as suas equipes sempre jogaram com pelo menos um volante conservador ou organizador para equilibrar ambas fases do jogo. Andrea Pirlo, Obi Mikel, Thiago Motta, Xabi Alonso…
E, claro, em cem por cento das vezes, Ancelotti se adaptou às características de seus jogadores para formar a estrutura da equipe.
Nada disso mudou na segunda passagem do técnico italiano no Real Madrid. Ele mantém a defesa com quatro jogadores, assim como a importância que dá aos meio-campistas (principalmente Luka Modric e Toni Kroos) e à adaptação às características dos jogadores.
ANCELOTTI TEM UM ALTO ÍNDICE DE SUBSTITUIÇÕES, COM MAIS DE 3 POR PARTIDA (69%) NAS DUAS ÚLTIMAS TEMPORADAS
Isso o fez jogar predominantemente no esquema 4-3-3 nas temporadas 2021/2022 e 2022/2023. E enfatizamos o termo "predominantemente" porque Ancelotti iniciou com um 4-3-3 em 89,47% das partidas. Apenas Xavi Hernández, no Barcelona, também utilizando o 4-3-3 (92,11%), e Manuel Pellegrini, no Betis, com um esquema 4-2-3-1 em 97,37% das ocasiões, foram os treinadores da La Liga (dados da temporada 2022/2023) que mais repetiram um mesmo desenho tático.
Depois de ter em conta a frequência com que Ancelotti utilizou o 4-3-3, é importante compreender a abordagem estratégica que ele deu a essa formação e como distribuiu os jogadores em campo.
Partimos do pressuposto de que a estrutura que mais convence o técnico italiano - devido ao seu histórico - é jogar com dois extremos e um centroavante. Mas, acima de tudo, posicionar dois meio-campistas alinhados, com um volante atrás deles ou um meia-atacante à frente.
Os resultados conquistados sob esse 4-3-3 lhe deram razão, já que das três principais competições disputadas nas últimas duas temporadas, o Real Madrid só conseguiu vencer em três oportunidades utilizando uma formação diferente. Contra o Valencia e o Celta na La Liga de 21/22, com um 4-4-1-1 e 4-4-2, respectivamente, e contra o Manchester City, com um 4-4-2, na partida de volta das semifinais da Liga dos Campeões de 2021/22. Karim Benzema e Vinícius formaram o ataque.
No entanto, é importante ressaltar que as formações são apenas números que ajudam a posicionar inicialmente os jogadores, sendo os papéis desempenhados por esses jogadores o que determina a maneira como um treinador aborda a partida.
Assim, um 4-3-3 de Ancelotti com Kroos, Eduardo Camavinga e Modric por dentro, e Vinícius, Benzema e Valverde na frente, não é igual a um 4-3-3 com Rodrygo, Benzema e Vinicius no ataque. Enquanto o primeiro esquema tem mais ordem e organização, o segundo possui um caráter muito mais ofensivo.
Em última análise, Ancelotti pode usar o mesmo sistema, mas com nuances diferentes.
O 4-3-3 e as substituições
Não esqueçamos que os sistemas são aplicados não apenas no início da partida, mas também durante o jogo. Neste ponto, muitos treinadores tentam impactar nas partidas com as substituições de jogadores.
No caso de Ancelotti, sua passividade nesse aspecto já foi questionada em algumas ocasiões. No entanto, os dados desmentem os questionadores. Com exceção da Copa do Rei, competição na qual normalmente já há uma rotatividade do elenco, a porcentagem de partidas do técnico italiano com mais de 3 substituições fica acima dos 69%. Ou seja, em mais de 2 de cada 3 partidas, ele tentou impactar no jogo de sua equipe com a troca de jogadores.
Esses dados mostram um Ancelotti que valoriza a repetição na escolha do esquema inicial, mas com predisposição em mudar peças durante os jogos.
Dados ofensivos
Conhecidas a porcentagem de utilização do sistema 4-3-3 por parte de Ancelotti e suas estatísticas de substituições em suas duas primeiras temporadas no Real Madrid, analisemos como isso se refletiu no jogo. Ou seja, como esses números se tornaram tangíveis nos aspectos mais importantes do jogo no ataque: posse de bola e finalizações a gol.
O primeiro ponto a observar é que o Real Madrid não foi uma equipe totalmente dominante no quesito 'posse de bola', pois apenas em 44,54% das partidas, considerando as três competições mais importantes (La Liga, Champions League e Copa do Rei), conseguiu ter mais de 60% da posse de bola. Por outro lado, o time de Ancelotti teve mais posse de bola que o rival em 74,45% dos jogos.
No entanto, o Real Madrid não precisou ser dominante nas partidas para vencer grandes desafios. Por exemplo, no mata-mata da Liga dos Campeões 2021/22, superou seus rivais com percentuais menores de posse de bola: 44,3% contra o PSG nas oitavas de final, 42,9% contra o Chelsea nas quartas e 45,4% contra o Manchester City na semifinal.
A chave do sucesso do Real Madrid de Ancelotti na temporada 2021/22 foi sua eficiência máxima nas oportunidades que teve. Assim, atingiu resultados impressionantes nas principais competições, conquistando os títulos da La Liga e da Champions League. No entanto, alguns dados ajudam a explicar a queda nos resultados na temporada 2022/23, em comparação com a temporada anterior (o Real venceu ‘apenas' a Copa do Rei dentre as três principais competições disputadas). Observemos a diferença entre os gols marcados e os gols esperados.
NA TEMPORADA 2022/23, O ÍNDIDE xG DO REAL MADRID NA CHAMPIONS LEAGUE CAIU EM RELAÇÃO À CAMPANHA DE 2021/22
Na temporada 2022/2023, o Real Madrid só conseguiu marcar mais gols do que o esperado em 48,21% dos jogos, em comparação com os 59,25% da temporada 2021/22. Este dado é bastante significativo nos jogos de ida e volta da Liga dos Campeões, onde é possível observar que em até três ocasiões (em cada uma das fases do mata-mata disputadas em 22/23), o Real Madrid marcou menos gols do que deveria, de acordo com a probabilidade de finalizações (xG).
Bellingham, chave para dar sentido ao 4-4-2?
Para a temporada 2023/24, Ancelotti deverá lidar com todos os dados mencionados dentro de uma variável de grande impacto: o Real Madrid já não conta Karim Benzema. Além disso, o clube não encontrou um substituto com as mesmas características do francês.
Assim, a mudança tática de Ancelotti para o 4-4-2 não é algo casual. Está precisamente condicionada à ausência de Benzema. O atacante, agora no Al-Ittihad, da Arábia Saudita, não apenas atuava como camisa '9' e aportava muitos gols, como também era peça fundamental de associação no ataque no esquema 4-3-3.
Sem a presença de um '9' como Benzema (Joselu, contratado em junho de 2023, é sobretudo um finalizador), Ancelotti entendeu, mais uma vez, que a solução passa por adaptar o sistema às características de seus jogadores, e não o contrário.
Essa adaptação chegou principalmente através de Jude Bellingham. Meio-campista com características ofensivas, o inglês foi inserido pelo treinador, durante a pré-temporada, na ponta do losango do meio-campo, no esquema 4-4-2. Recebendo um papel muito importante na finalização das jogadas. Bellingham anotou 14 gols na temporada 2022/23 pelo Borussia Dortmund.
Veremos se o meio-campista aumentará sua quantidade de gols ao habitar mais perto da área adversária. No entanto, o Real Madrid precisará de muito mais do que os gols de Bellingham para obter resultados. Será necessário também variar certos comportamentos adquiridos em seu jogo nessas duas últimas temporadas.
Primeiramente, não depender exclusivamente dos gols de poucos jogadores, como aconteceu nas últimas duas temporadas. Benzema marcou 75 gols e Vinícius 45. O que representou 48,7% do total de gols da equipe (246).
SEM KARIN BENZEMA, ANCELOTTI MIGROU PARA O 4-4-2, SISTEMA EM QUE O PAPEL DE BELLINGHAM SERÁ DECISIVO PARA SEU FUNCIONAMENTO
Além disso, o Real Madrid também precisará aumentar sua porcentagem de posse de bola e, com isso, ter mais chances de finalizar jogadas de dentro da área adversária. O que facilitará ainda o aumento do número de passes progressivos. Desta forma, poderá deixar os atacantes em situações mais vantajosas para que façam os gols.
Depois de consolidar o 4-3-3 nas duas últimas temporadas, Ancelotti encara em 2023/24 uma nova mudança de esquema no Real Madrid. O que não altera em nada os seus objetivos. Os merengues, como sempre, querem conquistar todos os títulos em disputa.
Você pode complementar a sua leitura sobre Carlo Ancelotti com a análise que fizemos de suas variações táticas no The Coaches' Voice.