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Subir a montanha

Subir a montanha
Fotografía: Silvia Izquierdo-Pool/Getty Images.
Redacción
The Coaches' Voice en español
Publicado el
1 de marzo 2022

fabián bustos

Santos, 2022-Presente

Faltando um mês para o fim do campeonato equatoriano de 2019, recebi uma ligação que jamais esquecerei. 

Naquele momento, eu comandava o Delfín SC, do Equador. Estávamos classificados para a fase de mata-mata do campeonato nacional. 

Enquanto isso, o Barcelona Sporting Club passava por mudanças em sua direção. O presidente eleito, Carlos Alejandro Alfaro Moreno, decidiu que eu era a pessoa indicada para assumir o posto de treinador da equipe. Quando escutei a proposta, não hesitei em aceitá-la imediatamente. 

Meu contrato com o Delfín expirava em dezembro de 2019. Portanto, eu estaria disponível para encarar um novo desafio. O Barcelona tentou a minha contratação alguns meses antes, mas naquela oportunidade eu não podia sair do Delfín. Então, quando Alfaro Moreno me ligou, já sabendo que meu contrato estava perto do fim, encarei como uma oportunidade irrecusável. 

Fabián Bustos
Fabián Bustos chegou ao Barcelona SC no começo de 2020. Bruna Prado/Getty Images

Eu conhecia Alfaro Moreno desde os meus tempos como jogador. Inclusive, fomos rivais. 

Fiquei muito empolgado com a nova oportunidade e, ao mesmo tempo, sentia muita gratidão ao Delfín, clube que trabalhei por muitas temporadas.  

Alfaro Moreno foi fundamental para que as coisas ocorressem de maneira natural: “Fabián, você é o nosso escolhido e te queremos aqui na próxima temporada. Mas antes, queremos que termine seu trabalho aí e que mantenha o foco no que precisa ser concluído”, disse.

Essas palavras me deram muita tranquilidade. Avisei que conversaria com o presidente do Delfín. Mas eu já sabia que ali estava uma oportunidade que não poderia deixar escapar. 

“NÃO É FÁCIL PARA UM TREINADOR DO FUTEBOL EQUATORIANO SER CONTRATADO PELO BARCELONA”

Logo após desligar o telefone com o presidente do Barcelona, liguei para a minha esposa para contar sobre a linda oportunidade que tinha aparecido. 

Tudo foi muito rápido. Eu não tinha representante naquele momento, então as negociações foram entre mim e Alfaro Moreno, sem intermediários. Algo que foi decisivo porque o acordo não dependia de nenhum outro fator. O Barcelona era o clube que eu queria ir. 

Fabián Bustos en Barcelona
Barcelona SC é o clube com mais títulos da LigaPro do Equador: 16 taças. Barcelona SC

Não é fácil para um treinador do futebol equatoriano ser contratado pelo Barcelona. Trata-se de um clube que quase sempre contrata técnicos que vêm de outros países. 

Porém, eu precisava manter o foco no meu trabalho no Delfín. Estávamos nas oitavas de final do campeonato nacional. Cumpri minha promessa e fui falar com o presidente do clube, José Delgado, para comunicá-lo que aceitaria a proposta do Barcelona. Queria deixá-lo seguro de que manteria meu foco no Delfín até o último dia.  

Foi o que aconteceu. Fomos campeões, título inédito na história do clube.

“TINHA SIDO UMA PEREGRINAÇÃO, QUASE COMO SUBIR UMA MONTANHA”

Durante a noite, em meio à celebração pelo título, eu e o presidente do Delfín nos reunimos para festejar e nos despedirmos. Dali a algumas horas, eu precisava viajar a Guayaquil para assinar meu contrato com o Barcelona. 

Chegar ao Barcelona era a realização de um sonho. Quem conhece o futebol equatoriano, sabe que o Barcelona é o clube de maior repercussão por causa de sua torcida. Internacionalmente, ainda não tem o devido reconhecimento, mas não resta dúvida de que é um dos clubes com a torcida mais fanática da América do Sul. 

Barcelona fue campeón con Fabián Bustos
Nascido em Córdoba, Argentina, Fabián Bustos trilhou uma longa carreira como jogador em seu país, além de Bolívia, Uruguai e Equador. Barcelona SC

Quando cheguei ao Barcelona, eu tinha dez anos de experiência como treinador no futebol equatoriano. Tinha sido uma espécie de peregrinação, quase como subir uma montanha e, agora, estava prestes a realizar um grande sonho. 

Foi só iniciar o trabalho para me dar conta do quão encantador era aquele clube. 

Ao dirigir um clube tão grande, você precisa entender que tudo que faz terá muito impacto, tanto na imprensa quanto com a torcida. É do jogo. Trata-se de um clube muito midiático, que te obriga não apenas a competir sempre, mas também a ser cuidadoso em suas declarações.  

Quando você enfrenta um clube desses, seja como atleta ou técnico, não consegue dimensionar o quão grande eles são. Mas, de dentro, você aprende que qualquer coisa que faça terá uma repercussão enorme.

“COM MIGUEL ÁNGEL RUSSO, ESTAREI SEMPRE EM DÍVIDA”

A adaptação não foi fácil. Nos primeiros seis meses, admito que aquela nova realidade causou um grande impacto em meu trabalho. Todos discutiam as alterações que eu fazia numa determinada partida, tudo virava polêmica nos programas esportivos. 

Com o Delfín, nos tornamos o primeiro clube que não é da capital de uma província a ganhar a liga. Foi histórico, mas a loucura total só vivi quando fui campeão com o Barcelona. Passei mais de três dias respondendo mensagens de parabéns. Ademais, era a primeira vez em 58 anos que um treinador ganhava dois campeonatos consecutivos em duas equipes diferentes. 

Miguel Angel Russo
Miguel Ángel Russo em sua segunda passagem pelo Boca Juniors, entre 2020 e 2021. Marcelo Endelli/Getty Images

Foi um título impressionante. Era o meu primeiro ano no clube; enfrentamos incontáveis dificuldades, incluindo a pandemia. Além disso, conseguimos classificar a equipe para a fase de grupos da Copa Libertadores. E, mais, demos a volta olímpica num jogo fora de casa. 

A Libertadores é um torneio muito diferente. Em 2020, conseguimos superar várias fases até chegar à etapa dos grupos. Até ali, jogamos muito bem, mas caímos de produção na fase de grupos e fomos eliminados. 

Na edição seguinte, em 2021, caímos num grupo difícil, ao lado de Santos, Boca Juniors e The Strongest. Conseguimos reforçar o elenco, o que nos permitiu vencer o Santos na Vila Belmiro e garantir nossa vaga na fase seguinte. 

“DEPOIS DE GANHAR O TÍTULO COM O BARCELONA, PASSEI MAIS DE TRÊS DIAS RESPONDENDO MENSAGENS”

Enfrentar o Boca Juniors foi muito especial. Naquele momento, o técnico da equipe era Miguel Ángel Russo (acima), que foi meu treinador e responsável por eu ter jogado no Lanús. 

Com Miguel, estarei sempre em dívida. Ele se esforçou para que o Lanús me contratasse e sinto uma frustração por não ter conseguido entregar em campo tudo que podia. É preciso se esforçar ao máximo e ter gratidão pelas pessoas que confiam em você. Só que eu não tinha maturidade suficiente naquele momento e não pude agradecer tudo o que havia feito por mim. 

Quando nos calhou de enfrentar o Boca, a primeira coisa que fiz foi agradecê-lo por tudo que tinha feito, por todos os seus ensinamentos; nos abraçamos e até pedi alguns conselhos. Na minha época de atleta, ele me ajudou a compreender que algumas das minhas atitudes em campo não eram as corretas. 

Barcelona SC de Fabián Bustos vs Flamengo
RIO DE JANEIRO, BRAZIL - SEPTEMBER Barcelona SC chegou às semifinais da Copa Libertadores de 2022, eliminado pelo Flamengo neste dia. Silvia Izquierdo-Pool/Getty Images

Fizemos uma linda campanha na Libertadores, na qual eliminamos grandes rivais como Vélez Sarsfield e Fluminense. Na semifinal, não conseguimos superar o Flamengo, mas não tenho dúvidas de que tivemos grandes atuações. 

Apesar de ter chegado aonde sonhei estar, é impossível não olhar para trás e recordar dos momentos difíceis, nos quais cheguei até a duvidar de minha capacidade. Há experiências que nunca devem ser esquecidas: de onde viemos e o quanto nos custou chegar. Sem esquecer de todos que nos ajudaram a triunfar.  

Contra o Flamengo no Maracanã (acima), eu olhava o estádio e me lembrava do meu pai, que tinha uma foto da primeira vez que foi a este mítico estádio. E do meu irmão Carlos, que jogou ali pelo Independiente e bateu o Flamengo numa final da extinta Supercopa dos Campeões da Libertadores. 

“O MAIS IMPORTANTE PARA UM TREINADOR É O DIA A DIA; NÃO DÁ PARA RELAXAR NUNCA”

Aquela partida foi muito especial, já que era a primeira no Maracanã com público depois do confinamento. A torcida estava enlouquecida; não sei se dava para escutar a minha voz a cinco metros de distância. 

Naquele momento, agradeci a Deus por toda a minha trajetória. Tudo começou em 2009, quando me contrataram para dirigir o Manta F.C. Eu já conhecia o clube por ter jogado ali em 2002. Eles tinham feito uma proposta para mim em 2008, quando eu trabalhava como auxiliar na Argentina, mas não me sentia pronto para virar treinador principal. 

Fabian Bustos en Barcelona
Fabián Bustos foi campeão equatoriano com Delfín e Barcelona SC. Barcelona SC

Um ano depois, a equipe encontrava-se na lanterna da competição, faltando apenas doze rodadas. O clube tinha muitos problemas e aceitei o desafio. 

Meu passo seguinte foi comandar o Deportivo Quito. Era um clube com uma estrutura econômica muito sólida e o elenco era impressionante: jogadores de seleção, principal e das categorias de base, mesclados com estrangeiros de bom nível. 

A equipe foi campeã, mas eu tinha sido despedido por uma situação extracampo com alguns atletas, na qual me faltou uma melhor condução. Estávamos na segunda posição naquele momento, e surgiu um caso de indisciplina e a direção entendeu que eu não era a pessoa adequada para superar aquele episódio.

“CONTRA O FLAMENGO, NO MARACANÃ, OLHAVA O ESTÁDIO E ME LEMBRAVA DO MEU PAI”

Essa demissão foi muito dolorosa. Era muito jovem e queria voltar a trabalhar rapidamente. Sentia vontade de mostrar ao mundo que tinha competência para seguir treinando e me apressei em escolher meu próximo time. 

Foi o momento de maior instabilidade de minha carreira. Em um curto espaço de tempo, comandei três equipes - Imbabura, Técnico Universitario e Macará -. Tive pressa, causada pela ansiedade. 

Fabian Bustos en Barcelona SC
São oito as equipes que Fabián Bustos dirigiu no Equador. Barcelona SC

Chegar ao Delfín em 2015, depois de uma boa etapa na LDU de Portoviejo, foi um passo importantíssimo na minha carreira. Ali, encontrei um presidente com ideias claras e com uma grande equipe de trabalho. 

Um passo que me levou a alcançar o Barcelona, e viver a história que acabei de contar. Mas que também foi crucial para eu entender que nós, treinadores, não precisamos trabalhar só por trabalhar. É preciso que estejamos convencidos do projeto da instituição. 

É algo que deve estar acima até da questão econômica. Às vezes, a pressa nos leva a trabalhar em qualquer projeto, mas a realidade é que muitas vezes é melhor fazer uma pausa e examinar o caminho percorrido. 

Sem esquecer do mais importante para o treinador: o dia a dia. 

Não dá para relaxar nunca. Menos ainda quando se está no alto da montanha.