GUILLERMO BARROS
SCHELOTTO
Técnico da seleção paraguaia, 2021-Presente
A ideia de virar técnico me acompanhou desde que comecei a jogar profissionalmente.
Por isso, cada preleção do treinador no vestiário tinha um significado a mais para mim. Além do enfoque no jogo, nas minhas funções e no que devíamos fazer coletivamente, aquilo também me servia para o meu futuro como técnico.
Eu registrava tudo em minha cabeça. “Isso preciso usar”, “não posso me esquecer daquilo”, dizia para mim mesmo.
Os treinadores que mais me marcaram foram Gregorio Pérez e Carlos Timoteo Griguol, porque trabalhei com ambos na fase final da minha formação. Já no Boca Juniors, foi algo único o que pude viver com Carlos Bianchi (abaixo). Tive outros técnicos que também me formaram e acrescentaram muito: Marcelo Bielsa, com quem trabalhei por muito tempo na seleção argentina, Ricardo La Volpe, no Boca, e Alfio ‘Coco’ Basile, também na seleção.
Você aprende muitas coisas com eles, mas também se dá conta de que o trabalho do técnico não é individual. Ele precisa do respaldo de uma comissão.
Eu decidi formar a minha com gente de confiança. Quando meu irmão, Gustavo, se aposentou dos gramados - ele é sete anos mais velho que eu -, foi auxiliar técnico do uruguaio Gregorio Pérez. Trabalhou no Paraguai, no Uruguai e, de novo, no Paraguai. Trilhou seu caminho para se formar, e eu tirei proveito disso. Com ele, e com o ‘professor’ Javier Valdecantos, formamos a comissão técnica, que também contava com Ariel Pereyra.
Meu irmão e eu conhecíamos Ariel desde que começamos a jogar nas categorias de base do Gimnasia y Esgrima La Plata.
“OS TREINADORES QUE MAIS ME MARCARAM FORAM GREGORIO PÉREZ E CARLOS TIMOTEO GRIGUOL, PORQUE TRABALHEI COM ELES NA FASE FINAL DA MINHA FORMAÇÃO”
Como eu dizia, tivemos uma formação bem parecida, que contou com um grande professor: Griguol. E, para nós três, foi Gregorio Pérez quem nos fez estrear na primeira divisão. Dono de uma honestidade e uma integridade impressionantes.
Mais à frente, chegou Juanjo Romero para completar uma comissão que se entende com um simples olhar ou gesto. E todos sabemos o estilo de jogo que queremos alcançar. Ao chegar a um clube, vemos o elenco e analisamos as possibilidades de melhorá-lo na direção que queremos ir.
Nosso primeiro elenco foi o do Lanús.
Lembro-me perfeitamente do meu primeiro dia como técnico profissional no Lanús. A caminho do clube, fiquei pensando qual seria a minha mensagem na apresentação aos jogadores, porque muitos deles tinham sido meus rivais. Eram contemporâneos, mas eu precisava passar a imagem de treinador.
Estava nervoso; sem falar na incógnita de não saber como iria me sentir. Apesar de toda aquela ansiedade de viver algo novo em minha vida, o elenco do Lanús me fez sentir muito à vontade. Os jogadores executavam tudo o que eu pedia.
“VOCÊ APRENDE MUITAS COISAS COM OS TREINADORES, MAS TAMBÉM SE DÁ CONTA DE QUE O TRABALHO DO TÉCNICO NÃO É INDIVIDUAL. ELE PRECISA DO RESPALDO DE UMA COMISSÃO”
Nunca tive problema com nenhum dos atletas no que diz respeito ao comportamento e a dedicação para desempenhar suas tarefas.
Fomos competitivos nos dois torneios locais no primeiro ano, em 2012. Ali, se foi armando a equipe que viria a ganhar a Copa Sul-Americana um ano depois. Aquele elenco demonstrou sua qualidade profissional ao brigar nas duas competições e sua qualidade humana ao me receber, o que fizeram da melhor maneira.
No fim de 2015, surgiu uma proposta do futebol europeu, onde sempre quis trabalhar. Tive reuniões com os representantes do Palermo, da Itália, e a ideia era começar o trabalho em junho de 2016.
O Palermo já havia me procurado tempos atrás, bem antes daquelas reuniões. Mas a minha resposta tinha sido clara: só sairia do Lanús ao fim do meu contrato, porque nunca iria sair de um clube antes do término do contrato. Não se trata apenas da assinatura, é a palavra que está acima de tudo.
“O ELENCO DO LANÚS ME FEZ SENTIR MUITO À VONTADE. OS JOGADORES EXECUTAVAM TUDO O QUE EU PEDIA”
Já sem vínculo com o Lanús, recebi uma ligação do presidente do Palermo. Ele queria me conhecer, falar comigo. Acordamos que o trabalho começaria em junho de 2016, mas em meados de janeiro daquele ano, o presidente discutiu com o treinador que estava no cargo. E decidiu que a troca no comando seria imediata.
Viajei às pressas. De um dia para o outro, estava dirigindo uma equipe que se encontrava na zona do rebaixamento. Naqueles primeiros dias, chegamos a conclusão de que o foco deveria estar em ganhar pontos. Primeiro, era preciso tirar o time daquela situação. Depois, em junho, começaríamos a construir um novo projeto.
Era um grupo machucado, que vinha de muitas trocas de treinadores, mas a relação humana com os atletas foi excelente. Eles nos ajudaram a desenvolver o trabalho que queríamos. Estava Enzo Maresca, com quem, talvez pela idade - eram seus últimos anos como jogador -, tivemos uma relação fantástica. A comunicação era excelente e conseguimos naqueles quatros jogos convencer os atletas do que pretendíamos.
Passamos a jogar com três atacantes. Como nosso time estava na zona do rebaixamento, se ficasse atrás da linha do rival, iria sofrer. Uma postura mais ofensiva surpreenderia os adversários.
“AQUELES TRINTA DIAS EM PALERMO FORAM UMA EXPERIÊNCIA ENORME”
Tínhamos o ‘Mudo’ Franco Vázquez como um dos extremos, e ele foi muito bem. Na temporada seguinte, assinou com o Sevilla. Escalamos o sueco Robin Quaison, que depois foi jogar na Bundesliga. E passamos a usar um centroavante.
Demos ao time algumas variantes, que serviram para ganharmos o primeiro jogo: 4 a 1, contra a Udinese. Depois, empatamos duas seguidas jogando fora de casa e perdemos do AC Milan. Perder do Milan não era grave. O time estava bem.
Porém, enquanto isso, a situação fora de campo se tornava cada dia mais complexa. Quando cheguei ao Palermo, a UEFA me havia pedido a comprovação de três anos de experiência para outorgar a minha licença. Eu tinha essa experiência.
Mas, depois, a UEFA passou a pedir mais dois anos de experiência. Era muito desconfortável, como treinador, estar no vestiário e chegar alguém da Serie A e dizer que não podíamos estar ali por causa do tema da licença. Antes dos jogos, eu não podia estar no vestiário.
Finalmente, me deram uma permissão especial por 30 dias, mas valia só para mim. A minha comissão não recebeu tal permissão. Portanto, eu tinha que sair do vestiário para falar com eles e trocar ideias. Não nos parecia a maneira correta de dirigir uma equipe do ‘calcio’, que além de tudo brigava para não cair.
Fui conversar com o presidente para comunicá-lo de que não podíamos seguir assim. Porque, daquela forma, não iríamos conseguir o objetivo de evitar a queda. Ele me propôs fazer um curso, no qual eu teria que passar a semana inteira em Florença. O que, obviamente, não me permitia estar com a equipe em Palermo.
Não fazia sentido. Para mim, o Palermo era uma oportunidade incrível, única e que não sei se voltarei a ter. Mas para ser honesto e íntegro, a verdade era que não podia seguir daquele jeito.
O presidente ficou bravo comigo. Disse que eu tinha que ficar, que ele tinha apostado em mim. Era a primeira vez que o Palermo tinha um treinador estrangeiro. Respondi que reconhecia o esforço e que minha gratidão seria eterna, mas que a decisão estava tomada.
“NÃO FICO NERVOSO AO ENTRAR NUMA BOMBONERA LOTADA OU AO DISPUTAR UMA FINAL; VOCÊ QUER ENCHER A VIDA DESSES MOMENTOS”
Aqueles trinta dias foram uma experiência enorme. Foi valioso ter podido trabalhar com jogadores como Maresca e jovens como Quaison e Vázquez. Além do aspecto humano: evoluí na gestão de grupo.
O elenco era formado por jogadores de 16 nacionalidades diferentes. Você precisa saber lidar com isso. Por exemplo, quando chegamos o clube tinha contratado um jogador húngaro que não falava outra língua além do húngaro. Tinha 19 anos. Foi fantástica a forma que encontramos para dar uma preleção técnica a ele, para que conseguíssemos nos entender. Tinha também um sueco que falava pouquíssimo inglês e um meio-campista búlgaro que só arranhava no idioma italiano. Em 30 dias, vivi uma experiência incrível, que me faz querer uma nova oportunidade na Itália.
Tudo isso, somado ao que vivi no Lanús, me ajudou na minha seguinte missão: comandar o Boca.
A minha vivência como atleta do clube - joguei lá por dez anos - também me permitia saber de antemão que, no Boca, tudo é superdimensionado. Para o mal ou para o bem.
Mas é algo que eu gosto. Não fico nervoso ao entrar numa Bombonera lotada, ao disputar finais ou clássicos contra River Plate, San Lorenzo, Racing, Independiente... Para mim, é algo emocionante; cativante. Você quer encher a vida desses momentos.
“O MAIS IMPORTANTE NO BOCA FOI CONSTRUIR UM ELENCO QUE POTENCIALIZAVA TODOS OS JOGADORES”
Fomos bicampeões do campeonato argentino, antes de chegarmos à final da Copa Libertadores. O mais importante, porém, foi construir um elenco que potencializava os jogadores. Todos que se uniram ao grupo, depois partiram valorizados.
Foi um gosto ver que Darío Benedetto e Nahitan Nández foram jogar na Itália; Lisandro Magallán e o colombiano Wilmar Barrios também foram ao futebol europeu; o Cristian Pavón passou a conviver com a possibilidade permanente de ir a qualquer equipe... São jogadores que ajudamos a formar, em quem tínhamos muita confiança. O trabalho que fizemos com eles foi pensado. Tudo o que se faz com inteligência, tempo e dedicação, dará resultado no futuro. Não é do dia para a noite. É no futuro que o rendimento virá. Algo que exige uma paciência rara no mundo de hoje.
Tenho por costume ser direto com os diretores esportivos. “Não consigo dizer que serei campeão em três meses, seis meses ou um ano. Não dá para estipular uma data para o sucesso. O que consigo assegurar é que, com trabalho, disciplina e tempo, a equipe vai alcançar as metas”, aviso. Mas é difícil achar esse tempo, ou esse diretor esportivo ou o clube que te ofereça tal possibilidade.
Uma maneira diferente de trabalhar encontrei no Los Angeles Galaxy, na MLS.
Eu já conhecia a liga como jogador, dos meus quatro anos como atleta do Columbus Crew. Só que a história era diferente como treinador, pois era preciso me aprofundar nas regras da competição. E, assim, entender como poderíamos montar uma equipe competitiva, como contratar as peças corretas e qual sistema de jogo adotar. É uma liga diferente de todas as outras no mundo: tem um limite de investimento que não pode ser ultrapassado.
“A FUNÇÃO DO TREINADOR NA MLS É MUITO MAIS AMPLA, MAS A PAIXÃO COM QUE SE VIVE O JOGO NA ARGENTINA É DIFERENTE”
Existe o trabalho em campo, que é a parte que eu mais gosto. Mas existe também o trabalho no escritório, que não renego. A função do treinador na MLS é muito mais ampla do que na Argentina, onde a paixão com que se vive o jogo é diferente. Em meu país, quando você perde um jogo, é o pior do mundo até que chegue o jogo seguinte. Nos Estados Unidos, a derrota é mais intelectual. Não afeta tanto o trabalho semanal ou o aspecto anímico.
Foi uma experiência muito boa, independentemente dos resultados. O primeiro ano foi ótimo, mas a equipe caiu de rendimento no segundo ano, em meio à pandemia. Os jogadores sentiram a falta de treinamentos em grupo e pagamos um preço por isso. Mas foi uma experiência riquíssima para adquirir conhecimento e absorver outras formas de crescer como treinador.
Minha passagem pelo Galaxy também me permitiu trabalhar com um dos grandes: Zlatan Ibrahimovic. Ao acompanhar sua carreira de longe e todas as situações vividas pelo ‘Ibra’, alguém poderia pensar: “Como será trabalhar com ele?”. Mas não demorou para eu entender o porquê dele ter ficado entre os melhores do mundo, jogando no mais alto nível, por 15 temporadas. Ele se dedica cem por cento nos treinamentos, demanda profissionalismo e, quando entra em campo, dá tudo desde o primeiro minuto. Trabalhamos juntos por um ano e não tivemos nenhum problema de relacionamento. Ele foi fantástico comigo, respeitoso ao máximo.
“MINHA PASSAGEM PELO GALAXY TAMBÉM ME PERMITIU TRABALHAR COM UM DOS GRANDES: ZLATAN IBRAHIMOVIC”
Foi uma experiência extraordinária. Você se dá conta de que Ibra está onde está pelo trabalho que impõe a si próprio. É o exemplo de como o cuidado, a disciplina e o profissionalismo te levam a estar entre os melhores.
Creio que a decisão que tomei depois de sair do Boca foi boa. A MLS é uma liga em crescimento, que pode alcançar o nível das ligas da Argentina, do México ou do Brasil.
Com toda essa trajetória, sou um treinador diferente do que era quando comecei.
Na parte profissional, melhorei no que diz respeito à qualidade dos treinamentos. Tudo aquilo que se faz durante a semana, será visto no dia do jogo. Para jogar de uma determinada maneira, é preciso adotar tal ideia de jogo nos treinos. Não é questão de ter sorte com os jogadores ou esperar um bom momento, um bom dia dos atletas. O que acontece em campo tem a ver com o talento e a qualidade deles. Mas tem a ver também com o trabalho do técnico.
Você se dá conta disso ao trabalhar. O trabalho te faz melhorar, e o resultado dele tem influência nas vitórias e derrotas.
Isso me faz sentir responsável pelo meu futuro.