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Render-se, jamais 

Render-se, jamais 
Fran Santiago para The Coaches' Voice/Getty Images
Redacción
The Coaches' Voice
Publicado el
8 de septiembre 2023

José Luis Mendilibar

Sevilla, 2023-Presente

A véspera do jogo foi incrível. Sentir a atmosfera de Old Trafford, com as arquibancadas vazias, e imaginar como o estádio estaria lotado no dia seguinte. Mas quando a partida teve início... Boom! A magia desapareceu. O United estava nos esmagando.

Eu estava ali, na beira do campo, na área do treinador. Totalmente paralisado. Era meu primeiro jogo como técnico numa competição europeia, era a partida de ida das quartas de final da Liga Europa, e a recepção do United estava sendo uma tremenda chacoalhada.

Eu não sabia o que fazer. Os jogadores tampouco viam alguma maneira de parar os homens do United. O rival nos causava muitos problemas com sua velocidade pelas laterais, com a posição de Marcel Sabitzer entre linhas — ele marcou dois gols — e, acima de tudo, com a sua intensidade. Estávamos perdendo por 2 a 0 e só tinham passado vinte minutos de jogo. O cenário, para nós, era terrível.

O United atropelou o Sevilla de Mendilibar nos primeiros minutos das quartas de final da Liga Europa, com Marcel Sabitzer tendo um papel de destaque. Catherine Ivill/Getty Images
O United atropelou o Sevilla de Mendilibar nos primeiros minutos das quartas de final da Liga Europa, com Marcel Sabitzer tendo um papel de destaque. Catherine Ivill/Getty Images

E o que você faz, então? Se rende? Não. O lema deste clube é bastante claro: ‘’Render-se, jamais’. Aqui, esta possibilidade não existe, menos ainda numa competição tão especial para o clube. Nem sequer valia a pena pensar que, naquele momento, nossa prioridade era evitar o rebaixamento na La Liga. E que, portanto, talvez fosse melhor deixar a Liga Europa de lado.

Quando chegamos a Sevilha, em 22 de março de 2023, o objetivo estava muito claro: evitar a queda. O clube vinha de maus resultados na liga espanhola, mas as sensações que encontramos na equipe eram ainda piores. Os jogadores haviam parado de acreditar em tudo o que são capazes de fazer. Por isso, insisti e abusei da palavra "acreditar" na coletiva de imprensa da minha apresentação. Somente quando os jogadores acreditam no treinador e, sobretudo, em si mesmos, é possível conseguir algo.

"ERA MEU PRIMEIRO JOGO COMO TÉCNICO NUMA COMPETIÇÃO EUROPEIA, E A RECEPÇÃO DO UNITED ESTAVA SENDO UMA TREMENDA CHACOALHADA"

Em outros clubes que passei, o que fizemos quando lutávamos contra o rebaixamento foi dar menos importância a uma segunda competição, como a Copa do Rei, por exemplo. O foco total estava em evitar a queda na La Liga. Jogar menos partidas te ajuda a se preparar melhor para os jogos da principal competição.

No entanto, repito: isso não se aplica ao Sevilla. Você não pode abandonar a Liga Europa, mesmo que esteja lutando pela sobrevivência na La Liga e o Manchester United esteja te dando uma surra em Old Trafford.

Mendilibar é um dos grandes protagonistas do triunfo do Sevilla na Liga Europa 2022/23. Fran Santiago para The Coaches' Voice/Getty Images
Mendilibar é um dos grandes protagonistas do triunfo do Sevilla na Liga Europa 2022/23. Fran Santiago para The Coaches' Voice/Getty Images

Não sei muito bem como - porque eles poderiam ter feito mais gols -, mas fomos ao intervalo perdendo apenas por 2 a 0. Era um resultado ruim, claro, mas naquele contexto era o melhor que podíamos ter. Entramos no vestiário e aproveitamos o tempo para conversar. Como podemos nos recuperar na etapa final?

Acredito que o fato de o treinador do United, Erik ten Hag, ter feito várias mudanças no segundo tempo também ajudou. Ele tirou jogadores que estavam atuando muito bem e colocou outros que, felizmente para nós, não mantiveram o mesmo nível.

"NUNCA TINHA VIVIDO NADA PARECIDO: UMA HORA E MEIA ANTES DO JOGO, AS RUAS ESTAVAM ABARROTADAS”

Isso, sem dúvida, nos permitiu respirar. E assim, mesmo que não tenhamos jogado bem, nem chegado ao ataque com clareza, encontramos gols em dois lances fortuitos. Digo fortuitos porque foram assim: dois gols contra da zaga do United. De qualquer forma, dois gols fundamentais na eliminatória.

O resumo é que poderíamos ter saído de Old Trafford com muitos gols sofridos e virtualmente eliminados da competição. Mas o empate nos deu a sensação de que, mesmo jogando mal, fomos capazes de fazer gols no United e resistir. Então, uma semana depois, estávamos em nosso estádio, no Ramón Sánchez-Pizjuán, com o apoio de nossa torcida, no jogo decisivo.

Os torcedores do Sevilla lotaram as ruas nas horas que antecederam o jogo contra o United. Um momento que Mendilibar nunca havia vivido antes como técnico. Fran Santiago/Getty Images
Os torcedores do Sevilla lotaram as ruas nas horas que antecederam o jogo contra o United. Um momento que Mendilibar nunca havia vivido antes como técnico. Fran Santiago/Getty Images

Todo mundo já esperava um grande ambiente na partida de volta, mas as expectativas foram superadas. Pelo menos, as minhas. Uma hora e meia antes do jogo, as ruas da cidade estavam abarrotadas. Não era apenas nas cercanias do estádio. Eu nunca tinha vivido nada parecido.

Ainda faltavam uns dois quilômetros para chegarmos ao estádio, mas o ônibus já encontrava dificuldades para avançar. Aquilo nos encheu de força e confiança. Estava claro que teríamos o apoio da torcida durante todo o jogo para vencer o United.

"A VITÓRIA POR 3 A 0 SOBRE O UNITED GARANTIU NOSSA VAGA NA SEMIFINAL DA LIGA EUROPA, MAS FOI TAMBÉM UMA LIBERTAÇÃO PARA OS JOGADORES. E AINDA MAIOR QUANDO EVITAMOS A QUEDA NA LIGA”

Depois, entra tudo aquilo que você precisa fazer bem para vencer o jogo. E nós fizemos tudo muito bem. Jogamos em um nível elevado, controlamos a saída de bola deles, mas, acima de tudo, controlamos a velocidade dos extremos deles. Algo que nos causou muitos problemas nos primeiros minutos do jogo de ida.

Com a bola, e após a recuperarmos na pressão pós-perda, fomos capazes de tirar proveito dos erros deles. Mas também ficou claro, uma vez mais, que o United é uma grande equipe. Se as coisas correm bem para eles, são capazes de deslanchar. No entanto, é uma equipe que também tem dificuldades em se recuperar dos golpes que sofre. Quando marcamos o segundo gol - Loïc Badé, de cabeça, após cobrança de escanteio -, eles não conseguiram mais se levantar.

Loïc Badé fez o segundo gol do Sevilla no jogo de volta contra o United, que terminaria 3 a 0 para o time espanhol. Um resultado que deixou Mendilibar satisfeito. Valerio Pennicino/Getty Images
Loïc Badé fez o segundo gol do Sevilla no jogo de volta contra o United, que terminaria 3 a 0 para o time espanhol. Um resultado que deixou Mendilibar satisfeito. Valerio Pennicino/Getty Images

A vitória por 3 a 0 garantiu a nossa vaga nas semifinais da Liga Europa, além de ter sido uma espécie de libertação para os jogadores. O que ficou ainda mais evidente quando conseguimos, semanas depois, evitar o rebaixamento na liga espanhola, com uma vitória contra o Espanyol.

Foi um triunfo conquistado com muito esforço, já que estávamos perdendo por 2 a 1, mas conseguimos a virada, que nos levou aos 43 pontos na classificação. Na La Liga, a manutenção na primeira divisão é geralmente assegurada com 42 pontos. Em outras palavras, se você alcança pelo menos essa quantidade de pontos, está salvo. Portanto, estávamos salvos.

"NÃO SOU UMA PESSOA QUE GOSTE MUITO DE COMEMORAR EM PÚBLICO”

De fato, como disse anteriormente, este era o objetivo quando cheguei ao clube. E conseguimos alcançá-lo com várias rodadas de antecedência. No entanto, ninguém nos parabenizou por isso. Todo mundo já estava com a cabeça na Liga Europa. A nova meta era chegar à final. Para isso, precisávamos passar pela Juventus.

Jogamos uma partida incrível em Turim. Foi um dos melhores jogos que fizemos em toda a temporada. Mas já com o tempo de acréscimo extrapolado, eles fizeram o gol de empate, o 1 a 1, com Federico Gatti, após cobrança de escanteio. Foi a última bola do jogo.

O Sevilla, de Mendilibar, teve uma atuação brilhante contra a Juventus em Turim. Mas um gol de Federico Gatti, no fim, impediu a vitória dos espanhóis. Valerio Pennicino/Getty Images
O Sevilla, de Mendilibar, teve uma atuação brilhante contra a Juventus em Turim. Mas um gol de Federico Gatti, no fim, impediu a vitória dos espanhóis. Valerio Pennicino/Getty Images

Tinha sido o oposto do que aconteceu contra o Manchester United. Tínhamos feito uma grande partida, fomos melhores do que a Juventus, mas não vencemos. A sensação, ao deixarmos o estádio, era menos otimista do que quando saímos de Old Trafford. Chegamos ao jogo decisivo com menos confiança do que sentíamos na partida de volta contra o United. Isso também por causa do estilo de jogo da Juventus.

O United é um time que ataca mais, o que também te dá oportunidades de causar danos a eles. As equipes italianas, por outro lado, costumam ser mais fechadas, mais difíceis de serem superadas, especialmente quando conseguem sair na frente do placar. E não demorou para nos darmos conta disso. A Juventus entrou no Sanchez Pizjuán com uma postura totalmente diferente daquela que teve no jogo na ida. Era outra Juventus.

"SE AS SENSAÇÕES ANTES DA PARTIDA CONTRA O UNITED, EM OLD TRAFFORD, FORAM INCRÍVEIS, A FINAL EM BUDAPESTE DIANTE DA ROMA SUPEROU TUDO”

Eles abriram o placar, com um gol de Dusan Vlahovic, já no segundo tempo. Contra uma equipe italiana, é muito difícil reverter tal desvantagem. Mas fomos capazes de virar o jogo. Vencemos na prorrogação, com o gol da vitória, o 2 a 1, marcado por Erik Lamela. Sofremos muito, mas no geral, fomos melhores que a Juventus na eliminatória.

Depois do jogo, eu não conseguia acreditar que estávamos classificados para a final da Liga Europa. Eu não tinha me imaginado nessa situação em nenhum momento antes em minha carreira como treinador. Tenho quase 30 anos como técnico - comecei nisso em 1994 - e nunca tinha me classificado para uma final de uma competição europeia.

Jogadores e comissão técnica do Sevilla comemoram a classificação para a final da Liga Europa. Fran Santiago/Getty Images
Jogadores e comissão técnica do Sevilla comemoram a classificação para a final da Liga Europa. Fran Santiago/Getty Images

Decidi ir ao vestiário o mais rápido possível. Gosto de fazer assim: comemorar com os meus, com a comissão técnica e os jogadores, dentro do vestiário. Não sou uma pessoa que goste muito de comemorar em público. Aos poucos, os jogadores foram chegando, lembro que o primeiro foi Youssef En-Nesyri. Nos abraçamos calorosamente.

Naqueles momentos, porém, eu não pensei na final. Pensava apenas em tudo o que tinha acontecido contra a Juventus. Como a equipe, mais uma vez, não tinha se rendido. Conseguimos superar um gol de desvantagem diante de uma grande Juventus.

"INSISTI E ABUSEI DA PALAVRA ‘ACREDITAR’ NA COLETIVA DE IMPRENSA DA MINHA APRESENTAÇÃO. SOMENTE QUANDO OS JOGADORES ACREDITAM NO TREINADOR E, SOBRETUDO, EM SI MESMOS, É POSSÍVEL CONSEGUIR ALGO”

Se as sensações antes da partida contra o United, em Old Trafford, foram incríveis, a final em Budapeste diante da Roma superou tudo. Eu aproveitei cada segundo dos momentos que antecederam a decisão. Vendo as pessoas viajarem de Sevilha a Budapeste nos dias anteriores, no treinamento na véspera do jogo, foram todas sensações muito boas. Foi uma injeção de ânimo para a final; era visível que os jogadores estavam preparados para um jogo tão importante.

Se olharmos para os treinadores e para as equipes, a Roma tinha José Mourinho no banco, especialista em jogar e vencer finais europeias; enquanto eu era um 'novato' em decisões. Mas se falarmos das equipes, os jogadores do Sevilla haviam disputado mais finais europeias do que os atletas da Roma. O que nivelava as coisas.

O Sevilla, de Mendilibar, encarou a Roma, de José Mourinho, na final da Liga Europa. Justin Setterfield/Getty Images
O Sevilla, de Mendilibar, encarou a Roma, de José Mourinho, na final da Liga Europa. Justin Setterfield/Getty Images

Foi o jogo o menos atrativo que fizemos na Liga Europa, porque a Roma é uma equipe muito sólida defensivamente. Eles se fecham muito bem e jogam de forma direta. Assim, é muito difícil criar um contra-ataque, porque eles não perdem a bola em zonas intermediárias, apenas no campo adversário.

Além disso, eles saíram na frente, com um gol de Paulo Dybala, ainda no primeiro tempo. Mais uma vez, estávamos atrás no placar e, a exemplo do que tinha ocorrido contra a Juventus, novamente isso acontecia diante de uma equipe italiana.

"O LEMA DESTE CLUBE É BASTANTE CLARO: ‘RENDER-SE, JAMAIS’. AQUI, ESTA POSSIBILIDADE NÃO EXISTE, MENOS AINDA NA LIGA EUROPA”

No segundo tempo, uma jogada pelas laterais, bem ao nosso estilo de jogo, resultou em um gol contra deles. A partir daí, a partida ficou equilibrada. Na prorrogação, com as duas equipes muito cansadas, ninguém conseguiu balançar as redes.

sevilla celebra
El O Sevilla, de Mendilibar e companhia, fez a festa como campeão da Liga Europa 2022/23 após superar a Roma na grande decisão. Clive Rose/Getty Images

No fim, levamos a melhor na disputa de pênaltis. Tivemos bem mais precisão do que eles nas cobranças e contamos com uma atuação incrível do goleiro Yassine Bounou. Quando Gonzalo Montiel marcou o último gol, as pessoas que estavam comigo, na beira do campo, saíram correndo para comemorar. Eu fiquei ali mesmo, na área do treinador.

Mas, naquele momento, as sensações eram bem diferentes das que vivi nos primeiros minutos de jogo em Old Trafford. Desta vez, fiquei ali, para ver à distância como os jogadores celebravam o título.

Os rapazes mereciam aquele momento, por tudo o que lutaram para conquistá-lo.