A última vez faz mais de trinta anos. O último Scudetto conquistado pelo Napoli foi em 1990, com uma equipe liderada por Diego Armando Maradona. Desde então, o clube do sul da Itália esteve na briga pela taça em algumas oportunidades, sobretudo em temporadas recentes, mas acabou sucumbindo aos grandes rivais do norte: Juventus, AC Milan ou Inter de Milão.
A trajetória percorrida pela equipe de Luciano Spalletti na temporada 2022/23 parece indicar que o destino, desta vez, terá um final feliz para o Napoli. O aproveitamento da equipe até aqui na Serie A é impressionante: 62 pontos conquistados de 69 possíveis. Números que vêm depois de Spalletti, em sua segunda temporada no clube, ter reforçado a solidez defensiva demonstrada na primeira campanha (31 gols sofridos em 38 jogos da Serie A, o time menos vazado ao lado do campeão AC Milan), além de ter acrescentado inúmeras alternativas ofensivas, que fazem do Napoli uma equipe difícil de ser controlada por seus rivais.
Como se não bastasse, o time vem demonstrando um alto nível também na Champions League, tendo conseguido resultados expressivos na fase de grupos: 4-1 contra o Liverpool, na Itália, e um incrível 6-1 diante do Ajax, em Amsterdã.
O The Coaches’ Voice analisa algumas das principais mudanças implementadas por Spalletti para formar esse time que almeja se tornar lendário para seus torcedores.
Consolidar posições-chave
O calendário cheio e o intenso ritmo de jogo que Spalletti exige de suas equipes não permitem falar em um time titular definido no Napoli. Mas o treinador italiano mantém uma base principal com seis jogadores: o goleiro Alex Meret; os zagueiros Amir Rrahmani e Min-Jae Kim; e os três meio-campistas, Stanislav Lobotka, Frank Anguissa e Piotr Zielinski. A eles, juntam-se dois atletas que também têm muitos minutos em campo: os laterais Mário Rui e Giovanni Di Lorenzo.
O entrosamento desses jogadores somado ao altíssimo nível que têm demonstrado em campo é crucial para a regularidade do Napoli. Além disso, certamente é preciso ressaltar a contribuição dos jogadores menos habituais. A cada vez que Spalletti lhes dá oportunidade, conseguem manter o nível, o que também permite uma melhor recuperação dos companheiros que acumulam mais minutos.
Essa gestão do elenco contrasta com o ocorrido na temporada 2021/22, quando Spalletti não conseguiu encontrar uma estrutura clara em determinadas linhas. Principalmente no meio-campo, ao não ter um trio definido. Algo condicionado pela influência de Fabián Ruiz (agora no PSG), que era praticamente indiscutível na equipe, mas o treinador não conseguiu achar a estrutura ideal de parceiros para Ruiz.
O fato é que a rotatividade de jogadores que atuaram ao lado de Fabián Ruiz no meio-campo foi muito maior. Isso impediu que houvesse um entrosamento claro entre esses três jogadores do setor de criação. Uma linha importante não apenas nos momentos de posse de bola, mas também na execução da pressão no campo rival e para dar o equilíbrio à linha defensiva.
Na temporada 2022/23, esse equilíbrio (abaixo) na zona de meio-campo tem sido geralmente marcado pelo arranjo de 2+1 (Anguissa e Lobotka na base; e Zielinski à frente) ou 1+2 (Lobotka na base; Anguissa e Zielinski à frente).
Pelo que foi visto até agora, a sequência de jogos com os mesmos atletas no meio-campo tem dado mais resultados ao time de Spalletti do que as constantes mudanças ocorridas na temporada passada.
Importância da pressão
Agressivo com a bola, o Napoli adota a mesma postura sem ela. A ideia é manter o adversário o mais longe possível de sua baliza, além de tentar recuperar a posse o quanto antes.
Para isso, a equipe de Spalletti realiza uma pressão intensa no campo inteiro, incluindo, muitas vezes, pressionar o próprio goleiro adversário. Isso exige que um dos três meio-campistas, geralmente Zielinski, se desloque para o lado do centroavante para pressionar os zagueiros e o goleiro (abaixo).
Os homens de lado, por sua vez, permanecem em uma segunda linha de pressão junto com os outros dois meio-campistas, geralmente Lobotka e Anguissa. Eles terão um enorme terreno para cobrir em três zonas da pressão: à frente, para defender as costas do atacante; para trás, para brigar por eventuais bolas longas na construção adversária; e para os lados, para dar cobertura aos laterais. Para alcançar o equilíbrio na linha defensiva, o lateral da zona em que estiver a bola avança, enquanto o lateral do lado oposto acompanha a linha dos zagueiros (abaixo).
Com todas essas movimentações sem bola, o Napoli pressiona seus adversários desde o primeiro minuto de jogo. Uma pressão agressiva nos três terços do campo para roubar a bola ou induzir o rival ao erro.
Velocidade e progressão no jogo ofensivo pelos duelos nas pontas
O Napoli é o time da Série A que mais faz passes no último terço de campo (941 em 23 rodadas). Isso é consequência de sua pressão, com constantes recuperações de bola no terço inicial do adversário, e de sua verticalidade após o roubo.
Em uma abordagem com a bola, onde a intenção dos jogadores de lado de atacar as costas dos laterais rivais é fundamental, dois jogadores assumem papel de destaque: Khvicha Kvaratskhelia e Victor Osimhen. Ambos são protagonistas no alto rendimento ofensivo do Napoli. Até o momento, o extremo georgiano é o principal garçom da Serie A, com 11 assistências. Osimhen é o artilheiro do campeonato com 18 gols.
Eles também são peças-chave no habitual esquema 4-3-3, com bola, de Spalletti. Nesta estrutura tática, Kvaratskhelia é um tormento para os rivais pela esquerda. Quando seu time tem a bola no campo adversário, o georgiano ataca as costas de seu marcador com muita eficácia (abaixo). Seu repertório de movimentações é vasto. Quando recebe o passe, não hesita em partir para cima do defensor para cruzar ou chutar a gol com o pé direito. Se o ataque for construído pelo lado oposto, ele aparece em zonas de finalização na segunda trave.
Osimhen se encarrega de ocupar as principais áreas de finalização e potenciais rebotes para concluir cada progressão de sua equipe. Além disso, o atacante nigeriano é responsável por iniciar a pressão da qual se beneficiará mais tarde quando a bola for recuperada.
Bola parada: proteção atrás, eficácia na frente
O Napoli de Spalletti é uma das equipas europeias com melhor aproveitamento nas jogadas de bola parada, tanto ofensivas quanto defensivas.
No ataque, a equipe já marcou 12 gols (em todas as competições) em 187 escanteios. Números interessantes, que se traduzem em quase um gol a cada 15 cobranças. Desempenho bem acima da média nessa faceta do jogo.
Nos escanteios, além de destacar o posicionamento fora da área - o que muitas vezes gera um espaço livre incomum nesse tipo de jogada -, o mais significativo é notar a intenção dos atacantes em se afastarem dos defensores para, depois, ganharem na corrida e ocuparem tal espaço gerado na zona de finalização. Um detalhe que já se mostrou crucial (abaixo).
Além dessa opção, o Napoli também utiliza-se de cobranças curtas de escanteios, levando dois jogadores para perto a bola ou vendo um deles se aproximar do cobrador pouco antes da execução. Algo que amplia o repertório da equipe e confunde o rival.
Quando o assunto são as cobranças de falta, a abordagem é diferente. Uma vez que os jogadores não correm tanto para atacar a bola. Aqui, a equipe de Spalletti costuma opta por atacar com cinco jogadores praticamente colados na linha defensiva rival.
Na organização defensiva nos escanteios e faltas para o adversário, o técnico italiano exige que seus onze jogadores se envolvam nessas ações. Assim, nos escanteios, o Napoli costuma colocar cinco atletas para proteger a pequena área e permitir uma liberdade de movimentos ao goleiro por ter uma barreira à sua frente. O que também lhe garante menos terreno para defender e, consequentemente, menos necessidade de antecipação.
Para criar essa estrutura à frente do goleiro, três jogadores defendem a marca do pênalti, bloqueando a corrida dos atacantes adversários em direção à pequena área, com dois jogadores atentos à eventuais cobranças curtas de escanteio ou rebotes (abaixo).
Com esse arranjo defensivo nas bolas paradas, o Napoli sofreu apenas 2 gols em 175 escanteios (em todas as competições). No entanto, em algumas ocasiões, uma proteção excessiva para a primeira trave, cobrança curta e marca penal, acaba por deixar o segundo poste mais desprotegido. Sobretudo depois de um primeiro desvio na bola. Foi assim, na zona da segunda trave e depois de um primeiro toque, que o Napoli sofreu seus dois únicos gols em escanteios na atual temporada.
Já nas cobranças de falta do adversário, a equipe tem a particularidade de colocar a sua linha defensiva na altura da marca do pênalti. São poucas as ocasiões em que defende com duas linhas de quatro jogadores. A proximidade da defesa com o gol reduz o espaço de finalização do adversário e permite ao goleiro sair para tentar cortar essas bolas às costas dos defensores, sem precisar cobrir tanto terreno. Uma estratégia que protege a equipe (abaixo).
Raspadori e Simeone, mais alternativas no ataque
Ao contrário de 2021/22, o Napoli é uma equipa com mais alternativas ofensivas. Algo que veio com o respaldo que Spalletti tem dado a dois de seus atacantes: Giacomo Raspadori e Giovanni Simeone. Eles podem substituir Osimeh durante as partidas ou até mesmo começar jogando. Ou seja, Raspadori e Simeone oferecem ao time mais opções ofensivas, algo que não era exatamente assim na temporada passada.
Raspadori tem um instinto goleador de alto nível. Quando recebe a bola nas imediações da área, procura rapidamente o melhor ângulo para finalizar. Sua facilidade de chutar com as duas pernas amplia seu repertório na hora de dominar e concluir a gol. É um atleta que parece ter sempre a baliza adversária em mente, tornando-se assim um jogador vertical e direto após uma recuperação de bola. Em todos os momentos, demonstra sua intenção de atacar os últimos metros e ter a bola em zonas de finalização (abaixo).
Simeone é um atacante de grande valia para as partidas abertas. Com sua capacidade de atacar os espaços, consegue tirar proveito dos momentos em que o adversário se abre ao ficar em desvantagem no placar (abaixo). Assim, tanto para finalizar (ele vai bem com os pés e com a cabeça) quanto para dar o último passe, ele tem uma habilidade apurada para lidar com essas situações.
Na pressão, quesito tão importante para o Napoli, Simeone é um grande primeiro defensor que, em bolas divididas e um adversário de costas para ele, permite ao bloco empurrar o adversário para dentro de seu campo.
Em suma, Spalletti, ao contrário da temporada 2021/22, conta com dois atacantes que sabem jogar com as duas pernas, que fazem um grande trabalho sem bola e têm muito faro de gol. Virtudes que permitem ao Napoli não depender exclusivamente de Osimhen no ataque.