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Expansão da mente

Expansão da mente
Carlos Rodrigues/Getty Images - The Coaches' Voice
Redacción
Felipe Rocha
Publicado el
21 de enero 2022

paulo sousa

Maccabi Tel Aviv, 2013-2014; Basel, 2014-2015

Eu não pensei nos riscos quando o Maccabi Tel Aviv me ofereceu o cargo de treinador. 

Tudo é questão de oportunidade. Sou capaz de ser feliz em qualquer lugar que consiga trabalhar - meu foco principal são os jogadores: como posso ajudá-los a evoluir, como quero que se expressem em campo. Tudo para que tenhamos uma identidade e alcancemos os resultados.  

Aquela foi uma oportunidade de conhecer uma cultura diferente, e provou-se muito exigente. Não foi nada fácil. Mas as pessoas fazem a diferença - foi incrível. 

Encontrei algo que não esperava - sobre o país, a cidade, as pessoas e o futebol. Eles amam futebol. Há paixão; os estádios estão sempre lotados, o povo é muito animado, cheio de energia e está sempre cantando, inclusive nas ruas. 

Foi o diretor de futebol, Jordi Cruyff, quem fez o primeiro contato comigo. Depois de Jordi, me encontrei com o proprietário do clube, Mitch Goldhar, em Londres. Passamos uma tarde juntos, e fiquei convencido de que deveria aceitar a proposta. 

Eles esperaram por mim, tinham certeza de que me queriam. Isso me deixou convicto: “Vamos aceitar a proposta e faremos um ótimo trabalho” falei à minha comissão técnica. 

Jordi Cruyff (na imagem), então diretor esportivo do Maccabi Tel Aviv. Jan Kruger/Getty Images
Paulo Sousa trabalhou lado a lado com Jordi Cruyff (na imagem), então diretor esportivo do Maccabi Tel Aviv. Jan Kruger/Getty Images

Para um treinador, é prazeroso ter alguém com conhecimento de um futebol que privilegie a troca de passes, como diretor de futebol. Foi um processo para que eu e Jordi nos conhecêssemos melhor. Suas ideias - ele é tão exigente quanto bem preparado e, como eu, tem uma personalidade forte. 

Trabalhamos lado a lado. Enquanto um dava suporte ao outro, ganhávamos entrosamento. Tínhamos visões diferentes sobre o jogo e sobre os jogadores. Era fundamental estar entrosados para que chegássemos a um consenso sobre o papel do diretor e sobre os desejos do técnico para seu plantel. 

"Sou capaz de ser feliz em qualquer lugar que consiga trabalhar"

Entender a personalidade do outro e interagir de forma respeitosa eram exercícios diários. Consequentemente, pudemos desfrutar de nossas funções e conquistas, juntos. Algo que ficará para sempre. 

Não foi fácil, mas foi incrível como nos conectamos. Para mim e minha comissão técnica, foi um privilégio que Jordi tenha chegado ao clube antes de nós. Ele antecipou etapas e entendeu as circunstâncias. Além de ter implementado uma disciplina na equipe, um processo que demos sequência.  

Somos amigos até hoje e temos um respeito mútuo. Crescemos juntos na tomada de decisões, e em como víamos os jogadores e o jogo em si. 

Sousa ganhou o título da Liga de Israel, numa temporada que a equipe também disputou a Europa League. David Buimovitch/EuroFootball/Getty Images
Sousa ganhou o título da Liga de Israel, numa temporada que a equipe também disputou a Europa League. David Buimovitch/EuroFootball/Getty Images

À época, o clube, os atletas e a própria competição tinham o que aprender taticamente. Isso evoluiu muito graças à experiência dos treinadores estrangeiros que trouxeram novas ideias ao futebol de Israel. 

Não é fácil lidar com os atletas de lá - entender suas ideias e mentalidades. Como há restrição no número permitido de jogadores estrangeiros, boa parte do investimento precisa ser feita nos atletas locais. A qualidade do elenco fica desequilibrada. Outra dificuldade é fazer com que os jovens mantenham o foco, uma vez que a cultura local é bastante exigente. Disciplina e organização são cruciais. Foi um grande aprendizado para mim. 

Eu sempre gostei de criar expectativas. Isso, desde que comecei a minha carreira como jogador. Eu sempre estipulei metas. Está em meu DNA - tenho uma mentalidade vencedora. 

“COM JORDI CRUYFF, PUDEMOS DESFRUTAR DE NOSSAS FUNÇÕES E CONQUISTAS JUNTOS”

Ajudar o elenco a entender o jogo, e entender cada um dos atletas, é algo complexo. Ajudá-los a se desenvolver, a ficarem mais inteligentes taticamente e entenderem a complexidade do jogo - jogar um futebol atraente, controlar os adversários com a posse de bola e criar oportunidades, identificando tempo e espaço exatos para tomar as decisões corretas... Fazer virar algo mecânico.  

A intensidade é, sobretudo, mental; depois vem o físico. Eu tinha um psicólogo ao meu lado para me ajudar a interagir e compreender meus jogadores - e muitos deles - Eran Zahavi, em especial - seguem em contato comigo. 

Eran evoluiu muito em sua passagem pelo futebol italiano. A forma que aprendeu a ver o jogo, como desenvolveu suas habilidades e seu desempenho, ajudaram com que atingisse seu potencial. Não há recompensa melhor para um treinador do que um jogador reconhecer que está evoluindo.

Paulo Sousa, Flamengo
Carlos Rodrigues

Eu estava habituado com o 4-3-3, nosso sistema, desde os meus tempos de atleta. Uma vez que comecei a compreender melhor as características de meus jogadores, passamos a evoluir e criar novos formatos. E os atletas tinham prazer de jogar porque controlávamos os rivais com a posse de bola e criávamos muitas oportunidades de gol - foi realmente excepcional. 

A partir do início de dezembro, emplacamos uma sequência de 12 vitórias em 13 jogos. E terminamos a temporada como campeões nacionais. Além disso, conseguimos a classificação em um grupo complicado na Liga Europa, que tinha Frankfurt, que também avançou, além de Apoel Nicosia e Bordeaux, clube que tive a chance de trabalhar posteriormente. 

“EU SEMPRE ESTIPULEI METAS. ESTÁ EM MEU DNA – TENHO UMA MENTALIDADE VENCEDORA”

Vencer a liga depois de uma árdua rotina de trabalho, vencendo jogos e marcando gols - no fim, a satisfação é imensa. Eu só saí de lá pelo desafio de seguir crescendo. 

Eu já tinha enfrentado o Basel diversas vezes, como técnico, quando eles me fizeram a proposta de trabalho, naquele mês de maio. Logo, eles sabiam bem o que estavam buscando. Eles tinham nos vencido na última fase de qualificação para a Champions League. Se olharmos com atenção para as nossas vidas, veremos inúmeras conexões entre os acontecimentos, sejam pessoais ou profissionais. 

Eles tinham experiência na Champions League, além de um elenco repleto de jogadores experientes. Isso me deu a chance de competir em outro nível, e criei a expectativa de levar o Basel a outro nível. 

Paulo Sousa montou um Basel capaz de competir no mais alto nível na Champions League. Jamie McDonald/Getty Images
Sousa montou um Basel capaz de competir no mais alto nível na Champions League. Jamie McDonald/Getty Images

Era algo totalmente diferente do que tive no Tel Aviv. O barulho foi do 100 por centro ao zero - no dia a dia, dentro e fora do clube. 

Era um clube muito organizado. Presidente, vice-presidente, diretor esportivo, chefe de scout e eu - formávamos praticamente a diretoria, tomávamos as decisões. 

O estádio e o vestiário eram o nosso ambiente de trabalho no dia a dia - de treinos e jogos. Desde o início, lutamos para melhorar a infraestrutura do centro de treinamentos por causa do estilo de jogo que queríamos por em prática. Nós queríamos fazer uma grande diferença. Tínhamos uma mescla de jogadores experientes e jovens cheios de energia. 

“SE OLHARMOS COM ATENÇÃO PARA AS NOSSAS VIDAS, VEREMOS INÚMERAS CONEXÕES ENTRE OS ACONTECIMENTOS, SEJAM PESSOAIS OU PROFISSIONAIS”

As pessoas pensam que a Super Liga da Suíça é fácil, mas não é. Você enfrenta cada adversário quatro vezes, e não é mole fazer com que os atletas mantenham o foco em cada detalhe, sobretudo quando você é mais forte que os rivais. 

O entusiasmo dos jogadores para enfrentar o mesmo adversário tantas vezes não é o mesmo. Portanto, era uma questão que tínhamos que contornar. E conseguimos isso nos treinos, ao criar sessões mais complexas - para atrair a atenção dos atletas e mantê-los focados. 

Paulo Sousa, en su etapa en el Basilea.
Sousa teve uma relação muito próxima com o presidente do Basel, Bernhard Heusler. Philipp Schmidli/Getty Images

Para eles, porém, era sempre o mesmo jogo. Não é exatamente simples exigir que tenham sempre a mesma intensidade e desempenho. A sensação de jogar um bom futebol ajudou no processo. Quando eles se deram conta da força que tinham e, consequentemente, ganharam mais confiança, passaram a desfrutar do que estávamos fazendo. E foi assim até o fim da temporada.  

Sempre que os atletas reconhecem que estão dominando os adversários, que estão no controle das ações em campo, em toda sua largura e profundidade, criando diferentes linhas, fica bem mais fácil jogar e ser confiante. Foi assim contra o Real Madrid, em nossa casa, pela fase de grupos da Liga dos Campeões. Apesar de termos perdido por 1 a 0, nós praticamente controlamos o jogo todo e criamos mais chances do que eles. 

“AS PESSOAS PENSAM QUE A SUPER LIGA DA SUÍÇA É FÁCIL, MAS NÃO É”

A comunicação foi uma parte difícil no começo - me conectar com os jogadores, criar o estilo que queríamos. Lá, os atletas eram muito exigentes - não apenas sobre liderança e comunicação, mas também sobre os métodos de treinamento e conhecimento do jogo, sobretudo porque eles já jogavam em um bom nível. 

A primeira parte, a de nos conhecermos melhor, requer tempo. É assim em qualquer lado. Uma vez que os jogadores entendam os métodos e o que queremos alcançar, tudo fica mais simples.  

Sousa viveu sua melhor noite como treinador do Basel em Anfield diante do Liverpool. Laurence Griffiths/Getty Images
Sousa viveu sua melhor noite como treinador do Basel em Anfield diante do Liverpool. Laurence Griffiths/Getty Images

Em nosso grupo na Champions League também estavam Liverpool e Ludogorets. Brendan Rodgers era um jovem técnico, que já tinha alcançado um nível fantástico; depois que eu saí da Inglaterra e do Swansea, ele se firmou na Premier League até chegar ao Liverpool, onde contava com jogadores de elite e um alto poder de investimento. Era um desafio enorme para nós. 

Tínhamos um plano de jogo, com uma estratégia específica para cada uma das partidas contra eles. Fomos um time muito organizado no duelo em nossa casa. Usamos uma linha de três na defesa porque queríamos construir de trás com superioridade numérica e escapar da pressão deles. Assim, teríamos as opções de passes curtos ou médios, sempre que o rival tivesse muitos jogadores nos pressionando. 

Fomos ganhando confiança, sempre havia triângulos ou diamantes desenhados, com boas linhas de passe para escapar da pressão e chegar ao campo do Liverpool. Dominamos e vencemos - 1 a 0 - bem. 

“A CLASSIFICAÇÃO PARA AS OITAVAS DA CHAMPIONS LEAGUE, NUM GRUPO ONDE ESTAVAM REAL MADRID E LIVERPOOL, FOI UM FEITO”

Anfield é um ambiente tremendo - sobretudo para os jogadores que não estão acostumados com isso. Mas tínhamos atletas experientes. Os jogadores suíços são, em média, focados e fortes mentalmente. Frios. Eles não costumam se afetar pelo ambiente ou pelo momento. 

Nossa estratégia era controlar o jogo com passes - e, assim, controlar também o ambiente. Movíamos a bola com rapidez de um corredor ao outro, sempre olhando para frente e fazendo transições defensivas fantásticas.

Até o segundo tempo, estivemos sempre no controle da partida. Tínhamos mais posse, chegávamos ao terço final e tínhamos feito um belo gol. As poucas chances do Liverpool surgiram quando perdemos um pouco da concentração. 

Sousa
Carlos Rodrigues

Foi um grande momento para mim, minha comissão e meus jogadores estar naquele ambiente e conseguir ter um bom desempenho. Além disso, o 1 a 1 garantiu a nossa classificação, ao lado do Real, naquela noite em que o Liverpool precisava vencer. Foi um feito maiúsculo, coroado por uma grande exibição. 

A pausa de inverno na Suíça - que veio na sequência - é fantástica. Você desliga, recarrega as baterias e volta renovado para o término da temporada. 

"Aqueles dois anos, em Israel e na Suíça, foram incríveis"

Mas após garantir vaga nas oitavas de final da Champions League, ao eliminar o Liverpool com um empate na Inglaterra, aquela pausa não foi exatamente benéfica. Não conseguimos voltar no mesmo nível quando chegou a hora de enfrentar o Porto. Depois da pausa, tínhamos jogado apenas um jogo competitivo antes dos duelos com os portugueses. Fomos eliminados. 

Nós, porém, levantamos a taça da liga nacional em maio com três jogos de antecedência. Os torcedores lotaram as ruas da cidade para festejar o título.

Para mim, foi realmente um ótimo período. Cresci muito, em uma diferente cultura de futebol que sempre me fez refletir, analisar e exigiu de mim que tomasse diversas decisões. 

Depois de suas experiências em Israel e na Suíça, Sousa assinou em 2015 com a Fiorentina. Gabriele Maltinti/Getty Images
Depois de suas experiências em Israel e na Suíça, Sousa assinou em 2015 com a Fiorentina. Gabriele Maltinti/Getty Images

Aquele trabalho me fez ser lembrado por clubes italianos - e optei por um que me permitiu seguir evoluindo na carreira. O Basel deixou claro que estava satisfeito com a realidade do clube, queria manter sua filosofia. Então, decidi buscar um novo desafio. Desta vez, no comando da Fiorentina. 

Aqueles dois anos, em Israel e na Suíça, foram incríveis. Não se resumiram apenas em vencer as ligas nacionais, os clubes me permitiram ganhar experiência na Liga Europa e na Champions League. Entender suas exigências. 

Eu já tinha entendido os projetos de futebol em cada um desses países, o que exigem de seus treinadores e como moldam seus elencos. Mas analisar e ver o que os outros clubes europeus estão fazendo - e viver isso de perto - tornou-me um técnico com mais repertório.