Tite
Seleçao brasileira, 2019-Presente
É algo cultural no Brasil: o técnico da seleção está condenado a vencer. Talvez este ‘condenado’, entre aspas, reflita muito a nossa cultura. Confesso que não pensava em dirigir a seleção até ganhar o título mundial com o Corinthians, em 2012.
Naturalmente, a partir daquele trabalho e de toda uma carreira, aquilo me credenciava a ser um dos candidatos a assumir o comando da seleção.
O convite veio em 2016, após a eliminação do Brasil na Copa América Centenário. Pela imprensa, a gente começa a sentir a febre do momento. O próprio trabalho que desenvolvi no Corinthians me credenciava para o cargo. Tínhamos sido campeões brasileiros em 2015, batendo todos os recordes e jogando de uma maneira muito bonita. Afora sermos eficientes, agressivos e criativos. O trabalho me credenciou.
O primeiro contato foi feito através de um telefonema ao Edu Gaspar. O Edu me passou a ligação. E aí, sim, houve a possibilidade de uma conversa. O técnico que me antecedia não estava mais no cargo. Então, não era aquela situação de conversar com um treinador e, caso ele aceitasse a proposta, demitiriam quem está no comando.
Sempre tive muito cuidado em relação a isso ao longo de minha carreira. Só existe uma possibilidade profissional quando o cargo está disponível. E assim aconteceu.
Viajei ao Rio de Janeiro para conversar. Não havia acordo. Eu queria saber qual era o projeto da seleção brasileira. No dia seguinte, eu ainda estava em dúvida. Mas naquela mesma tarde, a possibilidade virou real e aceitei o convite.
"MEU TRABALHO NO CORINTHIANS ME CREDENCIAVA PARA ASSUMIR O COMANDO DA SELEÇÃO BRASILEIRA”
A minha maior pressão é perseguir a excelência. Eu sei que nunca irei alcançá-la, mas quanto mais me aproximar dela, melhor. O que é a excelência?
É uma equipe criativa, capaz de fazer gols. É uma equipe que tenha consistência, que seja sólida defensivamente. E que tenha resultados. No futebol, se faltar qualquer um desses três pilares, não será possível alcançar ou se aproximar da excelência. Essa é a grandeza.
Durante as eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018, atingimos um ápice de performance. Um nível extraordinário. Mas, como a seleção só joga a cada dois ou três meses, aprendi que fica muito à mercê das lesões e das condições físicas dos atletas em seus clubes.
Estávamos vivendo um momento mágico. Porém, na fase preparatória ao Mundial, fomos prejudicados pelas lesões de Renato Augusto e Dani Alves. Não tivemos a condição de contar com eles para a continuidade do trabalho.
“A MINHA MAIOR PRESSÃO É PERSEGUIR A EXCELÊNCIA”
Na estreia da Copa do Mundo de 2018, a equipe ficou nervosa a partir do momento que sofreu o gol de empate contra a Suíça. Depois, diante da Costa Rica, criamos inúmeras oportunidades de gol, mas faltou sermos efetivos. Como falei anteriormente, você precisa criar e concluir. Precisa ser efetivo. Transformar isso em resultado.
A vitória veio nos instantes finais do jogo. Foi um aspecto que gostei muito: persistimos e estivemos concentrados até o fim. O 2 a 0 vem no final da partida. Estávamos em um processo de evolução durante a Copa do Mundo.
Vencemos também o terceiro jogo do grupo, contra a Sérvia. Na sequência, fizemos uma partida muito boa nas oitavas diante do México.
Se analisarmos o gol que fizemos contra o México, veremos que eles faziam uma pressão alta, com cinco ou seis jogadores. E a gente sai articulando, com jogo apoiado, tocando no chão e faz um gol daqueles de se apresentar em palestras.
"FOMOS EVOLUINDO DURANTE A COPA DO MUNDO”
Saímos do eixo direito, invertemos para o eixo esquerdo, fragilizamos o adversário e fizemos o gol.
Aos 5 minutos de jogo contra a Bélgica, nas quartas de final, fizemos um ajuste ao posicionamento tático adotado pelo adversário. Atacávamos com seis jogadores, então, quando a Bélgica nos marcava, deixavam o Romelu Lukaku bem aberto pelo lado direito para tentar explorar um contra-ataque às costas do Marcelo.
Kevin De Bruyne ficava centralizado para fazer a ligação com os homens da frente, além de vigiar o Fernandinho. E o Hazard era um outro atacante, pelo lado esquerdo.
Aos 5 minutos, passei o seguinte recado ao Fágner: ‘'Devemos continuar atacando com seis jogadores. Mas tu, Fágner, não sai para o apoio. Fica posicional para pegar esse contra-ataque com o Hazard. O Fernandinho controla o De Bruyne. E o Miranda - como marcamos por setor, não fazemos uma marcação individual -, marca quem estiver em seu setor. Mas o Miranda tinha que ficar atento para cobrir as ações ofensivas do Marcelo.
"NO FUTEBOL, É PRECISO CRIAR E CONCLUIR. SER EFETIVO”
Assim, teríamos superioridade numérica, de quatro jogadores contra três, nas ações de contra-ataque do adversário.
Aquele jogo contra a Bélgica foi extraordinário. Alguns colocam como o melhor jogo da Copa. Não vou ter essa pretensão, mas coloco como top três do Mundial. Pela qualidade técnica, pela organização, pelo talento individual das duas equipes. Se existissem os deuses do futebol, bem que poderiam deixar que o jogo continuasse por mais 30 minutos…
Depois da eliminação, a continuidade no cargo para um técnico da seleção brasileira foi uma quebra de paradigma. Tenho a consciência exata disso. O futebol trabalha em um processo evolutivo, tem seus ciclos e etapas. Eu sei disso.
Assim como tenho consciência que assumi a seleção na metade do trabalho preparatório para a Copa de 2018. Entendo que o trabalho, o ciclo inteiro, deve ser de quatro anos com eliminatórias, Copa América e amistosos. É a essência da preparação. Talvez este tenha sido o maior motivo que me fez aceitar o convite de permanecer na seleção.
“DUAS COISAS FORAM FUNDAMENTAIS PARA A MINHA DECISÃO DE PERMANECER NA SELEÇÃO”
Assumi a equipe em um momento difícil, o Brasil estava na sexta colocação nas eliminatórias e corria o risco de não ir ao Mundial (2018).
Tivemos uma retomada e a equipe criou expectativas pelo seu futebol. E eu também tinha as minhas, de que chegássemos, no mínimo, na semifinal da Copa. Este era o meu objetivo. E a partir daí, dependendo do quanto a equipe estivesse sólida, poderia passar e ser campeã.
Essas eram as etapas que eu tinha na minha cabeça. Independentemente de terem sido apenas dois anos de trabalho. Quando acabou o jogo, o Rogério Caboclo entrou no vestiário e fez o convite. Ele ratificou o convite para eu permanecer na seleção.
Eu respondi que iria a casa, sentar com a minha família e refletir.
Duas coisas foram fundamentais para a minha decisão. A primeira que levei em consideração foi o apoio familiar. Construí uma carreira e me credenciei a uma situação de ser convidado para esse cargo.
E a segunda, não sei se em uma escala de importância igual, foi a minha emoção ao chegar ao aeroporto, na volta da Rússia, e sermos recebidos com aplausos.
"O ÚLTIMO PASSO SERIA GANHAR A COPA DO MUNDO COM O BRASIL"
De certa forma, aquilo massageou toda a dor que estávamos sentindo. Entre sete e dez dias após o convite, aceitei a proposta. Teoricamente, me permiti fazer um trabalho todo, um ciclo completo. E não parcial, como tinha sido anteriormente.
Um dia, estava caminhando com a minha esposa, em nossa rotina matinal de exercícios. E disse a ela que eu basicamente tinha conquistado todos os títulos possíveis em minha carreira. A final da Copa América foi a minha primeira vez como técnico da seleção no Maracanã. É uma coisa emblemática.
O último passo seria ganhar a Copa do Mundo com o Brasil. Tenho orgulho de todos os outros passos que dei na carreira. E sou muito grato aos clubes onde trabalhei. Falei a ela: ‘'Poxa, eu queria ter vencido o título mundial em 2018. Aí, eu parava. Não teria mais o que alcançar. Todas as etapas teriam sido construídas’'. Ela olhou para mim e respondeu: ‘'Talvez não fosse a hora de parar. Tens mais trabalho por fazer em 2022’'.