Xavi hernández
Barcelona, 2021 - Presente
Sempre recordo de uma frase que me disse Johan Cruyff, com quem tive a sorte de ter muita relação em seus últimos anos de vida.
“Olha, Xavi, o mais próximo de ser jogador, é ser técnico”.
E fui por aí.
Fui picado pelo bichinho da tática e comecei a fazer o curso para virar treinador. Já tinha aprendido muitas coisas com diferentes técnicos, tanto em minha etapa nas categorias de base do Barcelona quanto no futebol profissional.
De alguma forma, fui ordenando as minhas ideias e, portanto, posso dizer que agora tenho meu próprio modelo de jogo. Com o qual tento convencer os atletas de que, por esse caminho, é possível jogar bem e alcançar os objetivos.
Algo que o próprio Cruyff conseguiu com grande êxito no Barcelona. Assim como outros três importantes treinadores que tive em minha passagem como jogador do clube.
Frank Rijkaard chegou em uma fase na qual teve início uma mudança completa no clube. Joan Laporta ganhou as eleições presidenciais no verão (europeu) de 2003 e escolheu o holandês como o novo treinador.
Sobre Rijkaard, destacaria muitas virtudes, mas há uma que, para mim, está acima de
todas: seu lado humano. Dá para sentir que é uma pessoa muito próxima emocionalmente, comparável ao que era Vicente del Bosque na seleção espanhola.
"O VESTIÁRIO DE UM TIME GRANDE NÃO É FÁCIL DE GERIR, E FRANK SOUBE FAZÊ-LO COM PERFEIÇÃO"
O que nós, jogadores, definimos como uma ‘unanimidade’.
Porém, não significa que Frank não fosse direto e exigente quando necessário, o fato é que era sempre um cara íntegro. Lidava bem com os atletas e, no fim das contas, reconhecer em seu líder uma boa pessoa é algo prazeroso. Só fortalece o grupo.
Os primeiros meses não foram fáceis para ele. A equipe não conseguia os resultados esperados e havia dúvidas sobre sua capacidade de comandar o Barcelona. De fora, inclusive, falava-se que podia sair a qualquer momento, caso as coisas não melhorassem.
O elenco, como eu dizia, era muito unido. E isso envolvia também o treinador.
“Vamos dar tudo. Primeiro, pelo bem do próprio time, mas também por Rijkaard. Queremos que siga com a gente”. Era consenso dentro do vestiário.
Frank soube liderar um grupo de grandes jogadores. Ronaldinho, Deco, Samuel Eto’o e Rafa Márquez foram incorporados a um elenco que já tinha gente como Víctor Valdés ou Carles Puyol. No geral, o vestiário de um time grande não é exatamente fácil de gerir, mas ele soube levar com perfeição e naturalidade.
Pep Guardiola também chegou em um momento complexo, porque não havíamos ganhado títulos importantes nos dois anos anteriores. E isto, em um clube como o Barcelona, é sempre algo ruim.
Eu conhecia Pep de sua etapa como jogador. Havia sido seu companheiro por várias temporadas. E sem falar nada com ele desde que tinha virado treinador, eu já tinha a sensação de que as coisas sairiam bem.
Era um feeling de que o clube tinha acertado ao contratar Pep.
“NÃO IMAGINO O TIME SEM VOCÊ”, FIQUEI TOTALMENTE CONVENCIDO APÓS OUVIR AS PALAVRAS DE PEP”
Uma pessoa exigente consigo mesma, com os outros e, sobretudo, muito obsessivo no trabalho. Não sei se, alguma vez, deixa escapar qualquer detalhe.
Já era assim como jogador, então, eu imaginava que seria da mesma forma como técnico. Isso somado à sua personalidade para transmitir ideias.
A primeira conversa que tive com o Pep treinador foi na pré-temporada. Pediu aos jogadores que tinham participado da Eurocopa, competição que vencemos com a Espanha em 2008, para se apresentar antes do previsto. Tivemos menos tempo de férias, mas ele queria ter o grupo todo reunido desde o início do trabalho.
Naquele momento, eu estava em dúvida sobre a minha continuidade no Barcelona. Alguns meses antes, havia escutado rumores de que Txiki Begiristain - então, diretor esportivo -, não me queria no clube. Estaria buscando algum interessado na negociação.
Eu me apresentei depois de uma Euro fantástica, fui eleito o melhor jogador da competição.
Naquela primeira conversa com Pep, perguntei sobre como ele me via na equipe. Se eu teria papel importante ou não.
Sua resposta foi bem direta e íntima: “Não imagino o time sem você”.
Assunto encerrado para mim. A partir daquele momento, minha cabeça voltou-se exclusivamente ao Barça. Eu nunca quis trocar de ares enquanto estive no Barcelona. Menos ainda depois de ouvir as palavras de Pep.
“TINHA A SENSAÇÃO DE QUE O TIME FARIA COISAS IMPORTANTES”
Fiquei totalmente convencido. Assim como Pep também estava sobre as mudanças que fazia na equipe. Sua bagagem como jogador do clube lhe dava um peso importante para fazê-las. Além disso, também tinha a bagagem de ter sido técnico do Barça B nos anos anteriores.
No entanto, foi uma surpresa para nós ver como subiu da equipe B Pedro e Sergio Busquets, jogadores que não tinham experiência na Primera División. Mas Pep já sabia identificar quem poderia render e não teve dúvidas de promover esses jogadores.
Rapidamente, entendemos o porquê.
Falando de Busquets, vimos seu talento, sua atuação em espaços curtos, a maneira como protege a bola, como levanta a cabeça... Do Pedro, vimos como atacava os espaços, o timing para buscar a bola ou agredir. O tema era que se tratavam de jogadores, como ocorreu posteriormente com outros, que tinham trabalhado com Pep na equipe B.
Apesar de termos perdido no campo do Numancia na estreia e, na sequência, empatado em casa contra o Racing de Santander, eu tinha a sensação de que o nosso time faria coisas importantes.
“O MOMENTO MAIS ESPECIAL COM PEP FOI NA FINAL DA CHAMPIONS CONTRA O UNITED EM ROMA”
A sensação se devia ao que fazíamos nos treinos, à exigência de Pep e seu modelo de jogo. Tudo isso me fazia prever um Barcelona espetacular.
O que nunca imaginei foi alcançar os seis títulos que conquistamos em um único ano, e todos os demais que vencemos. Além dos resultados, e possivelmente até mais importante, foi a forma como os troféus foram conquistados. Jogamos com um brilhantismo absoluto.
De todos esses grandes momentos que vivemos, o mais especial, para mim, foi na final da Champions League de 2019. Ganhamos do Manchester United por 2 a 0, em Roma, um rival que tinha grandes jogadores, dentre eles, Cristiano Ronaldo.
Cristiano nos gerou problemas nos primeiros minutos, mas depois de conseguirmos trocar uma série de passes pela primeira vez, fomos superiores o tempo todo.
Nos divertíamos em campo.
Também foi assim com Luis Enrique.
Antes do início da temporada, eu já tinha decidido que sairia do Barcelona. Foi o que comuniquei ao presidente, Josep María Bartomeu, e ao então diretor esportivo, Andoni Zubizarreta. E também a Luis.
Pouco depois, estivemos reunidos em sua sala e expliquei que ficaria no clube até dezembro de 2014, antes de me transferir ao New York City, com quem já tinha um acordo.
“TUDO CONSPIROU PARA QUE EU PUDESSE ME DESPEDIR DO BARCELONA LEVANTANDO TODOS OS TROFÉUS”
Assim, ficaria à disposição até o fim do ano e depois poderia me despedir da torcida. Porém, naquela reunião, Luis me pediu para ficar até o fim da temporada.
Suas palavras me convenceram a fazê-lo. Me disse que todos partiam do zero e que eu não jogaria todos os jogos. Luis foi muito claro e direto comigo. Foi, sobretudo, honesto ao me dizer a verdade.
Depois daquela reunião, eu fiquei com a mesma sensação de quando contrataram o Guardiola. "Isso vai dar certo", comentei aos mais próximos.
No fim, foi um ano incrível e tudo conspirou para que eu pudesse me despedir da melhor maneira da torcida, levantando todos os troféus possíveis como capitão: La Liga, a Copa do Rei e a Champions League em Berlim.
Eu já não era tão importante para o time dentro de campo, como pude ser com Frank ou Pep, mas seguia sendo fora das quatro linhas, no vestiário.
Me senti parte de todos os êxitos daquela tríplice coroa.
Com todas essas experiências vividas no Barcelona, cheguei ao Al Sadd para finalizar a minha etapa como jogador. Um último passo que trouxe novas situações para mim. Uma nova competição, novos companheiros.
E também a efetivação como treinador.
“JOHAN TINHA RAZÃO: O MAIS PRÓXIMO DE SER JOGADOR, É SER TÉCNICO”
Acredito que o Al Sadd foi o lugar ideal para começar. Aprendi, testei e acumeli muitíssimas experiências.
Agradeço ao clube por ter confiado em um treinador que começava do zero. Um clube grande, como é o Al Sadd, no Catar.
Algo que nem sempre é fácil.
Esse tempo serviu para que eu me desse conta de que Johan tinha razão: é verdade que o mais próximo de ser jogador, é ser técnico.
Eu gosto e me divirto.
Afinal, está no meu DNA.