Unai Emery
Villarreal, 2020-Presente
“Você gostaria de ganhar a Champions League, certo?”, me perguntou Sir Alex Ferguson.
Isso foi em 2014. Estava em Nyon, na Suíça, em uma das reuniões que a Uefa organiza em sua sede com a presença de vários treinadores (abaixo). E me haviam convidado para dar uma palestra sobre a Liga Europa.
A minha relação com a competição começou quando ainda se chamava Copa da Uefa, na temporada 2008/09. O Valencia me deu a primeira oportunidade de disputá-la.
E, depois, passou a processo de mudança de nome e virou Liga Europa. Primeiramente, dando acesso a times de ligas europeias mais modestas - acredito que esta foi uma decisão acertada da Uefa - e, depois, a passou a ser não apenas a possibilidade de conquistar um título europeu, mas também a chance de ganhar uma vaga na Liga dos Campeões.
Dos três títulos com o Sevilla, o primeiro foi especialmente bonito pelas circunstâncias que se deram pelo caminho. Tudo começou em janeiro da temporada anterior, quando cheguei ao clube.
Tínhamos uma diferença de pontos considerável em relação aos adversários que ocupavam a zona de classificação à Liga Europa. E não conseguimos ficar com uma das vagas ao fim do campeonato espanhol. Mas obtivemos o direito de disputar a competição por causa do critério do fair play financeiro, já que dois clubes que haviam terminado na nossa frente - Málaga e Rayo Vallecano - perderam suas vagas por esta razão.
“A minha relação com a competição começou quando ainda se chamava Copa da Uefa, na temporada 2008/09”
Nossa vaga veio de uma maneira circunstancial, mas sentíamos que estávamos preparados para disputar a competição. As eliminatórias preliminares à fase de grupos foram disputadas no começo de agosto. Jogar futebol em pleno verão de Sevilha! Primeiro, encaramos o OFK Titograd, de Montenegro; na sequência, veio o Slask Wroclaw, da Polônia.
Duas eliminatórias em meio a pré-temporada, com muitas trocas no elenco, com chegadas e saídas de jogadores, mas que conseguimos superar sem sustos.
Sempre há momentos memoráveis quando se conquista um título. Mas houve um que me marcou especialmente naquela campanha. Fomos jogar em Portugal contra o Estoril, e mais de 4.000 torcedores viajaram para nos prestigiar (acima). Algo inimaginável porque era apenas a primeira rodada da fase de grupos.
Foi aí que entendi pela primeira vez o tamanho da importância da Liga Europa para o sevillistas. O clube já tinha sido campeão do torneio em duas oportunidades sob os comandos de Juande Ramos. E os torcedores pegaram gosto pelo título continental.
Foi uma campanha muito saborosa, mas que contou com enormes dificuldades. E você precisa estar preparado para superá-las. Foi o que fizemos com todos os tipos de adversidades que encontramos nas eliminatórias. Algumas delas, quase impossíveis de acreditar.
A derrota por 2 a 0 para o Betis no jogo de ida das oitavas de final foi um momento muito difícil porque perdemos no Sánchez Pizjuán. Com o resultado adverso em casa, quase todo mundo achava que estávamos eliminados. Ainda mais por se tratar de uma competição europeia. Não é comum virar resultados assim como visitante. Mas o nosso time acreditava que teríamos oportunidade de fazê-lo no Benito Villamarín.
Tudo passava por fazer um bom jogo e tirar proveito de momentos pontuais. O primeiro gol, marcado por José Antonio Reyes (acima), nos colocou de volta na eliminatória. A partir daquele momento, mudava o cenário, pois sabíamos que faltava um golzinho para empatarmos a disputa e, se conseguíssemos fazer mais dois gols, poderíamos até tomar um que a vaga seria nossa.
Fizemos o segundo gol com Carlos Bacca faltando quinze minutos para o fim da partida. Mas não conseguimos fazer o terceiro. Então, a eliminatória foi para a prorrogação e terminou na disputa de pênaltis.
“Superamos todos os tipos de adversidades nas eliminatórias. Algumas delas, quase impossíveis de acreditar”
Os pênaltis sempre envolvem uma série de circunstâncias. Naquele caso, tratava-se simplesmente do clássico de Sevilha numa competição europeia. Uma das circunstâncias, em especial, acabou por ser decisiva: nós tínhamos Beto no gol. Um goleiro que cresce nessas situações. Ele foi fundamental para que superássemos aquele mata-mata tão complicado.
O adversário seguinte foi o Porto. E começamos a ganhar a eliminatória no vestiário do estádio do Dragão. Tínhamos perdido o jogo por 1 a 0. Logo após a partida, os jogadores fizeram um pacto: “No Sánchez Pizjuán será diferente. Ao lado de nossa torcida, seremos capazes de dobrar nossos esforços para virar a eliminatória”. O que aconteceu em casa foi espetacular. Com meia hora de jogo vencíamos por 3 a 0. A partida terminou 4 a 1. Foi uma apresentação completa.
Um novo adversário espanhol, o Valencia, apareceu em nosso caminho na semifinal. Um confronto complicadíssimo contra uma equipe com experiência em disputar finais europeias. Eles, claro, entendiam que tinham uma grande oportunidade de vencer a Liga Europa.
Construímos com muito esforço a vitória por 2 a 0 em nossa casa. Funcionou o plano de não sofrer gol. Só que na volta, no estádio Mestalla, eles demonstraram muita força e chegaram a fazer 3 a 0.
Com aquela vantagem no placar, acredito que eles se sentiam superiores e próximos da classificação. Nós encontrávamos muita dificuldade para chegar perto do gol adversário. Tínhamos criado uma única chance, com o Reyes, ainda no primeiro tempo.
Mas sabíamos que um gol nos classificaria.
E fazer um gol, mesmo quando as coisas não estão saindo como o planejado, pode acontecer de muitas maneiras. Numa falta, num lance individual, num escanteio ou até depois de um arremesso lateral... Foi assim que aconteceu. Nos instantes finais da partida, colocamos em campo jogadores com qualidade no jogo aéreo. Federico Fazio deu a casquinha depois da cobrança do lateral, e Stéphane Mbia fez o gol da classificação.
Nos jogos eliminatórios, muitas vezes, há uma linha tênue entre o êxito e o fracasso. Daquela vez, calhou ao Sevilla ficar do melhor lado dessa linha e avançar à final.
O adversário foi o Benfica, comandado por Jorge Jesus (acima). Nós sentíamos que eles acreditavam ser os favoritos. Um clube histórico, acostumado a ganhar títulos, inclusive continentais. Talvez aquela ideia deles de favoritismo nos permitiu levar o jogo de um jeito que nos agradava. Acabou por ser um jogo equilibrado, com oportunidades de ambos os lados, e que terminou empatado depois de 120 minutos.
A exemplo do que tinha acontecido contra o Betis, a decisão foi nos pênaltis. E mais uma vez, éramos nós que podíamos contar com Beto (acima). Ele, aliás, tinha algumas revanches pessoais para acertar com o Benfica.
Uma motivação extra, somada às informações que recebia de Javi García (preparador de goleiros) sobre os batedores do time poruguês. Tudo isso fazia com que Beto se sentisse mais forte. E ele defendeu duas das quatro cobranças. Nós acertamos todas, nos pés de Bacca, Mbia, Coke e Kevin Gameiro.
“Nos jogos eliminatórios, muitas vezes, há uma linha tênue entre o êxito e o fracasso”
Eu vivo tudo com muita intensidade e dedicação. Quando você começa a trabalhar como técnico, vai dando passos sem se dar conta ou sem parar para pensar no que aconteceu ontem. Vai trabalhando e evoluindo no dia a dia. E, assim, me encontrei no gramado do estádio da Juventus - palco da final - com a taça de campeão.
Nessas horas, você se pergunta: “Qual foi o momento mais bonito?” Então, você se dá conta de que o melhor não é exatamente a parte final da trajetória. O melhor é tudo o que foi vivido para que o final fosse possível. Os bons e maus momentos, a relação com os jogadores, o apoio da torcida a cada partida...
No segundo título, não vivemos situações tão dramáticas quanto no primeiro. Mas enfrentamos rivais poderosos.
Na fase anterior às oitavas, pegamos o Borussia Mönchengladbach, que era um dos favoritos ao título. Nas quartas de final, encaramos o Zenit. Na semifinal, contra a Fiorentina, repetimos o que havíamos feito nas oitavas diante do Villarreal: vencemos os dois jogos.
Ao contrário do que tinha acontecido em 2014, agora chegávamos à decisão como favoritos. Mesmo que não se conhecesse tanto o Dnipro, estava fresco na memória o que tinham acabado de fazer nas semifinais contra o Napoli. Os italianos eram os favoritos não apenas para passar pela semifinal, mas também para ganhar o título, mas foram surpreendidos pela equipe ucraniana.
O aviso estava dado: “Temos que respeitá-los e, se quisermos vencê-los, é preciso entender que eles têm um time forte, com ótimos jogadores e precisamos estar preparados para isso”. A surpresa de encarar um rival que pouca gente conhecia não poderia ser maior do que a nossa exigência. E assim fizemos.
Foi um jogo duro, saímos atrás no placar, mas as experiências vividas na campanha do primeiro título nos ajudavam a lidar com esse tipo de situação. Além disso, tínhamos uma frase que virou nosso mantra naquela campanha: “Ninguém pode querer mais do que nós vencer esta Liga Europa”.
Era o que colocávamos em nossa mente dentro do vestiário e tentávamos transmitir o sentimento também para fora. De alguma maneira, tínhamos transformado a competição em nossa.
“A Liga Europa é um lugar onde muitos treinadores encontram uma via para crescer e fazer coisas importantes”
Por isso, quando voltamos a disputá-la na edição de nosso terceiro título, depois de termos sido eliminados na fase de grupos da Champions League - numa chave com Manchester City, Juventus e Borussia Mönchengladbach - não foi nenhuma decepção para nós.
“Esta competição já nos deu grandes alegrias e temos que lutar pelo título outra vez. E, sobretudo, mentalizar: precisamos ser competitivos”. Foi a mensagem ao elenco para que o novo objetivo europeu entrasse em vigor imediatamente.
A final daquela vez foi contra um rival muito especial, o Liverpool (acima). Tanto para eles quanto para nós, era preciso ser campeão para estar envolvido na próxima Liga dos Campeões. Eles não tinham conseguido a vaga via Premier League. Toda competição tem o seu valor, assim como todo adversário. Mas, claro, enfrentar o Liverpool, clube de tanta tradição, era incrível.
Eles começaram muito bem e nos fizeram sofrer muito no primeiro tempo. E abriram o placar com Daniel Sturridge antes do intervalo.
Mas a Liga Europa era a nossa competição. Ninguém tinha mais vontade de vencê-la do que nós.
Como respondi a Ferguson naquela reunião de treinadores, claro que eu gostaria de ganhar uma Champions League. Todos os técnicos sonham com vencê-la um dia.
Mas a Liga Europa também é um lugar onde muitos clubes, jogadores e treinadores encontram uma via para crescer e fazer coisas importantes. Foi o meu caso.
Pude participar dos três títulos consecutivos do Sevilla. Mas também experimentei o outro lado da moeda: ao perder uma final com o Arsenal diante do Chelsea. Experiências antagônicas, mas que igualmente trouxeram aprendizados.
Esta competição, que reencontro novamente agora, já me proporcionou muita coisa.
Redacción: Héctor Riazuelo