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Ir com tudo

The Coaches' Voice
Ir com tudo
Álex Caparrós
Redacción
The Coaches' Voice
Publicado el
marzo 31 2022

jordi cruyff

Diretor Esportivo, FC Barcelona, 2021-presente

Tenho a sorte de poder recorrer à influência de duas lendas do futebol.

Em tudo o que faço, meu pai, Johan Cruyff, e Sir Alex Ferguson estão muito presentes. Sobretudo quando se trata de gestão de pessoas, ambos me vêm à mente.

Eles me ensinaram que nem sempre se pode resolver dois problemas da mesma maneira. É preciso notar a diferença de jogador para jogador, de ego a ego, porque cada um responde de uma forma.  

O mesmo ocorre durante os jogos quando se precisa tomar uma decisão. Como, por exemplo, fazer uma substituição. Quando começo a duvidar de mim mesmo, sempre penso: “O que faria meu pai neste momento?”.

Então, quando tomo uma decisão, vou por ele. Como ele fez.

Jordi Cruyff tem seu pai, Johan, muito presente. Alex Caparrós.

Essa convicção é realmente importante e, para mim, vem dele. 

Desde muito cedo, tive que pensar no dia em que minha carreira futebolística chegaria ao fim.

A partir dos 30 anos, meu corpo começou a falhar. Meus joelhos iam em direções diferentes! 

Muitos jogadores já sabem aos 32, 33 ou 34 anos que querem ser treinadores de futebol. No meu caso, foi um pouco diferente. 

“AMO O FUTEBOL E AMO DEBATER IDEIAS. GOSTO DE ESTAR CERCADO DE GENTE QUE NEM SEMPRE ESTÁ DE ACORDO CONTIGO”

Estudei administração de empresas para o caso de querer seguir esse caminho. Mas também tirei os cursos de treinador. Aos 36 anos, decidi tentar a sorte como técnico numa última aventura. 

Acumulei as funções de jogador e auxiliar-técnico no Valletta de Malta, mas não demorei para perceber que, naquele momento da minha vida, não era o que queria.  

Eu amo o futebol e amo debater ideias. Gosto de estar cercado de gente que sabe o que faz; gente que nem sempre está de acordo contigo, e que tem pontos de vistas diferentes e opiniões firmes. 

Portanto, o papel de diretor esportivo era um encaixe perfeito. 

Jordi Cruyff na Manchester United
Jordi Cruyff teve uma passagem pelo Manchester United, entre 1996 e 2000. Clive Brunskill/Allsport

Passei dois anos como diretor esportivo do AEK Larnaca, no Chipre, e depois estive cinco anos no Maccabi Tel Aviv, entre 2012 e 2017.

Tinha como função assessorar e estabelecer a cultura do clube; quase como se fosse o DNA do clube, e o estilo de jogo que queríamos por em prática. Trabalhava com o proprietário para decidir o que queríamos que fosse o clube. 

No Maccabi Tel Aviv, sabíamos que um técnico nosso poderia acabar em uma liga maior se fizesse um bom trabalho. Assim, tínhamos que pensar sempre a curto prazo. 

Tentávamos criar uma cultura de resultados imediatos. Também tentávamos comprar jogadores jovens e vendê-los a clubes maiores.  

Sempre fui muito direto com os treinadores. Dizia que necessitávamos de resultados a curto prazo, o que acabaria por ser um trampolim para eles. 

Ao mesmo tempo, meu trabalho também consistia em pensar antecipadamente a seguinte etapa para o clube. Se tivéssemos um jogador jovem, que achássemos que poderia alcançar a equipe principal em seis meses, não iríamos contratar alguém que pudesse bloquear seu caminho, sobretudo se fosse necessário desembolsar uma alta quantia.  

Pude supervisionar os treinamentos, ver como os treinadores preparavam as partidas, analisar as emoções dos jogadores e como reagiam às diferentes interações. Compartilhava as minhas reflexões sobre a parte tática e mantinha um diálogo muito aberto com o técnico. 

Porém, havia uma linha que eu me policiava para não cruzar. O treinador era o responsável pelo time e por tudo que envolvia a parte de campo. Mas se uma de suas decisões pudesse afetar o futuro do clube a longo prazo, era a hora de interferir.  

Atualmente, Jordi Cruyff é diretor esportivo do FC Barcelona.
Atualmente, Jordi Cruyff é diretor esportivo do FC Barcelona.  Álex Caparrós

Hoje em dia, falta paciência no futebol. Com isso, fica impossível não pensar a curto prazo. Mas o papel do diretor esportivo é administrar as ambições a curto, médio e longo prazos. É importante encontrar um terreno comum em que todos estejam contentes. 

Ficou muito claro para mim a importância de ter uma boa equipe à sua volta. A discussão e o debate são realmente benéficos. 

Trabalhar de perto com os proprietários dos clubes de futebol - pessoas que não necessariamente são especialistas em futebol, mas que são empresários bem sucedidos - também me ensinou muita coisa. Em particular, ampliou a minha experiência de aprendizagem. 

Como atleta, também tive experiências bem variadas. Tive a sorte de jogar no Barcelona e no Manchester United, dois clubes absolutamente dominadores, tanto dentro como fora de campo. 

“O PROPIETÁRIO DO MACCABI TEL AVIV QUERIA QUE EU SEGUISSE COMO TÉCNICO, MAS NÃO ERA O QUE EU BUSCAVA NAQUELE MOMENTO” 

Com eles, não era tanto uma questão de se iríamos ganhar; era mais uma questão de quanto ganharíamos. 

Havia tanta qualidade nos elencos que sempre estávamos lutando pelos títulos, e ganhávamos a maioria dos jogos. 

Depois, tive uma experiência bem diferente no Alavés. Éramos uma equipe modesta; que precisava se esforçar simplesmente para tentar frear os adversários maiores, antes de pensar em como feri-los. 

Enquanto conseguíamos segurar o 0 a 0 contra um desses rivais, as jogadas de bola paradas ganhavam uma importância enorme. Como tirar proveito delas para conseguir o resultado?

Jordi Cruyff fez parte do Deportivo Alavés que jogou a final da Copa da Uefa em 2001.
Jordi Cruyff fez parte do Deportivo Alavés que jogou a final da Copa da Uefa em 2001. Gary M Prior/Allsport

Ali, o futebol era diferente - se tratava de se proteger a maior parte do tempo -, mas, mesmo assim, me diverti muito. E foi importante para o meu crescimento estar do outro lado do jogo. Estar numa equipe que sofre. 

Creio que o fato de ter vivido essas experiências como jogador e depois como diretor esportivo - o que me permitiu entender como pensam os clubes e como administrar as expectativas a médio e longo prazos - me preparou para voltar a ser treinador. 

Eu já tinha concluído os cursos de treinador, portanto talvez fosse algo que estivesse no fundo da minha mente. Mas eu os tinha feito muito anos antes e não pensava em voltar a treinar. 

No papel de diretor esportivo, podia entender os treinadores e conversar com eles. No fim das contas, eu tinha a mesma formação que eles. Porém, é importante entender onde estão os limites de um diretor esportivo e dar ao técnico o espaço para trabalhar. 

“SEMPRE GOSTEI DE ME ATIRAR A NOVOS DESAFIOS ”

Corria o ano de 2017, quando as coisas não iam bem para o treinador do Maccabi Tel Aviv, o ex-atacante do Ajax e do Rangers, Shota Arveladze. Chegávamos a um período intenso, com oito ou nove jogos em questão de semanas. 

O proprietário decidiu fazer uma troca, mas não queria trazer alguém novo, que precisasse de um período de adaptação. Então, me pediu para que eu assumisse o cargo. 

Francamente, tudo correu bem. Dos novos jogos que comandei, ganhamos oito e empatamos o outro. 

O proprietário queria que eu seguisse como técnico, mas não era o que eu buscava naquele momento. O nosso acordo era por aquelas nove partidas, e isso era tudo o que estava disposto a fazer. Sempre disse a mim mesmo: nunca substitua um técnico ocupando você mesmo a cadeira vaga. Não é o correto. Traz uma energia negativa. 

A influência de seu pai e de Sir Alex Ferguson é evidente em Jordi Cruyff. Álex Caparrós.

Mas o meu substituto, Lito Vidigal, teve dificuldades, então o proprietário voltou a recorrer a mim. Em 2017, aceitei ficar no comando por uma - apenas uma - temporada como treinador. 

Fazia muito tempo que estava no Maccabi Tel Aviv. Meu pai tinha falecido em 2016, então, de repente, senti que era muito mais importante estar perto de minha mãe e de meus filhos. Depois daquela temporada, dei por encerrada a minha etapa em Israel. Necessitava voltar a Barcelona para me renovar.

Levei um tempo para falar com outros treinadores, outros diretores esportivos, para compartir ideias e falar de métodos. O futebol não para de mudar, então é fundamental estar atualizado sempre que possível. 

É importante manter o impulso de seguir melhorando, ter a mente aberta e aprender como os outros fazem as coisas, como resolvem os problemas. E tive a oportunidade de aprender em meu tempo livre.

Mas, então, recebi uma ligação do Chongqing, clube da Superliga chinesa, por meio de Antonio Cordón - quem estava à frente da estratégia esportiva da empresa proprietária desse clube e do Granada -, com uma proposta muito boa. Sempre gostei da ideia de assumir novos e misteriosos desafios, então me atirei a este também. 

“SEMPRE FUI COMPREENSIVO COM OS JOGADORES, PORQUE EU MESMO FUI UM JOGADOR JOVEM E TAMBÉM COMETI ERROS”

Quando cheguei, me dei conta do quão grande era o desafio. A equipe só tinha somado cinco dos 27 pontos possíveis, e havia uma dinâmica negativa. Tinha que falar com a maioria dos jogadores através de um tradutor porque ninguém falava inglês. E eu não conhecia ninguém. Mas consegui superar esse desafio. Conseguimos nos recuperar na temporada, o que me deu muita confiança para seguir adiante como treinador. 

Aquilo me levou ao posto de selecionador do Equador, proposta que uma vez mais chegou através de Antonio Cordón, que tinha assumido o cargo de diretor de futebol da Federação Equatoriana de Futebol. Porém, a experiência foi interrompida pela pandemia global e não jogamos nenhuma partida. Na sequência, recebi outra ligação da China, desta vez do Shenzhen FC.

Sentia falta da emoção de treinar todos os dias, de jogar a cada três ou quatro dias. Gosto da intensidade. E foi outra experiência que muito me ensinou. 

Comandar uma equipe é uma viagem interminável de novas experiências, e sempre gostei de me atirar a novos desafios. Cada vez que surgiu a oportunidade de aprender algo novo, eu a aproveitei. 

Jordi Cruyff em uma atividade com o FC Barcelona, clube que voltou a integrar no fim de 2021. David Ramos/Getty Images


Em geral, sempre quis aprender de todos os lados da mesa. Como diretor esportivo, sempre fui compreensivo com os jogadores porque eu mesmo fui um jogador jovem e também cometi erros. É bom ser compreensivo, mas também é preciso proteger os interesses do clube. Não se trata apenas do que você sabe de bola, mas também de como você administra um vestiário. 

Hoje em dia, os clubes buscam um diretor ou um treinador que também saiba dirigir um grupo numeroso de jogadores e staff para convencê-los e conseguir que remem na mesma direção. Como diretor esportivo, há muitas semelhanças: você deve criar um bom ambiente de trabalho; cada um tem sua própria especialidade, mas todos seguem um objetivo comum, que é a estratégia do clube. 

Creio que minhas experiências como diretor esportivo me ajudaram muito como treinador. E que a minha experiência como técnico poderia eventualmente me ajudar caso decida retomar a função um dia. 

Tudo que fiz é parte de um processo de aprendizagem. Do gramado ao vestiário, passando pela sala da diretoria, tudo me ajudou. 

Não sou bom em planejar o futuro. Simplesmente, encaro a vida como ela vem, e trato de aprender com cada oportunidade. Nunca se sabe aonde a vida te levará - e o futebol -, então, tento manter a mente sempre aberta. 

E, sobretudo, trato de desfrutar cada dia.