JUAN CARLOS UNZUÉ
Faço parte de um time no qual somos 4.000 apenas na Espanha. A cada dia, unem-se a nós em torno de três, mas nos deixam outros três.
Tive que deixar de trabalhar com aquilo que tinha sido a minha vida: o futebol. Agora, dou sentido à vida de uma forma bem diferente: trazendo visibilidade à Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA); tento conscientizar as pessoas do que se trata esta doença, quais consequências traz e qual situação estamos, nós, os pacientes.
Uma nova função que, na medida do possível, vivo com a maior intensidade e entusiasmo.
A minha primeira visita ao neurologista foi em 2015, quando retornei ao Barcelona como auxiliar de Luis Enrique. Com a bicicleta, meu grande hobby, colocava muita intensidade em meu corpo e as cãibras que sentia ao pedalar também apareciam pela noite.
Quando o corpo relaxava, meu sistema nervoso seguia ativo e gerava espasmos. Era mais uma questão de desconforto, porque você não consegue descansar como gostaria.
Essa sensação de espasmos durante as noites durou cerca de três anos.

Em janeiro de 2018, já como treinador do Celta de Vigo, saí uma tarde para andar de bicicleta e houve um momento que meu corpo e minha cabeça começaram a pedir descanso. Uma sensação de moleza, de falta de força física.
Foi, então, que comecei a me preocupar. Sobretudo ao fim da temporada. Não sentia uma evolução nas pedaladas por mais esforço que eu fizesse.
Em julho daquele ano, meu médico seguiu com o monitoramento e surgiu o primeiro sintoma visível: um dedo da mão esquerda ia em outra velocidade e perdeu a mobilidade. O doutor me disse que não tinha relação com uma queda da bicicleta que sofri pouco antes. Ele avisou que fazia parte do processo.
O diagnóstico se confirmou em 2019.
“AGORA, DOU SENTIDO À VIDA DE UMA FORMA BEM DIFERENTE: TRAZENDO VISIBILIDADE À 'ELA'”.
O processo seguinte foi muito rápido. Eu estava convencido de que não iria ficar quieto, apenas me lamentando da situação. Isso nunca passou pela minha cabeça.
Busquei informações sobre a situação da ELA na Espanha e decidi que teria que dar um novo sentido à minha vida. Ajudar a trazer visibilidade à doença e explicar qual é a crua realidade da maioria de meus companheiros de equipe.
Afinal, não queria que as pessoas passassem pelo que passei no dia do diagnóstico. Ou seja, que a ELA fosse desconhecida, quase invisível.
Sabia que o esporte e o fato de ter sido uma pessoa mais ou menos pública dariam a mim uma voz para, através dos meios de comunicação, jogar luz nessa doença e conscientizar as pessoas.

Com a decisão tomada, fui comunicá-la à minha mulher. Depois de apresentar meus argumentos, ela, como sempre fez durante a minha carreira esportiva, me apoiou e virou aliada. Estava mais decidida do que nunca.
Faltava apenas saber como e onde faríamos para divulgar as informações sobre a doença.
Decidi que seria no Barcelona, porque era a cidade que vivia e tinha integrado o clube durante 13 anos de minha vida futebolística.
“ESTAVA CONVENCIDO DE QUE NÃO IRIA FICAR QUIETO, ME LAMENTANDO DA SITUAÇÃO”
Quando revelei ao clube a minha intenção e a ideia de executá-la ali, ouvi um “sim” do Barcelona, que deixou clara sua vontade de me apoiar em tudo o que fosse necessário. Esse apoio segue até hoje, em tudo o que preciso. Creio que é uma boa forma de colocar em prática o lema do Barcelona:
'Mais que um clube'!

Mas, nessa caminhada, não recebi somente o apoio do Barcelona. Estou muito feliz da ajuda que tive das equipes que joguei e trabalhei como treinador. Osasuna, Sevilla, Tenerife, Oviedo, Numancia, Racing de Santander, Celta de Vigo e Girona. Vivi momentos emocionantes com esses clubes enquanto profissional do futebol e, agora, eles têm me ajudado em minha nova missão. Recebi apoio também de antigos rivais, sobretudo quando tornei público o meu estado de saúde.
Isso mostra que o futebol vai além de treinar e jogar partidas. Há respeito pelas pessoas e isto é uma boa mensagem.
Também sou muito grato à imprensa por dar continuidade ao meu objetivo e não ter focado apenas no impacto da notícia da minha doença.
“OUVI UM “SIM” DO BARÇA, QUE DEIXOU CLARA SUA VONTADE DE ME APOIAR EM TUDO O QUE FOSSE NECESSÁRIO; ASSIM COMO TODOS OS CLUBES QUE JOGUEI E TREINEI”
Nesta equipe que faço parte, conheci muitos companheiros e pedi que dissessem, com suas experiências pessoais, quais eram os problemas e as reivindicações prioritárias.
Infelizmente, há muitas necessidades. A mais urgente é que se invistam mais recursos públicos para a investigação da ELA e que se encontre a cura. Esta é a solução.
Mas também é preciso sublinhar as dificuldades econômicas que muitos de meus companheiros enfrentam para darem prosseguimento ao tratamento. Por sorte, a minha carreira esportiva me proporciona uma situação econômica favorável para encarar a doença. Não é assim para todos.

Por isso, tento conseguir recursos através de palestras, eventos esportivos e outros projetos que aparecem. E faço doações à associação ou fundação dedicada aos cuidados dos doentes na comunidade onde o evento acontece.
De algum modo, sinto que minha experiência como treinador tem me ajudado nesta nova missão.
Quando era treinador de goleiros, tive a sorte de trabalhar com Frank Rijkaard e Pep Guardiola. E, depois, como auxiliar-técnico de Luis Enrique. Integrei vestiários repletos de garotos fantásticos. Além de muito ambiciosos.
"SINTO QUE MINHA EXPERIÊNCIA COMO TREINADOR TEM ME AJUDADO NESTA NOVA MISSÃO”
Especialmente, a partir da temporada 2008-2009, quando o Barça ganhou aqueles seis títulos. Vi uma equipe que queria ganhar. E queria ganhar jogando bem, não de qualquer maneira. Queria dar espetáculo.
O maior problema de lidar com esses jogadores é que, por serem tão ambiciosos, acabavam dificultando o trabalho no dia a dia. Explico: eles queriam ganhar cada exercício que dávamos nos treinos.
Isso é ouro para a sociedade. É uma mensagem para todos.

Como treinador, que vive essa situação, há momentos que você precisar ser capaz de confiar e transmitir essa confiança aos seus jogadores. E outros momentos que os atletas precisam ser cobrados.
É exatamente o que tento transmitir aos meus atuais companheiros de equipe. Temos que transmitir confiança de que conseguiremos o objetivo de dar visibilidade à ELA e mudar o rumo das coisas. Mas, para isso, temos que fazer cobranças duras. Não podemos perder tempo contra essa doença.
Desde o princípio, creio que tem uma palavra-chave para mim: aceitação. Aceitar que trata-se de algo que não posso controlar, nem mudar. Assim é o meu diagnóstico de ELA. Faz parte da minha vida, como fizeram outros momentos complicados e muitos de êxito durante a minha trajetória.
"ESTE TIME TEM UM GRANDE OBJETIVO A CONQUISTAR”
Sempre fui uma pessoa otimista e positiva. Por regra, quando surge uma situação nova, costumo pensar nas coisas que posso fazer e não nas que não posso.
E posso assegurar que dá para desfrutar a vida de muitas maneiras e sempre vale a pena fazê-lo. Mesmo considerando as limitações que a ELA me traz. Aceitei a minha situação. Não imaginava que me sentiria feliz numa cadeira de rodas.

Esta maneira de ver as coisas também me ajuda a superar os momentos ruins, porque todos os pacientes de ELA acabam caindo em algum momento. Só que se você não se levanta, a doença te atropela.
A minha experiência no futebol profissional me ajudou a crescer de maneira mais rápida e a me levantar.
Não quero gerar tristeza. Quero transmitir a ideia de que, apesar das dificuldades, vale a pena viver a vida. E há muitas formas de desfrutá-la.
Este time tem um grande objetivo a conquistar. E não tenha dúvidas que lutaremos por ele até o fim.
