Portugués 10 min read

Compromisso e convicção

The Coaches' Voice en español
Compromisso e convicção
Getty Images
Redacción
The Coaches' Voice en español
Publicado el
marzo 11 2022

Jesse marsch

Leeds United, 2022

Para ser franco, quando conheci Ralf Rangnick não sabia muita coisa sobre ele. 

O encontro se deu em minha entrevista para o cargo de treinador principal do New York Red Bulls.

Gérard Houllier também estava presente. Eu conhecia Gérard porque tinha monitorado seu trabalho no Liverpool e no Paris Saint-Germain. 

Passei boa parte da entrevista me dirigindo a Gérard, lhe contando as minhas ideias sobre futebol. 

Mas quando Ralf e eu começamos a conversar, as coisas esquentaram. Quase vira uma discussão!  

Ralf Ragnick - Jesse Marsch
Karina Hessland-Wissel/Bongarts/Getty Images

Saí da entrevista me questionando sobre o que tinha acabado de fazer. Pensei que depois daquilo, não haveria hipótese de conseguir o emprego. 

Mais tarde, porém, recebi uma ligação do presidente do clube. “Ralf ficou encantado contigo”, disse.

Eu não podia acreditar. Ele tinha ficado impressionado com o meu entusiasmo e minha paixão. E me escolheram para o cargo. 

“A INTENSIDADE QUE RALF EXIGE DE SEUS JOGADORES É CONTAGIOSA"

Resultou que Ralf e eu tínhamos pontos de vistas muito parecidos sobre a pressão pós-perda de bola e as transições. Ter tido a chance de conhecê-lo naquele momento me proporcionou uma visão mais detalhada do jogo. Além de uma forma mais aprofundada de pensar o futebol. 

Ele passou a ter uma grande influência sobre mim e minha filosofia. 

Não me surpreende que tantos treinadores vitoriosos -  como Thomas Tuchel, Ralph Hasenhüttl, Jürgen Klopp e Julian Nagelsmann – tenham bebido da fonte de Ralf. 

A intensidade que exige de seus jogadores é contagiosa. Seu estilo moderno de futebol tem causado um impacto enorme em muitos clubes e treinadores na Alemanha.  

Thomas Tuchel - Jesse Marsch
Dean Mouhtaropoulos/Getty Images

Mas todo mundo teve que interpretar as ideias à sua própria maneira. E comigo não foi diferente. 

O primeiro aspecto de minha filosofia é conseguir que os jogadores se convençam de minhas ideias. O que chamo de “criar uma convicção interna”.

Para criá-la, apresento meus detalhes táticos da maneira mais simples possível. Ralf me ensinou que é importante manter o vocabulário e as ideias em uma forma simples. Isto é, evitar complicar as coisas sem necessidade. 

Quanto mais haja um entendimento comum desses detalhes entre os jogadores, mais fácil será para que ponham as ideias em prática. “O êxito é a soma dos detalhes", dizia Harvey S. Firestone, um inventor estadunidense do século XIX. Gosto muito desta frase e a utilizo com meus jogadores.

"TODO JOGADOR QUE PRESSIONA PRECISA CONFIAR QUE HÁ OUTROS POR TRÁS DELE”

Uma ideia-chave para minha forma de jogar é: pressionar para fazer gols. Não pensar na posse quando tens a bola, mas pensar em como levá-la à frente e fazer o gol o mais rápido possível. 

Eu uso um acrônimo (S.A.R.D., que vem do alemão) para tentar detalhar as minhas ideias para os jogadores.

O ‘S’ vem de sprinting. Como todo técnico, quero que meus atletas corram bastante e cubram muito terreno. Mas, para mim, o mais importante é como e quando correr. É muito importante fazê-lo quando estamos pressionando. Frequentemente, damos o dobro de sprints quando estamos sem bola do que quando temos a posse. 

Jessie Marsch na Red Bull Salzburg
Andreas Schaad/Getty Images

O ‘A’ vem de alle gemeinsam (todos juntos). Nossa pressão é orientada mais à bola do que ao homem, portanto quando começamos a atacar a bola, sempre o fazemos juntos. Todo jogador que pressiona a bola precisa confiar que haverá outros por trás dele. 

Na prática, pode significar que tenhamos cinco jogadores pressionando apenas dois ou três rivais, e que fiquem adversários livres do lado contrário da ação. Mas a minha convicção é que se trata de um risco que vale a pena assumir pelas potenciais recompensas. Se podemos cercar alguns rivais, fica difícil que consigam inverter a jogada para o lado de seus companheiros desmarcados. 

O ‘R’ vem de reingehen (entrar). Este é um compromisso com atacar a bola, tentar ganhá-la e percorrer todo o caminho. 

Não quero que meus jogadores detenham-se a um metro de seu oponente e se preocupem em bloquear linhas de passe ou ser superados. Quando vamos até o fim, e todos juntos, as possibilidades de obter êxito - de recuperar a bola e marcar um gol - são muito mais altas. 

"NO SALZBURG, VIREI MOTIVO DE CHACOTA DE TANTO USAR A PALAVRA ‘MENTALIDADE'"

A última letra, o ‘D’, vem de dazukommen. Esta é a segunda onda da pressão. Cada onda individual de nossa pressão tem que ser respaldada por outra ronda de jogadores. Repito, isso realmente aumenta as possibilidades de êxito. 


A 'S.A.R.D' proporciona aos atletas os detalhes táticos de meu plano. E os ajuda a entender tudo o que necessitam fazer para estar completamente comprometidos com o plano. Se há alguma fragilidade  – qualquer falta de compromisso –, todos ficamos mais frágeis.

As formações não são realmente importantes para nós. Utilizei muitas diferentes durante minha etapa no Salzburg e tentei manter uma temática comum no que diz respeito à nossa forma de jogar e pressionar. Isso é mais importante do que ser fiel ao desenho tático que adotamos. 

Sadio Mane - Jesse Marsch
Michael Regan/Getty Images

Peço aos meus atletas que pressionem quando, após um passe, a bola ainda está em deslocamento, e não quando já foi recebida. Assim, o rival terá menos tempo de ação com a bola dominada. 
Uma vez que o passe acontece e nós iniciamos a pressão, vamos todos. Envolvemos muitos jogadores na disputa de bola, mas conscientes de que teremos que correr de volta ao nosso desenho caso o rival consiga trocar o lado da jogada. 

Esses detalhes táticos são cruciais, mas creio que ter a mentalidade adequada é quase tão importante quanto. Portanto, dedico muito tempo para que cheguemos lá. No Salzburg, virei motivo de chacota de tanto usar a palavra “mentalidade”.

“DIGO AOS MEUS JOGADORES: SER AGRESSIVO É SEMPRE MELHOR DO QUE SER PASSIVO”

No centro de minha filosofia está jogar com ritmo. É sobre jogar em uma velocidade mais rápida da que os adversários podem lidar, enquanto nos organizamos de maneira tal que estejamos prontos para dar o bote, roubar a bola e atacar. Quero que meus jogadores superem a marcação e sejam mais inteligentes que ela, de maneira que estejam sempre um passo à frente, sempre que possível. 

Eu quero um compromisso e uma convicção total. Quero que os jogadores sintam que não se trata apenas de um estilo de jogo. É uma forma de vida. 

Se você quer algo, precisa ir atrás. Não deve esperar que te entreguem. Você é o agressor, o proativo. 

Jesse Marsch
Refugio Ruiz/Getty Images

Digo aos meus jogadores: ser agressivo é sempre melhor do que ser passivo.

Essa mentalidade positiva, proativa, tem que ser uma grande parte do que fazemos. Digo aos atletas que quero que ‘deixem tudo em campo’.
Eu sabia o que queria dizer quando enunciei esta frase ao grupo, mas pedi aos atletas para que a definissem. 

Eles responderam, assim: ‘Se doar pela equipe a todo momento’ e ‘quanto mais você der, mais irá receber’.

Creio que essas duas linhas sintetizam a ideia perfeitamente. Trata-se de estarmos unidos e cada um fazer sua parte.

“UM DOS JOGADORES QUE MAIS ME DEIXA ORGULHOSO É AARON LONG”

O fato de eles terem achado a definição significa que assumem o compromisso em seus próprios padrões. Assim, irão se sentir decepcionados se alguém não for fiel ao que criaram. Os jogadores irão se sentir desapontados, algo que ninguém quer fazer com um companheiro. 

“Esvaziem o depósito!”, digo aos atletas. Atravessem a barreira da fadiga mental e deem absolutamente tudo. 

No Salzburg, havia muitos jovens jogadores talentosos e com grandes ambições. Atletas que têm a oportunidade de jogar as principais competições europeias. Então, eu constantemente os lembrava de que o êxito da equipe dita o êxito do indivíduo. Quanto mais deem, mais receberão. 

Erling Haaland - Jesse Marsch
Francesco Pecoraro/Getty Images

A juventude e seu desenvolvimento são muito, muito importantes no que fazemos. Erling Haaland, Dominik Szoboszlai, Takumi Minamino e Tyler Adams são quatro exemplos muito conhecidos de atletas que comandei ainda bem jovens. 

Mas um dos jogadores que mais me deixa orgulhoso é Aaron Long. 

Andava de um lado para o outro na segunda divisão dos Estados Unidos, atuando principalmente como meio-campista defensivo. Quando o vi jogando, decidi levá-lo comigo ao New York Red Bulls, mas avisei: “Não te quero como meio-campista. Quero trabalhar contigo para que jogue na zaga”.

Também decidi que ele necessitaria passar um ano na equipe B, aprendendo sobre os nossos ideais e a nova posição em campo. Acreditávamos que tinha um enorme potencial.

“TODOS OS MELHORES JOGADORES JOVENS COM QUEM TRABALHEI TINHAM UMA MENTALIDADE DE CRESCIMENTO”

Ele confiou em nossas ideias, e rechaçou oportunidades de atuar nas equipes principais em outros lugares. Ele simplesmente tinha a mentalidade correta. 

Foi o zagueiro do ano na segunda divisão. Dois anos depois, foi o zagueiro do ano na MLS. 

Agora, Aaron é o capitão da seleção nacional. 

Acreditamos no potencial de nossos jogadores e na nossa forma de fazê-los alcançar suas melhores versões. Ficamos encantados ao dar oportunidades aos jovens atletas. Você se surpreende do que podem fazer por ti quando lhes oferece uma oportunidade. Às vezes, é preciso paciência. Mas pode ser algo recompensador. 

Tentamos formar gente que tenha o que chamamos de uma “ mentalidade de crescimento”. São pessoas que, ao falhar, querem saber como podem melhorar. Querem saber como poderiam ter feito melhor e como podem evoluir com o processo.

Aaron Long
Michael Reaves/Getty Images

Pode parecer surpreendente, mas no futebol de alto nível a maioria dos jogadores enxerga o fracasso do ponto de vista de que são suficientemente talentosos para obter êxito se simplesmente tentarem outra vez da mesma forma. 

Não queremos jogadores assim. Queremos evolução. 

Uma boa pessoa torna-se um bom jogador, não o contrário. Fico encantado com essa linha de pensamento e creio que nossa perspectiva sobre o processo de desenvolvimento mostra o quão verdadeira é. Todos os melhores jogadores jovens com quem trabalhei tinham uma mentalidade de crescimento. Em outras palavras: queriam crescer. 

O sucesso desses jogadores foi crucial para o sucesso de minhas equipes. 

Eles confiaram em minhas ideias e deram tudo pela causa, como lhes pedi. 

Sem esse compromisso de estar 100 por cento em cada treinamento, em cada minuto de cada jogo, simplesmente não funcionaria como tem funcionado.