Em 12 de outubro de 2022, o Barcelona liderava a La Liga 2022/23 em sua sétima rodada. Algo que não chegava a ser novidade na história do clube catalão, acostumado a ocupar os lugares mais altos da tabela de classificação. Naquele dia, porém, o fato foi notícia porque o Barcelona colocava um fim nos 833 dias (91 rodadas do campeonato espanhol) sem ocupar o posto mais alto da competição.
Xavi Hernández, que havia retornado ao Camp Nou em novembro de 2021, foi construindo, pouco a pouco, uma nova equipe. Para isso, contou também com as grandes contratações feitas no mercado de verão (europeu) de 2022. Dentre aqueles reforços, Robert Lewandowski, Jules Koundé e Andreas Christensen são os que deram mais resultado até agora.
O novo contexto recolocou o Barcelona na briga pelos títulos em 2023, com a taça da Supercopa da Espanha garantida, e líder da La Liga, com 53 pontos, oito a mais que o vice-líder, Real Madrid, já superada a primeira metade da competição. Nesta análise, o The Coaches’ Voice destaca cinco aspectos táticos implementados por Xavi, que levaram o Barça a uma evolução em campo.
Superioridade no centro do campo
Em seus primeiros meses em Barcelona, Xavi deu muita importância em contar com dois pontas naturais, bem abertos, em todas as situações de ataque. No entanto, sua maneira de interpretar o jogo ofensivo foi se modificando ao longo do tempo. Apesar de os corredores externos seguirem ocupados - na direita, por Ousmane Dembélé; na esquerda, pelos avanços de Alejandro Baldé desde a posição de lateral -, é no lado esquerdo que o treinador 'azulgrana' tem utilizado um quarto meio-campista. Pedri e Gavi se alternam nesta posição dependendo da partida e do objetivo a ser alcançado na partida.
Ambos se encarregam de partir da ponta para dentro e, assim, gerar um quadrado no centro do campo, além de superioridades pelos lados. Ou seja, trata-se de converter um falso ponta em um meia com capacidade para girar, dar o último passe e até mesmo chegar à área com frequência. Com isso, a ideia de Xavi é ter sempre um jogador a mais que o rival para atrair por dentro e jogar por fora.
Pedri e Gavi recebem a companhia de Sergio Busquets y Frenkie de Jong. O quadrado formado por esses jogadores (abaixo) tem três objetivos principais: desenvolver múltiplas alternativas de conexão entre a linha defensiva e o ataque, um contínuo movimento para gerar um homem livre às costas dos meio-campistas rivais ou, se estes estiverem muito recuados, uma maior facilidade para que Busquets e De Jong recebam o passe. Ganhar o meio-campo é uma obsessão para Xavi e, com essa mudança no sistema de jogo, a equipe tem conseguido isso.
A qualidade e a versatilidade dos quatro jogadores que ocupam esses espaços oferecem ao time um controle absoluto da posse na zona de criação. Além de causar no adversário uma necessidade de baixar a sua pressão em alguns metros.
Volantes criativos
De Jong e Busquets são os jogadores que dividem a zona de meio-campo. Xavi encontrou o equilíbrio necessário nesse setor seja em fase defensiva ou ofensiva. Com Busquets ocupando sozinho essa posição, e sendo o Barcelona um time exposto a receber vários contra-ataques, o técnico do Barça elaborou uma forma diferente de se defender no início da temporada 2022/23.
Até então, De Jong sempre se posicionava mais à frente em relação a Busquets. No entanto, ao colocar o holandês praticamente na mesma linha que Busquets quando a equipe adversária tem a bola, o Barça tem conseguido ocupar de maneira mais efetiva o espaço pelos lados do campo.
As ajudas mútuas entre eles para roubar a bola, dividir as tarefas defensivas, inserindo-se entre os zagueiros e, ao mesmo tempo, controlando a zona de rebote, constituem uma melhor forma de combater os possíveis contra-ataques, além dos cruzamentos laterais do adversário.
Por sua vez, essa simetria na dupla de volantes faz com que, na hora de avançar com a bola, tanto De Jong quanto Busquets sejam uma alternativa ou um ponto de apoio para dar fluidez e velocidade ao jogo. Uma das funções dessa parceria é atrair a pressão do rival e, assim, liberar os meio-campistas Pedri e Gavi, que ocupam posições mais adiantadas (abaixo).
Além disso, De Jong aparece muito mais na construção do jogo. Situação que pode ressaltar todo o seu potencial com a bola: distribuição com poucos toques e condução quando a situação exige.
A verticalidade de Dembélé
Desde a sua chegada ao Barcelona, ??Xavi sempre defendeu a qualidade e o bom trabalho do ponta. Uma confiança que foi correspondida pelo francês em campo. Enquanto o lado esquerdo está mais para surpreender com a chegada do lateral e para atrair com os passes sucessivos de Gavi e Pedri, pelo lado direito, o Barcelona costuma deixar Dembélé constantemente aberto, para poder explorar a sua velocidade. Um ponta natural capaz de driblar para os dois lados e definir a jogada com as duas pernas.
Desta forma, a melhor arma do Barcelona no ataque é fazer a bola chegar a Dembélé em situação vantajosa, para que o francês possa encarar seu marcador no um contra um. É aí que reside a importância de sua velocidade e de sua facilidade de superar adversários (abaixo). Existem poucos jogadores com a capacidade do francês, que é mais do que uma simples alternativa ou recurso no jogo do Barcelona.
A evolução de Dembélé também tem sua explicação na proteção que encontra atrás de si. Os zagueiros Ronald Araújo e Jules Koundé também têm sido utilizados como laterais-direitos, na retaguarda do ponta. Nessa função, ambos têm como premissa ocupar posicionamentos mais conservadores. Por isso, são raras as vezes que o lateral-direito do Barcelona entra em zonas de ataque.
Enquanto isso, Dembélé tende a recuar seu posicionamento se a jogada exigir que ele entre em contato com a bola. A sua condução costuma atrair vários adversários, e a sua forma de associação com os companheiros também gera vantagens na hora de progredir com a posse.
Como o Barcelona não é uma equipe que joga no contra-ataque, a presença de Dembélé acaba por ser um convite a fazer transições rápidas quando a bola é recuperada. Com espaço e a verticalidade típica do francês, é comum ver o time de Xavi recuperar a bola e ativar o ataque.
Nessas ações, Lewandowski costuma ser o primeiro receptor, para receber o passe de costas e dar continuidade à jogada. Posteriormente, a intenção costuma ser a de lançar a bola a um espaço a ser explorado por Dembélé, e tirar proveito de sua habilidade de superar rivais, com a defesa rival fora de posição. Nessas ocasiões, sua verticalidade e condução de bola são difíceis de se conter.
Segurança defensiva
A solidez defensiva talvez seja um dos fatores mais importantes para a evolução do Barça na atual temporada. Os poucos gols sofridos (foram 7 em 20 jogos até aqui na liga, uma média de 0,3 gol por partida) têm definitivamente colocado a equipe na briga pelo título.
Na linha defensiva, as contratações de Koundé e Christensen, mais a ascensão de Alejandro Balde, somam-se à consagração de Araújo. Esses quatro jogadores rejuvenesceram uma defesa que tinha, por exemplo, atletas como Gerard Piqué e Jordi Alba entregando menos do que faziam em temporadas anteriores.
Vale destacar o salto de qualidade de Araújo, que se tornou uma peça determinante no esquema de Xavi. Seja em sua posição natural de zagueiro ou adaptando-se à lateral direita quando enfrenta um ponta vertical, que busca constantemente os duelos de um contra um. Suas características — velocidade, bom jogo aéreo e capacidade para sair jogando— têm dado uma enorme contribuição à evolução defensiva da equipe.
Um caso semelhante ao de Araújo é o de Koundé. Um jogador que se adapta perfeitamente ao plano de Xavi com a bola. Ao mesmo tempo, fornece uma energia extra e muita intensidade defensiva. Sua velocidade permite que a linha defensiva do Barcelona fique muito distante de seu próprio gol, possibilitando roubar a bola no campo rival (abaixo).
Marc-André ter Stegen é outro dos fatores para o grande desempenho defensivo do Barcelona. Sua saída de bola é uma virtude a ser explorada por Xavi. Mas a sua qualidade debaixo das traves, de volta a seu melhor nível, é algo incontestável.
Foram várias as defesas do goleiro alemão que deram pontos ao Barcelona. Por outro lado, ter a linha defensiva tão avançada faz, por sua vez, que Ter Stegen internalize a ideia de sair de sua área quando a jogada o exige.
Lewandowski: atacante completo
A presença de Lewandowski no Barcelona faz dele a principal referência em qualquer aproximação à área rival. Xavi precisava de um atacante completo, capaz de recuar para receber entre as linhas de marcação e dar continuidade às jogadas; capaz de estar bem posicionado para finalizar ao receber o passe na área; capaz de oferecer deslocamentos contínuos para criar mais espaços nas zonas dos meias; e, sobretudo, capaz de fazer gols. Um papel que o atacante polonês desempenha perfeitamente.
Todas as construções ofensivas do Barcelona têm como principal denominador comum ser finalizadas por Lewandoski. Trata-se de um jogador capaz de finalizar com um único toque com grande precisão. Com a chegada do polonês, Xavi completou a sua obra no ataque. Desta forma, justificava-se o jogo exterior de Dembélé pela direita e de Balde ou Jordi Alba pela esquerda, ao contar com um grande cabeceador dentro da área.
Utilizado em diversas ocasiões como ‘pivô', ao jogar de costas e apoiar os meio-campistas interiores, Lewandowski não se destaca apenas dentro da área. Xavi tem proposto uma série de automatismos no jogo da equipe que fazem do atacante polonês um ponto de referência para sair jogando com o terceiro homem diante de uma pressão muito alta do rival. Nestas situações, Lewandowski recua ou fixa o seu zagueiro para receber de costas e tentar dar continuidade às jogadas conectando-se tanto com os jogadores da segunda linha quanto com Dembélé.
Esses cinco pontos-chave, somados à confiança que Xavi tem transmitido aos seus jogadores, recolocaram o Barcelona em uma posição privilegiada. E ainda com margem de crescimento. Algo que os torcedores do clube catalão sentiam falta após algumas temporadas complicadas no Camp Nou.
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