Marcelo Bielsa
Leeds United, 2018-Presente
Marcelo Bielsa representa uma figura contracultural num ambiente que exige o resultado imediato. Ganhar é importante, claro. Mas ele demonstra mais apego à forma de fazê-lo. Com esta visão, o técnico argentino deixou um enorme legado de conceitos e valores pelos clubes (Newell’s Old Boys, Atlas, América-MEX, Espanyol, Athletic de Bilbao, Olympique de Marselha, Lille e atualmente Leeds United) e seleções (Argentina e Chile) por onde passou. Algo que vai além dos títulos que pode ou não alcançar.
Para aqueles que em algum momento estiveram perto do argentino durante sua carreira, iniciada em 1982 quando assumiu uma equipe da base do Newell’s, Bielsa é a busca contínua pelo conhecimento, precisão e dedicação aos mínimos detalhes. Tudo isso somado a um amplo exercício de humildade e profissionalismo. E nem precisa ter trabalhado com ele. Bielsa também inspira muita gente que, de longe, identificou no argentino um modelo a ser seguido.
São eles, treinadores e jogadores, que nos ajudam a entender melhor a importância de Marcelo Bielsa. O que vem abaixo foi dito em diferentes entrevistas ao The Coaches’ Voice. Palavras que foram compiladas para esta nota.
“Quando cheguei para trabalhar com Marcelo Bielsa, eu pensava que sabia de futebol.
Porém, foram necessárias duas semanas com ele para me dar conta que havia um universo pela frente para ser estudado e compreendido.
Marcelo atrai porque tem um estilo marcante.
Quem vê de fora, como os torcedores, sente-se atraído por sua ideia de jogo. Sente-se identificado com ela. A maioria acaba por se converter em Bielsistas. Na Argentina, por exemplo, até os torcedores rivais tinham respeito pelo que se propunham a fazer os times de Bielsa. Mas quem vê de dentro sente a mesma atração. São muitos os detalhes que fazem dele diferente, mas talvez o principal seja seu extraordinário poder de criar exercícios que melhorem o jogador.
E o faz através de uma análise muito particular e detalhada de cada partida e jogador. Ele é capaz de visualizar todas as ações do jogo para, depois, escolher uma e transformá-la em exercício. Por exemplo, uma tabela.
A partir dessa pequena parte do jogo, ele é capaz de inventar um exercício que a represente, que possa ser treinado e acabe por melhorar a execução do jogador quando surgir a próxima oportunidade de tabelar. Marcelo chegou a desenvolver um programa com cerca de 30 tipos de tabelas e seus possíveis desdobramentos. Traduziu isso em exercícios para os treinamentos.
Todas essas tarefas criadas uniram-se a outras que foram surgindo dentro do programa de captação e formação de atletas, que ele desempenhou nas categorias de base do Atlas, do México.
Chegamos a ter cerca de 500 exercícios diferentes, o que nos dava a possibilidade de melhorar diversas situações de jogo e os próprios jogadores de uma maneira mais fácil”.
-Javier Torrente fez parte da comissão técnica de Bielsa entre 1996 e 2007 e, posteriormente, em 2014 no Olympique de Marselha
“Na primeira temporada (no Leeds United, 2017-18) me dediquei exclusivamente ao time sub-23, com o objetivo de desenvolver uma identidade bem diferente daquela que o time vinha mostrando nos anos anteriores.
Ao término dessa temporada, tive uma reunião com Víctor Orta (diretor de futebol) e Andrea Radrizzani (presidente) para fazer um balanço do trabalho. Andrea tinha bem clara a ideia de mudar o clube. Queria despertar esse gigante adormecido que era o Leeds. E para isso queria ter ao seu lado o melhor técnico do mundo.
Víctor não teve dúvidas, o melhor treinador era Marcelo Bielsa.
Algumas semanas depois, embarcamos com destino a Buenos Aires para nos reunirmos com Marcelo. Tive a sorte de fazer parte da comitiva. Andrea queria que eu fizesse parte daquele projeto desde seu início.
Naquela reunião, Marcelo demonstrou que sua capacidade de análise e conhecimento de uma equipe não tem limites. Sem sombra de dúvidas, é algo que te marca.
Em minha segunda temporada em Leeds, me juntei à comissão de Marcelo no time principal, apesar de ter mantido parte de minhas responsabilidades com o sub-23. Eu queria que a base jogasse e trabalhasse da forma mais parecida possível ao time principal, então eu coordenava o elenco que faria parte dos treinos e dirigia o time nos jogos. Acumulei as funções entre a base e o profissional em minhas segunda e terceira temporadas no Leeds.
Para mim, ter trabalhado com o Marcelo foi uma oportunidade única em minha vida. Quando me perguntam sobre como é estar com ele, destaco uma coisa acima de todas as outras: ao lado de Marcelo se pode aprender. Ele questiona e analisa tudo milimetricamente, o que potencializa o aprendizado de quem convive com ele.
A experiência foi maravilhosa. Dentro de campo, conseguimos o desejado acesso do clube à Premier League. Na parte pessoal, aqueles dois anos significaram um tremendo crescimento para mim”.
-Carlos Corberán fez parte da comissão técnica de Bielsa no Leeds entre 2018 e 2020
“Eu gosto muito do Bielsa. Estudei o seu trabalho. Teve uma passagem fantástica no Athletic Bilbao. Aliás, mostrou seu estilo incrível em todos os lugares que passou. Todos sabem como é a forma que ele gosta que se jogue futebol, além da intensidade em seu trabalho.
A maneira que treina seus jogadores é provavelmente como fomos treinados (no Manchester United) dos 16 aos 20 anos, mas ele faz isso com jogadores profissionais. Seus valores são muito firmes, é incrível”.
target="_blank" rel="noopener" data-saferedirecturl="https://www.google.com/url?q=https://www.youtube.com/watch?v%3DHIHD-dBb-4Y%26t%3D45s&source=gmail&ust=1620978775766000&usg=AFQjCNFEqCfboAfnRPGey1rG_Wwv3W6ehQ">-Phil Neville, técnico do Inter Miami e ex-jogador do Manchester United e do Everton
“Eu queria ser técnico. E o primeiro passo para consegui-lo seria viajar pelo mundo e me reunir com treinadores.
Fui à Europa para me encontrar com Marcelo Bielsa. Nos reunimos em Bruxelas, quando ele comandava o Lille.
Acontece que depois de 20 anos como jogador profissional, me dei conta de que ainda tinha muita coisa para aprender. O fato de ter sido atleta não me dava todo o conhecimento que necessitava. Eu não conhecia o outro lado”
-Julio César, técnico, ex-jogador de Real Madrid e Milan, entre outros clubes
“Nas categorias de base, definimos o esquema tático de acordo com os jogadores que temos à disposição. Se tivermos dois bons pontas, encontramos uma forma de jogar com ambos.
É possível que tenhamos três bons zagueiros e não queiramos abrir mão de nenhum deles. Neste caso, poderiam desempenhar funções diferentes, como lateral, por exemplo. É assim que vemos o jogo: o esquema tático tem a ver com as características dos garotos que temos à disposição.
Todas essas ideias vieram através de alguns treinadores que tive. Marcelo Bielsa influencia muita gente. Nenhum de seus comandados passa indiferente ao seu trabalho. Tenho uma admiração especial por ele. Mas se tiver que destacar sua principal qualidade, diria que é esta influência positiva que tem sobre todas as pessoas que comandou”.
-Pablo Aimar foi jogador do Bielsa na seleção da Argentina entre 1998 e 2004
“Tive a sorte de ter Bielsa como técnico nas Olimpíadas de Atenas em 2004 (Argentina ganhou a medalha de ouro). Tenho milhares de histórias interessantes com ele. Sua paixão pelo futebol é de um fanatismo desmedido. Ter tido a chance de conviver com ele, sendo seu jogador, me fez dar conta da loucura que sente por esse esporte. Vive e só pensa em futebol, em como melhorar seus jogadores.
Sempre digo que se o Bielsa comanda um jogador nota 6, acaba por transformá-lo em nota 8 ou 9. É impressionante.
Destacaria ainda a sinceridade que ele tem com os atletas. Por isso, é tão querido pelos jogadores. Ele vem e fala as coisas na cara. As boas e as más. Lembro que eu havia feito três gols num jogo. Terminei a partida extremamente feliz e quando cheguei ao vestiário, a primeira coisa que me disse foi: ‘Hoje, você foi um desastre’.
Por quê? E não entendi nada.
Em sua visão do jogo, estava também o que fiz nas fases defensivas da equipe. Ou, melhor dizendo, o que não fiz e deveria ter feito para ajudar meus companheiros.
Ele tem a mente tão aberta e com tanto conhecimento que os três gols não encerravam a análise. Bielsa sempre tem uma outra visão. E aí, você percebe que ele vive em outra dimensão, em outro mundo. Ele não tem pensamentos parecidos com o resto das pessoas”
-Javier Saviola foi jogador do Bielsa na seleção da Argentina nas Olimpíadas de Atenas, em 2004