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A evolução do Arsenal com Mikel Arteta: Cinco observações táticas

The Coaches' Voice
A evolução do Arsenal com Mikel Arteta: Cinco observações táticas
Redacción
The Coaches' Voice
Publicado el
febrero 2 2023

Antes do início da temporada 2022/23, o Arsenal aparecia com uma probabilidade de 40/1 para conquistar o título inglês. No entanto, Mikel Arteta tem sido o condutor de uma melhora quase inimaginável, construindo uma equipe de alto nível, que faz por merecer seu lugar no topo da Premier League.

Ainda tem muito campeonato pela frente, e o Arsenal, claro, pode sofrer uma queda (o Manchester City segue sendo o favorito para conquistar a taça, apesar de ter, no momento, cinco pontos a menos  e um jogo a mais do que os londrinos), mas Mikel Arteta tem motivos de sobra para estar muito orgulhoso do time que formou e da vantagem que construiu na classificação até aqui. Mesmo que a equipe, eventualmente, termine a competição na segunda, terceira ou quarta posição, a campanha terá sido melhor do que muita gente imaginava em agosto.

Mas, o que é exatamente que o Arsenal está fazendo tão bem? Quais são os ajustes que Mikel Arteta implementou que se traduziram em uma evolução tão notável? A seguir, analisamos os aspectos táticos dos Gunners nesta temporada, com enfoque em cinco pontos-chave de seu jogo.

Laterais assimétricos e flexíveis

Mikel Arteta acrescentou Oleksandr Zinchenko à sua lista de laterais no verão europeu de 2022, e o ucraniano se juntou a Takehiro Tomiyasu, Kieran Tierney e o improvisado Ben White - zagueiro de origem - como opções no setor. A exemplo do que fazia no Manchester City, Zinchenko deixa a lateral, movendo-se para perto do único volante do 4-3-3 de Arteta - normalmente Thomas Partey - para formar uma dupla de volantes durante os períodos mais prolongados de posse de bola.

Quando o Arsenal adota um 4-2-3-1, Granit Xhaka sai da linha de volantes e avança para fazer a função de meia pelos corredores interiores, ao lado de Martin Ødegaard. Com a chegada de Zinchenko, o Arsenal se tornou bem mais flexível, com mais trocas de posições possíveis. Uma variedade que o torna mais imprevisível nos momentos de posse de bola.

A presença de Zinchenko também fez do Arsenal um time mais dominante no centro do campo, uma vez que ele se sente cômodo com a bola sob pressão, além de ter uma técnica apurada. Sua orientação corporal ao receber o passe lhe permite avançar com rapidez quando tem a bola. O que tem sido especialmente útil, tendo em conta que ele é muitas vezes o elo com o ponta, Gabriel Martinelli, ou com Xhaka, depois que o suíço tenha se deslocado à linha da frente. A posição de Zinchenko também ajuda a gerar vantagens numéricas em um meio-campo com três jogadores (abaixo), sempre e quando o ponta rival não o acompanhe por dentro.

Enquanto isso, pelo lado direito do Arsenal, os laterais White ou Tomiyasu frequentemente ocupam posições mais conservadoras. O que costuma deixar a equipe com uma linha provisória de três zagueiros, mesmo que o lateral-direito e o zagueiro pela esquerda, Gabriel Magalhães, tenham liberdade para avançar por fora da dupla de volantes. Quando o ponta-direita, Bukayo Saka, se movimenta para dentro, o lateral-direito pode avançar pelo corredor, e o Arsenal terá uma estrutura com quatro atletas - Zinchenko e Partey, além dos zagueiros Gabriel Magalhães e William Saliba - para dar suporte por trás da linha da bola.

O papel de Granit Xhaka

Na atual temporada, Xhaka tornou-se ainda mais importante para o Arsenal, com seu papel de destaque na construção ofensiva.

Ao contrário do que acontecia nas temporadas anteriores, quando costumava ficar atrás da linha de passe, o suíço agora tem oferecido corridas à frente da linha da bola, por dentro do posicionamento do lateral-direito rival. Enquanto Martinelli oferece amplitude pela ponta esquerda, Xhaka realiza corridas em profundidade pelo corredor interno. Nessas posições, pode associar-se com o próprio Martinelli pelo lado ou encontrar um passe por dentro para manter o ritmo e a velocidade da jogada em posições avançadas do campo. Esta é uma influência clara que Arteta trouxe do 4-3-3 do Manchester City e, mais especificamente, do papel que David Silva desempenhou para Pep Guardiola quando Arteta era seu auxiliar. 

O alcance dos passes de Xhaka tem sido útil nessas zonas avançadas. Isso porque tem a capacidade de jogar curto ou inverter a jogada a Ødegaard, quem espelha a posição de Xhaka pela direita. Essas inversões têm ajudado o norueguês a se posicionar com mais frequência em zonas de finalização ou ideais para deslizar a bola em direção a Saka, às costas da defesa, pela direita. Xhaka sabe identificar e executar esses passes com rapidez, uma característica de seu jogo que evoluiu sob os comandos de Mikel Arteta.

O suíço também tem tido sucesso com os cruzamentos desde sua posição mais estreita pela esquerda (acima). Esses cruzamentos acontecem com um mínimo de impulso, e sua técnica é um trunfo real nessas posições avançadas. Antes, era raro vê-lo ocupar posições do campo onde pudesse cruzar à área.  

Em fase defensiva, Xhaka costuma adotar um posicionamento mais recuado em relação ao de Ødegaard para formar uma dupla de volantes quando o Arsenal defende num 4-2-3-1. Ele cobrirá o espaço por dentro do lateral-esquerdo, e vai identificar os momentos para avançar e pressionar o portador da bola. Isso ajuda o Arsenal a alternar entre um 4-3-3 e um 4-4-2 quando não tem a bola.

Ødegaard, um diferencial

Com Xhaka jogando avançado pelo corredor interior esquerdo, Ødegaard se converteu mais em um meio-campista pela direita do que em um camisa 10, centralizado. O fato de ser canhoto e atuar pela direita no 4-3-3 de Mikel Arteta permite a Ødegaard aventurar-se por dentro em jogadas procedentes do lado esquerdo.

O norueguês continua, então, seu movimento em direção ao meio para se colocar em zonas de finalização. Não por acaso, ele é, no momento, o principal goleador do Arsenal na Premier League com oito gols marcados, um a mais do que fez em toda a temporada passada. Ele também tem se beneficiado das constantes e ágeis movimentações realizadas pelo centroavante - Gabriel Jesus ou Eddie Nketiah -. Eles frequentemente se deslocam à esquerda para participar de triangulações com com Xhaka e Martinelli, além de oferecerem movimentos mais variados do que faziam Pierre-Emerick Aubameyang ou Alexandre Lacazette, os jogadores que ocuparam a função de 9 na temporada passada. Assim, sobra mais espaço a ser ocupado por Ødegaard pelo meio, com os zagueiros adversários ligeiramente arrastados de suas posições pela movimentação do centroavante.

A habilidade de Ødegaard em zonas congestionadas também tem sido fundamental para o Arsenal, sobretudo com o aumento de rivais que optam por adotar uma marcação em bloco baixo contra o time de Mikel Arteta. As combinações de Ødegaard e sua capacidade de romper a última linha têm propiciado mais oportunidades a Saka depois de suas penetrações partindo da ponta direita. Além disso, ao adotar posicionamentos mais centralizados para receber um passe, ele também tem capacidade de municiar Xhaka ou Martinelli em eventuais corridas pelo corredor interior esquerdo (acima). Ødegaard tem uma técnica e uma visão de jogo excepcionais. Pode lançar a bola por cima ou por baixo para furar o bloco adversário e deixar seus companheiros em ótimas situações. Algo que tem sido crucial nesta impressionante fase do Arsenal.

Evolução na arte de pressionar

Gabriel Jesus foi contratado para oferecer uma maior ameaça de gol aos rivais, além de ser um elo com os corredores que avançam desde o meio-campo. Mas, sobretudo, veio com a missão de melhorar a pressão pós-perda da equipe. Em 2021/22, o Arsenal foi apenas o décimo terceiro na Premier League no quesito PPDA (sigla em inglês para ‘passes por ação defensiva’). Os números indicavam que a equipe estava na parte debaixo da tabela quando o assunto era a intensidade de sua pressão. Em 2022/23, até agora, o Arsenal lidera neste quesito. Isso, naturalmente, fez do Arsenal uma equipe mais sólida defensivamente. E não só: o time tem marcado mais gols após recuperar a bola em zonas altas do campo, produto de uma enérgica pressão liderada por Gabriel Jesus. 

O atacante brasileiro faz uma pressão especialmente eficaz quando corre para trás. Consegue recuperar a bola com agressividade e intensidade, com sua capacidade de se antecipar ao rival e se posicionar entre o jogador e a bola. Isso não somente atrasa o ataque rival e permite com que seus companheiros se reposicionem corretamente, mas também costuma induzir o adversário a jogar em zonas mais povoadas. Facilitando a vida dos meio-campistas do Arsenal, que podem recuperar a posse antes de que a jogada do adversário tenha avançado além do meio-campo (acima).

Quando pressiona mais à frente, Jesus é especialista em se posicionar e orientar sua corrida para tentar cortar qualquer mudança de jogo entre os zagueiros, antes de identificar o momento adequado para avançar e pressionar o zagueiro que tem a bola. A seguir, se esforça para induzir o rival a sair jogando pelo lado, ao mesmo tempo que protege a linha de passe ao volante rival mais próximo. Com isso, permite que um dos meio-campistas do Arsenal adote um posicionamento intermediário entre dois adversários. Algo que tem sido crucial para impedir saídas de bola bem-sucedidas dos rivais. 

Evolução defensiva

O Arsenal tem dominado a posse da bola na maioria de suas partidas na Premier League desta temporada. E, consequentemente, tem controlado esses jogos. Dominam o território e pressionam alto, encurralando o adversário em seu próprio campo por longos períodos e concedendo menos oportunidades que antes. Até mesmo quando o adversário consegue se lançar ao ataque, a dupla de zaga, formada por Gabriel Magalhães e Saliba, tem representado uma base incrivelmente sólida na retaguarda.

O bom jogo aéreo de Gabriel melhorou a defesa do Arsenal. A equipe tem se mostrado, na atual temporada, mais segura para lidar com os cruzamentos, tanto com bola rolando como em jogadas de bola parada. Mesmo que não limpe a jogada após o primeiro contato, sua capacidade de atrapalhar e bloquear o adversário reduziu significativamente o volume de chances concedidas.

Saliba, por sua vez, dá cobertura a Gabriel depois que o brasileiro disputa a primeira bola. A leitura de jogo do francês, bem como sua habilidade para girar e cobrir o espaço às suas costas, permite ao Arsenal defender com uma linha alta. Enquanto o goleiro Aaron Ramsdale fica atento para eventuais coberturas fora de sua área. Saliba tem impressionado com seu alto aproveitamento nas disputas de bola, situações que raras vezes é batido. Cobre terreno com rapidez e se desloca às laterais quando necessário, o que tem reforçado o lado direito do Arsenal (acima).

A utilização de White, zagueiro de origem, na lateral-direita, dá ao Arsenal um jogador naturalmente confortável em cobrir Saliba por dentro, quando este sai para pressionar o portador da bola. White é um jogador versátil, que apoia bem o ataque, mas que também cobre com frequência o miolo de zaga.

A conjunção simultânea de tantas coisas positivas resultou em um Arsenal candidato ao título. O que antes era considerado muito improvável, agora, não é mais. Independentemente se irão vencer a liga, contrariando todos os prognósticos, o certo é que Mikel Arteta já merece todos os elogios pelo incrível trabalho feito nesta primeira metade da temporada 2022/23.

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